A Minha Sanzala

no fim desta página

30 de dezembro de 2010

poucas palavras soletradas

Sentado saboreando o vento e o perfume de maresia, olho o mar camuflado de nuvens, abrigado dalguma outra carga de água que aí venha, encontro-me dentro e fora de tudo, como ar envolvendo sonhos e esperançado que um dia os caminhos me levem a ti.

Sanzalando

29 de dezembro de 2010

Ora bem, vamos lá ver...

Maneira estranha de começar uma conversa. Ora bem, vamos lá a ver... Até parece eu estou zangado ou me pisaram os calos. Na verdade nem uma nem outra coisa. Na verdade nem sei que palavras vou usar. Soletrar vogais, que são só cinco e não cansa, mas parece uma lenga lenga que não vai a lado nenhum e nem me leva a nada. Consoantes ainda parece estou a falar alemão que para mim até parece chinês. 
Silêncio que é o melhor.
Um dia vou voltar a ter palavras para usar e gastar. Enquanto isso vou lendo notícias que me chegam do lado de lá da minha imaginação.

Sanzalando

28 de dezembro de 2010

pausa ou talvez fim

Acho chegou a hora de fazer um silêncio.
Acho bateu o sino de repouso da memória.
Acho fez eco a paragem da imaginação.
Acho apenas.
Tudo porque ainda não consegui construir um fragmento da minha vida. Novo de espelhar até o pensamento. Sinto-me cansado, por vezes vergado na insónia do medo. A imaginação prega partidas se falha.
Após conseguir combater a inércia do repouso voltarei aos meus sonhos, velhos ou novos, às minhas congeminações idealizadas num acordado inexplicável.
Acho eu, que não consigo hoje ter a certeza de nada.

Sanzalando

27 de dezembro de 2010

rescaldo de Natal

Me deixo enrolar no turbilhão das palavras cruzadas como se elas fossem os aros das bicicletas que serviam de brinquedo. Como mesmo se chamava? Brincar ao aro? Já me vai a memória... mas me lembro que foi o primeiro e único monociclo que tive. A gente corria, a gente andava e era quase o dia inteiro. E o meu primo brincava era tampa de panela a servir de guiador do seu imaginário camião. O arame que empurrava o aro, era o eixo? Ai uê que se me vai a memória... Mas naquele tempo não havia reumático nem falta de ar. Faltava só mesmo era tempo para brincar mais.
Tás a ver, me deixei enrolar nas palavras da memória e me esqueci de falar dos presentes ausentes deste Natal. Mas também quem é que vai querer saber o que eu ganhei de ser menino bem comportado?
O mais importante foi mesmo que ganhei tempo de não ter tempo de ver o mar e ainda de me lembrar do meu velho aro que foi o meu primeiro monociclo.

Sanzalando

26 de dezembro de 2010

simples 26 de Dezembro de 2010


Faz sol
e eu anoiteço no sofá
preguiçosamente.
Petisco, 
enfardo
e digo sou feliz,
pelo menos até daqui a pouco.
Simples Domingo!
Festa!
Sanzalando

25 de dezembro de 2010

ora bolas

Era madrugada e o céu caía em forma de chuva. Me assustei pois não podia ir ver o mar.
Tocou o despertador e era hora de ir trabalhar. Doeu de pensar que apetecia ficar na cama a sonhar e não podia.
Veio o sol e eu continuava sem poder ir ver o mar. Cambaleando andei o dia todo. Estava apenasmente embriagado de saudade de ver o mar e de lhe olhar com a esperança de lhe ver o outro lado.
Se deitou o sol e a impossibiliadde de ver o mar se mantinha. Cambaleando me deitei com ele.  Acordei e me disseram que o mar não deixava ser visto porque estava noite escura que não dava para ver nem um palmo à frente.
Ora bolas, não foi nada disto. Simplesmente eu estava de serviço e não podia ir ver o mar.

