A Minha Sanzala

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9 de setembro de 2005

Usando as garrafas...fazendo novo Zulmarinho - IV

Bebo uma taça de vinho. Degusto-a. Paro para olhar o zulmarinho que se vai escurecendo, notando-lhe gelado. Conheço-o tão bem que me basta o olhar para saber como ele está. Não me consegue esconder a alma.
Volto-me para o papel de cor amarelada, caneta de tinta permanente bailando na mão. À minha frente continuam as três garrafas a serem escolhidas mais uma meia cheia de vinho tinto caro e por isso presumivelmente bom.
Nada daquilo que me tem motivado a ficar me deu alegria, assim como não sei se a teria encontrado a teu lado. Eu preciso escrever. Eu preciso de me ver livre do peso da infelicidade, apesar de ter tido dois caminhos a seguir que me poderiam conduzir, isoladamente, à felicidade ou à paz. Ter-te conhecido, ter-te vivido, ter-te tido, mudou a linha do destino. Fez com que uma vida que poderia ter sido simples e pacata, que tinha tudo para ser coroada pelo êxito que gente normal como eu normalmente alcança, se transformasse num grande fracasso, numa nascente de ansiedade, numa torrente de desejo. Simplesmente porque desde aquele dia eu senti muitas vezes a infelicidade. A incapacidade de gerir sentimentos que me contrariam, que acendem ou pagam os fogos dentro de mim, que criam labirintos que são medonhos ou belos, que ma fazem sorrir ou chorar numa incerteza certa e repetitiva de discernir fria e correctamente, fez com que nunca mais fosse feliz e esquecesse o teu brilho, o teu perfume, o teu ar, o teu jeito de amar em pecado que me conduziram ao mesmo tempo ao paraíso. És a personificação da serpente no meu caminho. Já fiz milhares de projecções a nosso respeito, a vida que nós dois poderíamos levar estando juntos e agora vivo desertificado por essas conjecturas sonhadas, por linhas paralelas do querer e dever. Bebo mais um pouco do vinho da solenidade. Reparo nos muitos escritos feitos por pares enamorados no tampo da mesa de madeira queimada pelo sol. Olho para o escuro zulmarinho. Paro para absorver cada linha do que penso.
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

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