A Minha Sanzala

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29 de junho de 2006

Olhando no espelho de mar

Tem dias que gosto de me ver no reflexo do zulmarinho dos dias calmos e acontece que tem vezes que não me reconheço. Não sou eu quem está ali a me olhar. Não sinto aquilo que ali me envolve. Tem vezes que demoro muito tempo para me convencer, aceitar e até acreditar e gostar do que vejo. Demoro a me olhar e descobrir que eu sou um conjunto completo, complexo e bem entrosado. Sabe-se lá, uma máquina quase perfeita.
Isto, que vale, é que me passa depressa. Tudo passa sempre, até o autoconvecimento.
Hoje não me reconheço. E quando olho na calma do zulmarinho, não sei quem é que está ali agarrado na birra estupidamente gelada a lhe olhar com ar de admiração. É que eu acho que também não sei quem sou aqui...

NOITE DE LUAR

Nessa noite, uma daquelas noites africanas mágicas, falava-se das ONG’s espalhadas pela zona, das suas funções, do apoio prestado e do impacto da sua actividade no dia a dia daquelas gentes. O proprietário do empreendimento, um africano enorme em vontade de singrar na vida, queixava-se da falta de visão social de tais ONG’s, da pouca importância que davam ao desenvolvimento integrado e social daquelas gentes. Coisa estranha, a “cheirar” a mais uma teoria pretensamente africanista, onde o reconhecimento de quem ajuda é, por vezes, transformado em arrogância xenófoba. Mas o nosso espírito democrático, o convívio, a vontade de continuar pela noite fora e alguma curiosidade levaram-nos a ouvir atentamente aquele homem.

Dizia ele que sentia enorme dificuldade em contratar um motorista, pois mesmo pagando o dobro do que recebiam como funcionários públicos (cerca de 100 dólares por mês), pagando alojamento e alimentação no percurso, à parte, poucos aceitavam o trabalho, mesmo queixando-se do desemprego.

A principal razão para o sucedido residia na oferta das ONG’s (geralmente com orçamentos em divisas, geridas por expatriados), as quais, em vez de contratarem os serviços de empresas locais, ofereciam emprego temporário por contratação directa. Na ânsia de evitarem ser chamados de neocolonialistas, pagavam a um motorista cerca de 1.000 dólares mensais, pensando estar a contribuir para o desenvolvimento da população e elevação do respectivo bem estar.

Argumentava, então, o nosso interlocutor, como seria de esperar qualquer motorista preferia trabalhar apenas 6 meses para uma ONG pois receberia tanto como se trabalhasse para ele durante 5 longos anos, mesmo que o tal motorista permanecesse inactivo vários meses ou anos entre contratos.

Desta forma, o tal motorista adquiria uma capacidade financeira durante 6 meses impossível de manter pelos empresários locais, tendo em conta as condições económicas do País e a margem de lucro da comercialização de pescado.

Fácil era concluir que, acabado o contrato com a ONG, acabava-se o dinheiro gasto na ilusão de uma febre consumista aprendida rapidamente e os empresários locais continuavam a sentir dificuldades em desenvolver as suas actividades, ou seja, a independência económica ia definhando a favor da dependência das actividades caritativas das ONG’s, por mais bem intencionadas que chegassem aqui.

O exemplo não pode nem deve servir para todos os casos. Nessa noite também se falou da ajuda de ONG’s que tinham permitido salvar vidas e trouxeram dignidade a populações onde a ajuda pública não chegava ou era apenas residual e muitas vezes administrada segundo critérios de mero despotismo. Mas uma coisa é certa, aprendi naquela noite uma enorme lição de economia, dada por alguém que nem sequer pensava nesses termos, impossível muitas vezes de enquadrar nas teorias académicas das melhores universidades e que, geralmente, passa à margem dos quadros mesmo que africanos.

Bendita esta África prenha de esperança!

MC

Sanzalando

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