Sanzalando

24 de dezembro de 2010

boas festas

Me deixei estar por aqui sentado enquanto respirava de alívio por ter sido salvo da espera.  A espera afoga, abafa e cansa. Faz anos que me estava a afundar na espera, que me soletrava palavras de desespero e angústia porque me enterrava na espera. Agora fui salvo pelo simples facto que já não espero. Desejo-o na mesma, mas já não sofro desenfreadamente. Um raio de sol faz-me sorrir e talvez me traga a ténue lembrança da sua existência ou do meu intimo querer. Apenas isso. Já não espraio razões nem faço subir marés com lágrimas. Sorrio e um dia, se calhar, eu terei o que quero, sem ter tido que esperar. Mais, diga-se.
Timidamente imagino o que teria sido a minha vida sem essa espera. Desinteressante por certo. Mas agora, o interessante é que não espero e não morro por isso e as imagens que imagino já nem sei se são reais ou força do hábito.
Calcorreio com os meus dedos o mapa. O outro lado do mar está a um palmo. Ali. Deixa-o estar, talvez qualquer dia ele esteja a um dedo de distância. 
Dia da Família, sem neve, calor tórrido, vento fraco, ar irrespirável. Insuportavelmente desejado ontem, querido hoje e amanhã logo se verá.
Me deixo estar por aqui sentado a ver o tempo passar e, salvo da espera, canto canções que invento nas imagens que imagino. Que lindo pôr do sol! Que perfume a terra molhada! Que lindo colorido me rodeia.
Boas festas a todos!
Sanzalando

23 de dezembro de 2010

54 - Estória no Sofá - quando eu era garoto, uma história no Natal

Hoje me lembrei de me sentar sobre o passado e matutar nas contas de cabeça assim como quem faz a prova real para confirmar a dos nove. Quando eu era garoto, assim miúdo de já deixar os calções e pensar sou homem que anda de calça comprida, meu sonho era assim de encontrar a alma gémea, aquela pessoa que pensa assim que nem a gente, que gosta das mesmas coisas que a gente, que faz rir e se ri como a gente. Um dia eu lhe vi e foi um relâmpago duma trovoada na cabeça e no corpo da gente. Parecia haver tremor de terra quando nos encontrávamos. Era o céu. Eu lhe gostava e ela me gostava assim numa força de nada nos desligar.
Foi passando o tempo, num tempo que a gente nem deu por ele e eu me fui desligando e só estava com ela quando não tinha os amigos para me acompanhar. Minha alma gémea tinha virado boneca, assim como as bonecas da minha irmã. Tal e qual. A minha irmã só brincava com a velha e preferida boneca quando tinha vontade, ou não tinha outra coisa para fazer, ou se enjoava duma boneca nova.
A minha boneca começou a ficar muitas vezes mais na estante ao pó. Um dia, acho que foi de repente, porque eu nem vi como é que foi, ela ganhou vida que nem a história do Pinóquio, e quando eu lhe fui tirar da estante e lhe ia levar a passear ela me deixou num raspanente que nem deu para decorar as palavras todas que ela disse.
Sem mostrar eu estava a rir, estava livre para poder sair assim num sempre sem explicações e invenções. Comecei logo a pensar em arranjar uma outra boneca, que ia ser boneca desde o início para não estranhar depois.
Mas à minha volta nada estava mais igual ao tempo em que eu circulava de poiso em poiso e de quando em vez eu ia ter com a minha boneca. O céu agora era cinzento e já não tinha os amigos que também tinham arranjado as suas bonecas. E eu olhava e não via outra alma gémea, porque nos meus olhos da consciência estava gravada a cara da boneca que me chutou num repentemente linear. Pior mesmo, foi quando passado uns tempos que eu não sei quanto tempo, mas para mim foi assim num brevemente logo a seguir, eu senti, eu vi-a ao lado doutro rapaz que fazia mais tempo não andava de calções.
Deu assim um coice de arrependimento que ainda hoje sai lágrima num escondido canto da solidão.
Era eu um garoto, moço miúdo armado em gente grande. 
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Sanzalando

