A Minha Sanzala

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17 de abril de 2008

35 - Estórias no Sofá - após um fim do mundo(1 de 3)

Era tarde. Muito mais tarde que habitualmente. Hoje lhe apeteceu ficar até mais tarde no trabalho. Não lhe esperava nada, nem ninguém em casa, pelo que não tinha pressa nenhuma e sempre podia adiantar mais qualquer coisita neste projecto de milhões.

Mas mesmo assim arrancou no seu carro parecia estava numa corrida. O chiar dos pneus quase de certeza acordou alguém. É que há gente que dorme cedo. Carregou no acelerador e tomou o caminho mais perto para o centro da cidade. Sempre gostou de passar no centro da cidade como a que lhe dizer até amanhã. Um ou outro buraco foi atropelado porque já não havia tempo para se desviar quando lhe punha os olhos em cima. Mas o carro era bom e fora um ressalto, um chocalhar do corpo e um vociferar palavras intraduzíveis nada mais acontecia.

Mas aqui foi quase. Com aquela velocidade, a falta de luz da rua e também o cansaço, quase não via o camião do lixo que luzes não tinha e estava ali a carregar aquela dúzia de sacos amontoados no que restava do passeio. Buzinou, guinou, palavreou mais palavras que um dicionário de obscenidades, cabeceou no vidro lateral, mas travar é que nem lhe passou pela cabeça. Acalmou e se lembrou que foi por pouco. Desta vez foi quase. Assim, como que no aproveitar do rescaldo do susto decidiu que agora é que ia conduzir como deve de ser. Não é por ser noite que vou ser um campeão, deve ter ele pensado enquanto o seu coração reduzia as batidas que faz pouco tempo parecia que queria sair da caixa torácica.

Começou a cantar uma velha canção. Quer dizer, começou a dizer a letra da canção porque desde que se lembra que é gente, cantar é coisa impossível nele. Nem ele mesmo se gosta de ouvir na desafinação completa e sempre diferente. Se lembrou do New York New York na voz do Sinatra. Tentou imitar, fazer como que um playback mental, um karaoke virtual. Um cão por algum motivo ganiu e ele se calou das tentativas de dizer New York New York com alguma musicalidade. Foi ai que pensou que era mais fácil viver um dia na cidade que não dorme do que lhe cantar.



Sanzalando

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