A Minha Sanzala

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20 de maio de 2004

Millôr Fernandes

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

12-02-2004 20:14 Forum: Café do Desassossego

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"f**a-se", por Millôr Fernandes


O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional a quantidade de "f**a-se!" que ele fala. Existe algo mais libertário do que o conceito do "f**a-se!"? O "f**a-se!" aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta. "Não quer sair comigo? Então f**a-se!".
"Vair querer decidir essa m**** sozinho(a) mesmo? Então f**a-se!" O direito ao "f**a-se!" deveria estar assegurado na Constituição Federal. Os palavrões
não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia. "Pra ca*****", por exemplo.. Qual expressão
traduz melhor a idéia de muita quantidade do que "pra ca*****"? "Pra ca*****" tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A Via-Láctea tem estrelas pra ca*****, o Sol é quente pra ca*****, o universo é antigo pra ca*****, eu gosto de cerveja pra ca*****, entende? No gênero do "Pra ca*****", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "Nem f**endo!" O "Não, não e não!" e tampouco e nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, absolutamente não!" o substituem.
O "Nem f**endo!" é irretorquível, e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciência. Solte logo um definitivo "Marquinhos, presta atenção, filho querido, NEM f**ENDO!". O
impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma numa boa e você fecha os olhos e volta a curtir o CD do Lupicínio. Por sua vez, o "porra nenhuma!" atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional. Como comentar a gravata daquele chefe idiota senão com um "é PHD porra
nenhuma!" ou "ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!". O "porra nenhuma", como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha. São dessa mesma gênese os clássicos "aspone", "chepone", "repone" e mais recentemente o "prepone" ? presidente de porra nenhuma.Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um "Puta-que-pariu!", ou seu correlato "Puta-que-o-pariu!", falados assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba. Diante de uma notícia irritante qualquer um "puta-que-o-pariu!" dito assim te coloca outra vez em seu eixo. Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecidotroco ou o safar de maiores dores de cabeça. E o que dizer de nosso famoso "vai tomar no cu!"? E sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai tomar no olho do seu cu!". Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: "Chega! Vai tomar no olho do seu cu!". Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima. Desabotoa a camisa e saia à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios. E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de
definição do Português Vulgar: "f**eu!". E sua derivação mais avassaladora ainda: "f**eu
de vez!". Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar: O que você fala? "f**eu de vez!". Liberdade, igualdade, fraternidade e f**a-se!!!

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