22 de dezembro de 2010

isoladamente sozinho

Hoje acordei e senti-me sozinho. Não é normal, porque normalmente sinto a responsabilidade do mundo em cima de mim. 
Não é que eu seja importante, esteja convencido de superioridade ou coisa parecida. Apenas porque eu me sinto irremediavelmente responsável de existir, de viver, de querer-te no querer tanto que ainda não inventei uma medida capaz de definir esse gostar tanto. Apenas porque o mundo gira e eu com ele. Talvez por estar frio, talvez porque a maresia saiba-me a gelo salgado, talvez porque o cinzento céu me escurece as pupilas.
Não sei, hoje acordei isolado. O mundo parecia que não existia. Acho tive um eclipse e me deixei ficar na penumbra da minha insignificância. Mas mesmo assim me olhei no espelho e me disse que ia seguir em frente. Tive medo. Seguir em frente sozinho pode ser pesado para um ser fragilizado pelas desilusões e outras contradições. Mas o mundo gira e eu com ele.
Hoje acordei  e senti-me sozinho, por isso não fui ver o mar. Me encerrei em casa e recordei os tantos recordares que tenho na minha memória, o teu perfume, o teu calor, a tua cor tórrida de muitos tons. 
Hoje recordei-me e tive medo.
A vida continua mesmo quando eu estou parado num nada de mim. Será que ainda me lembro de todas as curvas da vida?
Hoje acordei isolado até de mim e me deixei ver-te de perfil.

Sanzalando

21 de dezembro de 2010

um the end, como tantos outros

Me sento debaixo de chuva e desapego-me de dores e lágrimas, tentando-me reinventar num sorriso um novo eu, alegre, feliz e desapegado de consciências virais, males de amor e outras coisas que tais. Procuro dentro de mim, como quem cata piolhos numa cabeleira farta e sem medidas de tempo, o lugar onde eu me possa encontrar.
Me sento por aqui e escancaro um grito que se me estampa no rosto revelando as minhas perfeições, feições e confusões num exorcizar de fantasmas que inventei.
Debaixo de chuva me purifico procurando palavras inéditas que revelem o meu novo eu.
Aqui sentado, sob uma chuva de inverno pensando no verão do inferno mental, me afogo em olhares, me perco em novidades e me desprendo do que aprendo.
Criei-me à imagem e semelhança dum sonho e hoje me apago e digo que foi um filme que vi num cinema no momento em que aparecem as palavras the end.


Sanzalando

20 de dezembro de 2010

balanço-me no tempo

Sentado num por aqui algures continuo a fazer o balanço. Não sei se vale a pena, se aprendo ou apreendo alguma coisa. Não sei mesmo se a quantidade de matéria tem forma de ser contada, analisada, quantificada e classificada. Mas faço um balanço, quanto mais não seja, para ver se já perdoei erros imperdoáveis, se já substitui gente insubstituível na minha vida, se já me decepcionei com gente indecifrável, se já abracei para me proteger, se já ri quando o não devia ter feito, se já chorei quando devia sorrir, se já fui amado e não soube amar, se já abafei o silêncio da dor calada da saudade, se já me calei para ouvir a tua voz, me sentei para te admirar na penumbra da minha inexistÊncia.
Sentado por aqui, morrendo de tristeza, afogado de nostalgia e saturado de saudade, contabilizo o tempo que falta para deixar de tempo.
Se eu soubesse que era amanhã eu diria que ainda tenho tanto para fazer e pedia um adiamento.  Mas como não sei quanto tempo tenho de tempo para pensar no tempo que me falta, contabilizo amores, saudades e lágrimas, sorrisos e gargalhadas, cartas rasgadas antes de serem escritas. 
Sentado por aqui contabilizo-me num balanço, como quem repousa na beira do mar sereno dum dia de inverno.




Sanzalando

19 de dezembro de 2010

pedi

Pedi uma Cuca e me deram uma Nocal. Bebi sem protestar. Eu queria mesmo era matar a sede da saudade.
Pedi uma praia de água quente e me trouxeram uma areal de água gelada. Desesti mergulhar. Eu queria mesmo era afogar a nostalgia e adiei.
Pedi um sol de luz brilhante e me deram um cinzento pardo de um meio dia polar de inverno. Desisti de pôr os óculos escuros. Eu só queria era clandestinamente chorar e calei o choro até noite cerrada.
Pedi uma gargalhada alegre de gente que brinca no passeio e na estrada. Me deram o barulho de carros interminavelmente parados. Eu só queria recordar os meus tempos de criança e desisti de imaginal.
Pedi uma letras quentes para escrever uma frases tórridas e me deram palavras soltas. Desisti de poetizar.
Pedi-te e se esqueceram de me ouvir.

