A Minha Sanzala

no fim desta página

14 de agosto de 2005

Amor no Zulmarinho


"Fio": Um café na Esplanada

carranca
Respostas:
1555
Visualizações:
38609
Amor no Zulmarinho Hoje, 00:05
Forum: Conversas de Café
Mermão, paga aí umas quantas bem geladinhas para lubrificar a goela enquanto te conto mais um pensamento que não é nem passatempo nem passamento.
Eles já se tinham visto milhares de vezes, mas nunca tiveram a chance de trocar uma palavra, se muito, uma breve troca de olhar sem ficar registado na retina, na memória recente ou passada. No ritmo frenético de uma cidade, aliado à total ausência de motivos para se falarem, não tinha surgido, até então, nenhuma chance de se conhecerem. Mas cruzavam-se milhentas vezes. Muitas vezes se viram no cinema, na paragem do machimbombo, na caminhada para a ilha, na beira do zulmarinho, mesmo lá no início dele, na sorvetaria, na praça, na feira, na rua. Eles moravam na mesma rua da cidade, eles sempre se olhavam, mas nunca se viam. Se alguma pessoa tivesse funcionado como um elo de ligação entre os dois, muito provavelmente eles se tinham casado, tamanhas as coincidências de gostos, estilos e temperamentos, que eu não estaria aqui a contar-te esta estória.
Tas admirado de eu hoje te estar a contar uma estória que parece ter cabeça e pés? Não te admires, mermão, que muita coisa anda escondida atrás das birras geladas que me pagas e eu devoro atrás de um sabor autêntico.
Também havia uma crónica e reincidente maré de azar no amor, que ambos enfrentavam, há um bom tempo. Ele tinha o defeito de ser instável nessa coisa de amor. Conquistava e estava já a pensar noutra caminhada, isso era superior às suas forças e vontades. Ela, mermão, tinha o pensamento no futuro, ela só pensava mesmo nas aulas, na perfeição, no ser um ser superior. Era mesmo o estigma que se lhe colava mesmo que de verdade não tivesse nada.
E seguiam eles pela vida, naquela técnica da tentativa em busca de um acerto que lhes permitisse o que todo mundo sonha: uma história de amor.
Acontece que amores de cinema proliferam por aí, mas não adiantam muito. Amor de filme de verdade, bem dirigido, com uma boa fotografia, direcção de arte, banda sonora e elenco de luxo é coisa rara no mercado. Mas eles queriam, eu quero e tu, mermão, muito provavelmente, também queres. A sina do ser humano é perseguir coisas, geralmente inatingíveis. Uns se contentam com o que lhes é oferecido. Outros, mermão, buscam mais e quase sempre terminam de mãos vazias. Poucos felizardos encontram o pote de ouro no final do arco-íris.
Se destino realmente existisse, eu diria que o daqueles dois foi colocado em linhas paralelas e, mermão, paralelas, a gente aprende na escola, que nunca se cruzam. Mas eu se fosse o dono do destino, por mero capricho e por pura diversão, faria com que aqueles dois caminhos se fundissem, porque a vida sem uma bela história de amor não passa de um filme de quinta categoria, que não vale sequer o preço do bilhete.
Me perguntas, mermão, o que tem a estória a ver connosco? Eu te respondo, mermão, que tem tudo, mesmo quando parece não ter a haver nada.
Mas hoje dentro do zulmarinho, sem a prótese dos olhos, mermão, o meu coração tremeu porque viu paraecia um fantasma desde os outros tempos.
Por isso mesmo, mermão, hoje vou virar uma grade delas para ver se me restabeleço.
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

Sem comentários:

Enviar um comentário

Podcasts

recomeça o futuro sem esquecer o passado