A Minha Sanzala

no fim desta página

11 de novembro de 2004

É do mar que vêm estas vozes

Para o teu/nosso zulmarinho, mais um poema do Cândido da Velha, pq hoje é 11/11:


I
É do mar que vêm estas vozes
silabando a linguagem das marés,
gravando na areia estranhas grafias
onde, quem sabe ver, desvenda o rumo
no sobressalto das ondas.

Este permanente arfar marinho
desperta a ressonância de oculto escuro
de obscuros templos submersos onde o coração,
descompassadamente, se perturba
na iminência do segredo revelado.

Cheiros de primeira pátria,
nesta urgência de sal em nossos membros,
atrai as pegadas para a líquida planura
pela saudade de verde glauco
que estira o corpo na fronteira do mar.

Reminiscência da primeira voz,
neste marulhar à concha dos ouvidos,
desperta nossa cólera e angústia
de malograda fuga e de nos vermos,
na babugem das águas, de olhos vítreos,
adormecidos peixes sobre a areia.


II

Coberto de firmamento, nesta praia
onde as ondas emergem das ondas,
as gaivotas lançam nos ares seu grito,
sinto os pulmões marinhos respirarem.

Regresso à origem das eras (conforme as lendas),
liberto de bandeiras, desnudado
para esta energia cósmica,
fóssil proclamando a luz
a saudade do berço da vida - o grande Mar.

Coberto de firmamento, transcendido,
aniquilado para um só mundo,
penetro-me do cheiro de ignoto lugares
onde já estive primeiro, antes de ser fogo,
terra e água, antes de procurar os céus,
abrindo a janela do corpo ao sopro das distâncias,
às profundidades marinhas onde o ser se espraia.


Tenso, nesta energia, perturbo-me
na incidência da fornalha solar,
só pensamento, raiz dos tempos,
primeira chuva e crosta sob as estrelas.

E eis que surge infinita ternura
por esta forma humana deitada na areia,
esmagada de infinito, a estremecer
ao vento oceânico, ao sentido oculto da névoa,
como se a linha do horizonte e esta praia,
eternizadas, se encontrassem no olhar
de Deus a lamentar seu peixe morto.

Enviado por Tereza Campos


Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

Sem comentários:

Enviar um comentário

Podcasts

recomeça o futuro sem esquecer o passado