Sanzalando

18 de dezembro de 2010

agasalhado a ver o mar

Agasalhado como quem está num dos polos, me sento a ver o mar. 
Lá, está sol, há gente na praia que brinca, outros mergulham e outros namoram sabendo que uns anos mais tarde vão recordar estes anos como os anos de ouro das suas vidas.
 Eu sentado aqui, agasalhado até mais não, recordo os momentos de felicidade que ao pé do mar senti. Tu estavas perto, ali ao meu lado e se calhar hoje nem te recordas de mim, nem sabes se existo ou se o sabes não o sabes onde. Também quem me vai reconhecer aqui sentado e agasalhado com ar de sonho?
É, às vezes as coisas correm mal e por mais que procure um culpado, porque tem de haver sempre um, eu não me encontro. E estou aqui agasalhado a ver o mar.
Tento esconder nas dunas do esquecimento a tua imagem, a tua presença constante, o teu ar altivo, mas, não sei se é do frio, se é só mesmo da saudade, não me sais do pensamento. Não sei se é por causa dos deuses ou dos diabos mas a verdade é que me assusta estar aqui sentado, agasalhado a ver o mar e ter-te dentro de mim a olhar-me constantemente e eu a tentar-te esconder de mim e sem o conseguir.
Já sei, é a memória, é a imaginação, é a nostalgia, é a doença doentia de te amar e a tristeza de ver as coisas frias num dia de inverno em sonho de verão.

Sanzalando

17 de dezembro de 2010

Paragrafozinho

Percorro a praia num passo lento, como quem quer observar cada grão de areia, cada onda que se espraia num preguiçar dolente. Cada brisa perfumada com odores tropicais me eleva a um patamar de sonho e nostalgia que eu acho que mesmo sabendo aqui é inverno há outras maneiras de sentir o verão. Eu estou num verão ornamentado de cinzento inverno, perdigotado de chuva miuda e soprado de frio polar. Eu estou num lugar onde quase consigo ver outros lugares. Preciso só mesmo de me pôr em bico de pés na imaginação e pular de memória em memória.

Sanzalando

16 de dezembro de 2010

balanço

Me sento num algures por aqui, ou por ali, tanto faz que hoje estou apenas para amar. Ouço o mar, vejo o mar, sinto o mar. Por aqui me deixo estar e talvez recapitular a matéria dada. Não é nesta altura que se faz o balanço? Mas que balancei eu? Solilóquios de nostalgia e saudade também contam como fazer dalguma coisa? Lágrimas choradas nas noites claras de silêncios escuros, também contam? Esperas em vão duma voz que não se ouviu também podem ser contabilizadas?
Me sento por aqui à espera duma qualquer coisa que qualquer dia já nem sei o quê que é.
Hoje não vi o sol, apenas ouvi o mar, vi o mar e senti o mar. Hoje me balancei no baloiço dum parque infantil que um qualquer Sousa toma conta e me lacrimejei de esperar.

Sanzalando

15 de dezembro de 2010

verão de saudades

Hoje me sento de frente para esse mar e espero ouvir um marulhar que me diga as coisas que eu gostaria de ouvir. Hoje ele se recalmou num ar de inocência e de tranquilidade que até parece é um inocente lago dum interior qualquer. Com dificuldade lhe ouço no quase silêncio das suas não existentes ondas. 
Enquanto nada me chega vou pensando no quase salvamento desse naufrágio que é a espera. Aproveito um raio de sol deste quase inverno para inventar um verão de outro lado e me levar por pensamentos que vão das raízes aos dias de hoje.
Me estico nas lembranças com um preguiçoso deitar e perco-me nas esquinas da memória com medo de me esquecer. Tantos são os nomes que eu os soletro um a um e fico com a ideia que cada dia um a um se vai perdendo. Nem mesmo o mar mos diz e me corrige.
Sento-me frente ao mar num verão de ideias, nado num mar de lembranças e bóio num lago de imagens virtuais.
Hoje me sento frente ao mar e me veraneio de saudades.

Sanzalando

14 de dezembro de 2010

ouvindo o silêncio

Hoje caminhei até aqui, ao meu mar, para estar em silêncio. Queria ver se me encontrava. É que ando um pouco fugido de mim e até os meus amigos têm-me procurado. Sempre em vão. Desapareci para parte incerta de mim. Dizem-me. Então está na hora de eu me encontrar e dizer-lhes depois que estou aqui e com eles.
Mas na verdade tem sido difícil suportar-me, ouvir-me chorar sonhos, sentir-me irrequieto em imagens de memória e saber-me preso à imaginação do passado que não existiu na forma como eu queria.
Por isso ouvindo o mar, pensei, em silêncio eu me vou encontrar e vou saber as coisas que estão do outro lado de lá da linha horizontal que a vista alcança e vou voltar a ser o eu que eu queria ser.
Na verdade eu não posso aguentar mais estar sem contar-te as minhas coisas, aquelas que passam no coração, aqueles que fervilham na alma e que eu banho em palavras doces que te digo.
Hoje, aqui perto do mar, no meu silêncio, mordisquei os meus dedos enquanto me recordava dos teus olhos e  procurava ouvir palavras saídas da tua boca.
Hoje vim ouvir o silêncio.

