A Minha Sanzala

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22 de setembro de 2006

05 - Estórias no Sofá - Num Bairro periférico - 2 de 4

No ciclo natural da vida, Antero um dia morreu. Só se sabe que foi de morte falecida. Ninguém lhe conheceu doença ou lhe ouviu tristezas da vida que toda a gente lhe sabia. Sentado no velho carvoeiro do bairro velho virado para o rio ele partiu e deixou o corpo. Deixar o corpo para os outros lhe enterrarem A tristeza invadiu o bairro e várias estórias foram aparecendo. Morreu de tristeza porque os filhos isto e aquilo, vão na cidade e não fazem nada e o pobre velho é que tem que aguentar. Morreu porque já não se sentia com força para ir ao mar mas tinha vergonha de desistir, porque homem que é homem não desiste. Se tivesse ao menos um dos filhos, todos rapazes e de bom corpo, a lhe dar uma ajuda, etecetra e tal. A certeza certa foi que Antero completou o ciclo da vida e morreu falecidamente.
Com os parcos bens juntados pela família mais chegada lá se tratou de um funeral modesto. Para ir a enterrar também não era preciso gastar dinheiro que não tinha. Mariana, mulher de Antero, mais virada para as coisas da cozinha e do falar de janela a janela, com uma divida grande à desenvoltura foi ajudada pelo irmão e observada pelos filhos. Estes não podiam nem mexer porque nem sabiam bem o que era isso. Só sabiam mesmo era ir à cidade depois de almoçar o almoço de uma casa pobre e voltavam era noite cerrada que horas não tinham. Mãe e tio a fazer as coisas numa mistura de lágrimas e gritos e os cinco safardanas que nem 21 anos ainda tinham só olhavam, vestidos nas suas roupas de bangar parece é domingo.
O funeral correu sem incidentes. O falecido foi a enterrar no meio das lágrimas e gritos estridentes, coisas habituais nestas coisas de funerais e afins. E também perante o olhar impenetrável dos cincos filhos de Antero. Qual deles mesmo o que menos mexia não houve ninguém que dissesse. Acho ficaram empatados.
Depois de uns dias de choro e muitas lamentações Mariana arranjou um emprego na casa de uns senhores na cidade e todos os dias mal nascia o sol, mesmo naqueles dias em que o sol não nasce, apanhava o autocarro e ia limpar a casa imaculadamente limpa dos senhores da cidade que têm muito que fazer e não têm tempo de fazer essas coisas. Todos os dias Mariana fazia a mesma coisa. Todos os dias chegava a casa e ainda ia fazer o mesmo, além de fazer comida e a deixar preparada para os cincos filhos que continuaram tal e qual eram antes, quando ainda tinham pai.Mariana se lamentava de ver aqueles corpos matulões virados para coisa nenhuma. O barco se estragava, não sentia água se não quando chovia. Mas nenhum estava mesmo virado para o rio e para o mar. Estavam de costas voltadas para eles. A vida deles era a vadiação na cidade. Tudo o resto era conversa mole que não fura os ouvidos daqueles durões.
Sanzalando

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