A Minha Sanzala

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10 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(35)



"Fio": Um café na Esplanada

carranca
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Uma estória verdadeira (35) Hoje, 18:11
Forum: Conversas de Café
Depois de mais uma noite bem dormida. Que fiz eu depois de deitar? Não me lembro. Acho que dormi tudo de uma vez só. Esta vida de férias sabáticas tem coisas que a coisa não entende. Cansa para mais não sei o quê. Eu já disse aí para trás que estou a gostar de aprender a conduzir aqui em Luanda. Vais ver se conseguir sair daqui ainda me vou espetar na primeira rua lá do fim do zulmarinho. Mas não vale a pena pensar em desgraças futuras que isto aqui não é bola de cristal. Mas levar-me pelas ruas de Luanda, confesso que quase me sinto realizado e divertido. Não há nada mais divertido! É verdade que custa entrar na dita cuja de quem me estou a enamorar, dada a quantidade mais que muita de candidatos ao mais puro e radical divertimento e é claro que os que lá estão não querem perder o lugar privilegiado que já ocupam, não vão depois ficar com uma visão deficiente do espectáculo. Mas vale a pena a demora. Quando finalmente entramos naquele pára arranca que começa logo ao sair de casa, dá um gozo do caraças aquelas horas intermináveis e achamos por bem empregue os custos de tempo e a dor que pouco depois já sentimos na porcaria da perna de embraiagem ou do pé no travão. O outro pedal fizeram mesmo para quê? Divirto-me então com o espectáculo propriamente dito Em média uma pessoa por carro, se tirarmos os 16 que vão no candongueiro, que isso de se juntarem mais num mesmo carro, é uma coisa aborrecida e depois chegavam todos ao mesmo tempo ao destino, que chatice, e era capaz de nem dar para fazer tudo o que há a fazer durante o trajecto. Por exemplo aquele senhor com cara de poucos amigos e um bruto Suv da Mercedes não poderia ir a ler o jornal, a falar ao telefone e ouvir o rádio e a tirar macacos do nariz. Tudo no mesmo instante de tempo. O outro ali na terceira faixa com cara de puto de fralda não poderia ter a conversa animada ao telemóvel. Aliás, a pessoa que está no outro lado da linha deve ser muito bem disposta, ou estava a contar anedotas porque o fraldeco não pára de rir. Ao menos podia ter posto aquilo em alta voz para nós nos rirmos também. Há pessoas muito egoístas. Olha só aquela dama ali com ar de quem vai na festa importante, que no intervalo do pára e nunca mais arranca depila as sobrancelhas, põe creme e ainda pinta os olhos. Eu por acaso achei que estava mais bonita antes daquele colorido azul que está a pôr na volta do olho. Faz-me lembrar as pinturas de quando eu era pequeno, mas reconheço a minha falta de jeito para apreciar essas colorações nas mulheres. Gosto especialmente de fiscalizar as obras intermináveis que têm a vantagem de entupir o fluxo estanque do trânsito. Dá para ver que se está a trabalhar. Adoro apreciar os candongueiros. São condutores exímios, que levam o tempo todo a cirandar de uma faixa para outra, até onde nem faixa tem, realizando um sem fim de malabarismos com os respectivas carrinhas azul e brancas e no final conseguem chegar ao fim do espectáculo 2 minutos mais cedo que nem eu. Isto se entretanto não encontrarem outro candongueiro com um pé de travão mais lento e depois acabam por ficar 3, 4, 5 ou sei lá quantos ali parados a conversar sobre o novo formato que os seus carros adquiriram, enquanto todos os outros vão passando muito lentamente, talvez porque estejam cheios de inveja de não serem os actores principais. Entretanto, no pára arranca, os semáforos invisíveis passam a verde e desatam todos a acelerar até ao próximo semáforo invisível, onde se pára outra vez e se continua a admirar o espectáculo mais divertido que ida ao cinema. Neste espaço de tempo temos o prazer de ouvir aquela espectacular música dos que têm mais do que uma aparelhagem de escape sofisticada, donde aliás, também sai um fumo como acontece em alguns concertos e discotecas, alguns até têm daquelas luzinhas psicadélicas de azul mais que forte em vez dos estúpidos faróis que convenhamos para alguns condutores parecem não ter utilidade nenhuma. E pronto, hoje só tive pena de não ter visto actuar aquele senhor que vi num outro dia a conduzir com uma mão e na outra a maquineta de barbear a fazer massagem na cara. Provavelmente é professor e portanto está de férias ou entra mais tarde hoje. E ver as montras? Todas as utilidades e inutilidades desde que móveis estão aqui e ali em exposição. Qual shopping qual quê. Aqui está o puro do meu divertimento. Olha ali aquela dona sentada numa pedra com garrafa de litro e meio. Ela vende mesmo o quê? Óleo para o carro. Deve que ser mesmo óleo de travão que aqui deve ser como álcool, se evapora com o calor num instante. Tas a ver que tem profissão útil e pouco desgastante. Mas mais uma entrada triunfal nesta linda cidade de Luanda.
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

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