Sanzalando

13 de dezembro de 2010

Eu e o Natal ou vice versa

Acordei ainda era noite escura, assim como a memória apagada nos labirínticos tempos perdidos. Me disseram sussurando que era Natal. Fiz um esforço para encontrar o significado. Me disseram era a família, a paz e a comunhão. Me lembrei de recordar memórias que estavam adormecidas assim como a roupa nova que sempre vinha acompanhada de um par de meias. E assim o tempo foi passando até quase já era madrugada. Foi então que resolvi fazer, de cabeça, uma árvore de Natal, em que em cada ramo coloquei um sonho realizado, como se fosse uma bola de enfeitar. Fiz tudo com alma e muito esforço. Deu resultado.

Sanzalando

12 de dezembro de 2010

tudo passa, me disseram

Me disseram que tudo passa. Até mesmo esse capim que teima em crescer à volta de mim como se eu fosse uma estátua de tanto tempo eu lhe estou à espera. Mas é assim este mundo de maldade em que eu não consigo desgravar da memória o amor dum coração. Tudo passa, me disseram.
Mas estou a ver que não deve ser assim tão verdade essa linha de pensar. Se diz só para animar.
Tudo passa. Não tem ferida que não cure. Pode ficar marca, mas cura sim. Me disseram. Mas quem me disse não sabe a quantidade desse amor que me arrasta no tempo faz tempo.
Tudo passa, basta sé encontrar o caminho certo.
Então é isso. 
Já me passou. Eu é que não encontrei o caminho certo ainda e por isso é que ainda não dei por isso.
Tudo passa mesmo que sintas cansaço e dor, me disseram.
Cansado estou, dorido também mas o amor continua cá como se estivesse dentro dum livro, numa estante da memória e o vento lhe teimasse em abrir na página tantas onde ele se encontra.
Tudo passa, me disseram.

Sanzalando

11 de dezembro de 2010

Sol mas vento

Ensolou outra vez, mas o vento veio me atrapalhar nesta espera dum esternamente adiado sonho. Aqui na areia longe do revoltado mar que até está rouco no seu marulhar e não lhe consigo perceber os recados que possam chegar desde o outro lado. Me apetece até cantar, sabendo que o vento vai empurrar as minhas palavras para dentro outra vez e ninguém se vai assustar.
Mas eu já não sei canção nenhuma. As que eu sabia se esconderam nas teias do esquecimento, se camuflaram nas areias do pó memorial e agora só me restam títulos. Ah, acho vou inventar uma canção que cante os meus sonhos e naufrague as minhas lágrimas. Impossível? Então nem vou nem tentar. Impossiveis já me sobram os outros meus sonhos. Este eu descarto num baralho de areia e com ele faço castelos de brincar à espera que o mar me venha derrotar.
Aproveito o sol e deixo me levar pelo vento que sopra contrário ao que eu queria.
Não há modo de chegar a ser feliz.


Sanzalando

10 de dezembro de 2010

aproveitei um solinho

Caminho pela praia, aproveitando uma aberta do sol. Olho para lá da linha que me separa do horizonte que não vejo e procuro encontrar-te. Tantas e tantas vez o fiz e outras tantas me perdi. Vais ver esse túnel que escolhi não tem luz nem no fundo dos fundos dele, pois eu encontro só interrogações e pontos que me parecem são reticências. Assim, um dia, eu vou é chegar ao infinito das possibilidades e tu ainda longe. Já sei que não basta só caminhar, é preciso também querer e se calhar também um pouco mais de garra… mas como posso ter tudo isto se eu só consigo pensar-te.
Se eu estivesse a olhar para a estrelas, se procurasse sentado numa sombra duma qualquer bananeira ainda que aceitava eu não te encontrar.
Mas não olho nem estrelas nem me deixo dormir.
Aproveito só este pedaço de sol para poder sentir-te um pouco dentro de mim. Já sei que me vai dizer que eu já te fotografei memóricamente milhares de vezes, mas eu ainda não te tive sem ser na minha imaginação as vezes que eu acho eu merecia.
Caminho cansado pela praia aproveitando uma folga com sol.


