A Minha Sanzala

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23 de abril de 2008

36 - Estórias no Sofá - Amor doi (1 de 2)

Ali estava ele, Combo Salu, pronto a se imolar nesta tarde. Melhor sítio mesmo era frente às Finanças, ali mesmo na Mutamba, na hora de maior ponta se é que há ponta mais ponta que toda a ponta da horas. Salu tem mesmo só dezanove anos e, como dizem os mais velhos, tem toda uma vida pela frente. A gente sabe ele às vezes tem paludismo, ele fica mais para lá do que cá, mas não devia pensar assim, não devia desistir de viver. Isto é claro a gente a pensar que está aqui de fora e não sabe que a culpa é da sua vizinha Lis.

Na verdade faz algum tempo que Lis se despia frente à aberta janela do seu quarto, sem nenhum tipo qualquer de pudor. Na primeira vez que a viu sei que Salu ficou ali em pé parecia estátua de pedra, boca aberta parecia lugar de ninho de pássaro, esquecido no tempo dos afazeres que acho devia ter feito. O suor empapou a sua camisa mesmo não fazendo tanto calor assim. Os seus olhos conseguiram ver com nitidez o corpo escultural tantas vezes sonhado de Lis. Pensou dizer um alô desde a sua janela mas a voz se enrolou no esbugalhar de olhos e na paralisia mental e nada saiu.

Com o passar do tempo foi descobrindo que não era acidental, virou rotina, que Combo Salu todos os fins de tarde estava sentado na sua cama, frente à sua janela de olhos vidrados na janela da casa da frente.
Pois é, se ele arrastava um secreto amor desde faz muito tempo, agora não consegue estar um segundo que o pensamento não salta logo para ela. Ele acha mesmo que, se não estiver a dormir, ele não consegue passar cinco minutos sem ver o rosto de Lis na sua cabeça.
Ele consegue lembrar ao pormenor o dia que ela chegou para morar na casa ao lado, ali no bairro Alvalade, vinda dos interiores do país devastado pela guerra que parecia não queria ter fim.
Ela vinha desde perto do Huambo, o que para ele era ali para os lados do inferno, que o que ele conhecia bem era a Luanda de uns quantos quarteirões. Aos catorze anos que mais podia conhecer que não as redondezas de Alvalade e os poucos sítios que os pais lhe levavam num ou noutro raro fim de semana?
Desde que ela saiu daquele carro vermelho até entrar em casa ele não desgrudou os olhos. Ela trazia as calças de ganga a lhe mostrar as curvas dos dezasseis anos. Acho os seus olhos se cruzaram uma vez. Mas como sempre nestas coisas eu não tenho a certeza e ele não confirma nem desmente.
Na verdade verdadeira é que toda a família estranhou que Combo Salu nunca mais voltou à vadiagem dos dias quase inteiros. Desde esse momento Lis passou a ser o seu amor platónico, o seu suspiro secreto. É, ele suspirava que um dia ela lhe ia abrir o coração para ele.
Mas com o passar do tempo parecia ele tinha duas vidas, assim como que eram paralelas que se encontravam no seu corpo sem se misturarem. Era aluno aplicado, mesmo se dizia era referência na escola, exemplo perfeito da nova sociedade que surgia. Ao mesmo tempo voltava à vadiação do antes da chagada da Lis ao bairro vinda do Huambo, com a intenção de esquecer a existência de quem parecia não tinha ainda dado por ele. Mas mesmo assim a cada segundo lhe ficava o poster da cara dela estampado no seu pensamento. Era demais para uma pessoa só, caramba.
Ele e seus amigos, camaradas de muitos anos de vizinhança se encontravam diariamente na clandestinidade duma casa abandonada. Ali havia poster’s de muitas revistas que achavam nas muitas revistas que um ou outro ia gamando sorrateiramente em casa ou onde calhasse. Predominavam as mulheres mas também se podia ver o CHE, vários jogadores de futebol famosos na Europa. De que falavam todos os dias é que eu não sei, mas que ali ficavam, horas isso era certo e sabido e a debandada se iniciava quando se ouvia a voz estridente da mãe a gritar:
- Saluuuuuuuuuuuuuu.
Em casa Salu só olhava da sua janela a janela da vizinha. Ele carregava a esperança que ela ia aparecer. Era só ele querer com muita vontade. E todos os dias ele queria assim muito. O silêncio do seu quarto ele imaginava como ia ser a sua vida, o caminhar lado a lado com Lis, o sorriso cúmplice, o olhar dialogante. Tudo até que a rotina se cumpria.





Sanzalando

1 comentário:

  1. Aoje N tâ drete, aonte N tava marióde, manhan N stóde medjor
    N krê-be txeu

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