Sanzalando

9 de dezembro de 2010

me acordaram no susto

Me deixei dormir noite dentro. Sonhei os sonhos do costume. Me embalei e sonhadamente decidi que não ia acordar. Nem hoje nem nunca mais. Ia ficar mesmo assim sempre a dormir e a sonhar até acabarem todos os sonhos a que tenho direito. Mas num susto me acordaram. Pensei eram o rufar dos tambores a saudarem a minha chegada ao ponto de partida. Acordei e vi que eram apenas trovões a me assustarem antes de deitarem litros de água rua abaixo.
Me assustei porque era no momento em que eu sonhava com ela estilizada, alta e morena, nova, porém madura e os seus olhos negros fixados nos meus. Era a primeira vez que ela me olhava e eu via e sentia. Ela sorria-me e eu lhe sorri. Não tive tempo de lhe dizer uma única letra. Fui abruptamente acordado.
Me assustei porque ela me olhava e no momento que acordei pensei que morri e o sonho se apagou. Mas afinal eu ainda estava vivo, apenas o sonho fora interrompido pelo trovão. Amanhã, eu sei, vou pegar nele, no momento da interrupção e vou continuar a lhe sonhar, ela morena, alta, nova e madura, de olhos negros cativantes e não vou deixar que nenhum trovão me acorde outra vez.


Sanzalando

8 de dezembro de 2010

eu queria ter um sol

Já não sei onde chove, se na rua ou apenas na minha alma. Sinto o sabor salgado, não sei se foi uma lágrima que escorreu ou se foi uma gota desse mar revoltado que me molhou. Eu estou molhado porque não me abriguei da chuva e porque me atiro nos sonhos estejam eles onde estiverem.
Hoje, apenas hoje e nuns tantos hojes que tenho tido, acho merecia um sol só para mim. Um sol onde eu pudesse reflectir todas as memórias que te tenho como se fosse numa tela dum cinema maior.
Mas hoje chove e as imagens estão a ficar tremidas, assim como minúsculas lentes que passam à frente da máquina que as projecta. Ou será que a memória se está a cansar e já não tem a força de outrora?
Eu hoje devia ter um sol só para mim e assim como num caminho de volta eu poder sonhar sonhos novos e deixar-me embalar.
Hoje eu devia ter um sol que me deixasse ver para além dos meus telhados, para além do limite deste meu mar, para além da minha imaginação.
Hoje eu queria ter o brilho de verão no olhar.

Sanzalando

7 de dezembro de 2010

flash

Abrigado da chuva e vento olho esse mar grande que está branco de raiva espumante e faz barulho que até me assusta. Nos separa um frágil vidro. Simples obstáculo transparente encardido que com um ligeito toque se esfrangalha em cacos pelo chão. Já sei, estou eu nos meus filmes de antes de entrar a verdadeira acção, se é que algum dia a vou ter.
Mas na verdade nem apanho chuva, nem me despenteia o vento e nem eu tremo de frio. Tremo apenas de medo que alguma onda mais revoltada me venha desassossegar. 
De repente tive um flash, me veio à ideia a morena alta, a que no verão veste biquini azul e que no inverno passeia todas as seis da tarde pelas ruas da cidade. E nesta imagem ela sorria, o que me fiz sorrir atrás da minha timidez e escondendo a vergonha de que alguém me visse sorrir num nada. Mas ali estava ela, superior às ondas, indiferente à chuva e ao vento e algum trovão que ouvia vindo lá de longe. Sempre altiva, a moça.
Dei um passo atrás como que a dar espaço para a conseguir ver de corpo inteiro. Meus olhos me estavam a mentir. Ela não estava ali. Fora apenas um flash de recordação.
A chuva é real como o é o vento e o mar revoltado. O resto é a minha memória a se confundir num retrocesso mental, na doce loucura de voltar a ser jovem, na minha rua, no meu lugar de ser feliz.

Sanzalando

6 de dezembro de 2010

53 - Estórias no Sofá - uma história de amor

A mulher se sentou no sofá da sala sóbria, de mobiliário robusto esculpido em madeira nobre, fruto dalguma herança que novos não eram, apesar de muito bem conservados. Estava só. Pouco importa e muito pouco relevante para a sua constante, procurada e desejada, solidão. Aliás, a solidão e o silêncio faziam-na conhecer-se melhor e amplificavam todos os seus sentidos.
Às vezes o silêncio era demais, pensava.
Quando assim acontecia punha uma música no ar, suave e quase em surdina, e se deixava embalar nos sonhos que estavam adormecidos no ar daquela sala. Outras vezes... era o absoluto silêncio.
Umas vezes rabiscava em papel branco com um lápis de carvão as suas lembranças, os seus lamentos, as suas saudades, os seus medos e as suas alegrias. Conversava consigo em forma de palavras escritas. Dizia, memórias passadas para uma vida futura. Quem a visse pensava estava louca, pois tanto podia parecer estar a dormir um sono profundo, como num estante estava a rabiscar uma tantas letras, a atirar com raiva uma folha amassada de papel contra a parede assim num libertar de angústias, como serenamente olhava pela janela. Nesta altura quase de certeza estava à procura da palavra exacta, pois de seguida ia correr paras o sofá e raivosamente escrevia com medo de a perder. 
Terminada a música, umas vezes o silêncio era notado e lá se levantava ela para pôr outra, sempre suave e quase sempre em surdina., outras vezes o silêncio permanecia silenciosamente calado e não parecia incomodar. Tantas e tantas vezes inspirava sofregamente duma só vez o ar daquela sala, como se tivesse medo de sufocar por se esquecer de respirar, outras vezes imóvel, sonhava, ou se recordava ou apenas se ausentava esquecendo de levar o corpo. Mas no instante seguinte voltava para o papel como por magia.
Acho eu quer nunca lhe ensinaram a esperar e nunca lhe disseram que o mundo anda às voltas. Fora sempre a menina rica, mimada e que tudo tinha.
Agora, mulher madura, solitária, viúva de meia dúzia de anos, sentia a falta do seu Manuel. Não, não era na cama. Era o perfume, a gargalhada fácil, a voz compassada num ritmo frenético. Não, não era a carícia. Era só mesmo a presença enorme daquele corpo volumoso enchendo a sala e o seu olhar ternurento disparado contra ela.
O que ela escrevia afinal, vim a descobrir muitos anos depois, eram cartas ao seu Manuel, ao falecido e saudoso marido. Ela não conseguia viver sem ele, mesmo quando mostrava ser a mulher forte, a chefe, a dona, a rígida e fria senhora de seu nariz.
No sofá regressava a mulher doce e humana que ninguém sabia existia naquela figura.
Afinal de contas, a mulher que procurava o silêncio e desejava a solidão fingia não ser a mulher madura que sofria no silêncio da solidão.

Sanzalando

5 de dezembro de 2010

gelado mar calado

Janela sardenta de pingos de chuva me separam deste mar que teima em estar calado nos segredos que tem para me contar. Eu sei que ele tem vezes, muitas, que me faz sofrer só para me ver triste. Quem é que pode compreender um mar? Esse mar que esconde segredos que nem à lua, está ali revoltado parece eu tenho culpa de ele estar quase gelado e a outra parte dele quase a ferver. Por isso estou deste lado da janela aquecido pela lareira da esperança, mimado pelas gotas de chuva que rolam nos vidros e parecem são lentes de ver ao longe mais perto.
Vou mordiscando os meus dedos mostrando uma timidez enquanto observo o mar e me deixo levar para a minha rua, para o meu café, para minha mesa onde os kotas toleram a minha presença porque sabem um dia eu vou contar as estórias que lhes ouvi ou fingi ter ouvido.
Vou torcendo o lábio enquanto penso nelas, as meninas formosas da minha escola que nunca me olharam mesmo quando me falavam. Eu sei que tinham medo dum susto ou que um dia eu lhes podia dizer o nome em voz alta.
Vou fechando os olhos enquanto me embalo na cadeira de balouço feita de aduelas de barril que estava na minha varanda, qual meu posto de controlo.
E o mar gelado continua calado no que tem para me contar. Um dia, ele vai querer falar e eu não vou estar aqui para lhe escutar, nem para me recordar desses tempos todos que guardei na memória de adolescente que se esqueceu de crescer.

Sanzalando

4 de dezembro de 2010

mar gelado

Apesar do gelo que me rodeia atirei o meu corpo para dentro do mar, sentido figurado é claro, que ainda não adoidei, e comecei a caminhar rumo a sul. Pensava que vou conseguir lá chegar. Não posso é partir assim com força sôfrega porque ainda escorrego nalguma palavra mal pronunciada, ainda me canso antes do primeiro olhar para trás. Sim, a gente sempre tem uma hora que olha para trás e eu não sei porquê. 
Mesmo com o gelo que me rodeia desconsigo ficar no quente duma lareira a sonhar labaredas e chamas nos seus desenhos anárquicos. Aqui, caminhado sobre o mar, mesmo em sentido figurado, eu estou mais perto. Basta-me chegar só até ali e ainda mais perto estarei.
Eu pensava que sabia tudo sobre este amor, mas agora me sinto um completo ignorante. Pensava que tudo não era mais que um jogo de palavras, um baralhar de ideias sonhadas, um desejo ardente de ser diferente, mas agora estou nas tuas mãos, sentido figurado é claro, pois isso mais não é que outro desejo. Caminhando sobre o mar gelado eu vou até ao fim do mundo se for esse o meu destino e ver-te ao longe o meu querer. 
Neste mar gelado transpiro-me de sonhos e desejos.

Sanzalando

3 de dezembro de 2010

cinzentei de luto

Faz assim é madrugada baixa ou noite alta, que eu ainda não sei quando é que uma termina e outra começa, foi talvez porque nunca vi um fio a lhes separar. Mas era assim a horas mais impróprias para mim, que vagabundeava por aí e fui ver o mar. Não lhe vi o azul, azul de marinho, e nem lhe vi calmo como eu precisava. Me sentei a lhe apreciar sem a luz das estrelas que estavam tapadas por uma cortina de escuridão. Procurei apenas lhe adivinhar a alma, se é que mar tem alma, e consegui apenas ouvir o lamento forte das ondas a se rebentarem na areia.
Madrugada baixa ou noite alta não é hora de eu andar por aí a vagabundear memórias, recordações ou saudades. Me arrepiei no frio, me enervei nas cores fortes de cinzento medo e me calei no barulho assustador desse mar que não está azul marinho.
Afinal de contas foi uma noite em que eu perdi um sonho e me acinzentei de luto e raiva.

Sanzalando

2 de dezembro de 2010

é mesmo melhor só

Me deixo sentado por aqui a ver o tempo passar e ver se chega a hora dum pôr do sol que encha as medidas. Que seja uma fracção de minuto... quero é ver-me sorrir. Não sorriso de lábio, sorriso mesmo de alma toda. Aquele sorriso que mostra um brilho, puxa estilo e faz parecer é dia à volta.
Mas enquanto esse momento não me chega, aqui me fico a deambular por pensamentos e sonhos como se fosse essa a minha sina. 
Acho mesmo eu devia ser assim descartável. Eu explico. Se não me apetecesse ver coisas, eu tirava os olhos e eles ficavam ali a descansar sem tendência para se entreabrir e espreitar. Se não me apetecesse sentir, eu punha o coração ali ao lado a bater devagarinho só para se manter. Se não me apetecesse pensar eu tirava o cérebro e ficava eu de cabeça vazia a descansar. Se não me apetecesse sonhar eu tirava a alma e dormia.
Eu sei que não é assim muito possível porque tem gente que logo aproveitava para trocar umas peças daqui por outras que não sei qual a origem e eu não ia dar mais certo.
É mesmo melhor por enquanto ficar aqui só a ver o tempo passar.


foto d'aqui
Sanzalando

1 de dezembro de 2010

aqui, paralelo

Me passeio nesse mar fora, assim num paralelo em que nem me molho e nem me entro nele porque não me apetece hoje atravessar fronteiras para encontrar uma vida nova, uma vida em que me reinventava em cada segundo, esquecendo o passado insignificante duma existência quase anestesiada. Queria mesmo era andar de mão dada com a serenidade e que os meus olhos deixassem de chorar esse choro silenciado num sorriso triste. Queria mesmo era poder dizer que caminho, em direcção ao futuro, com passos seguros e sem estar estéril de sentimentos. 
Mas a minha calma e a minha esperança não me acompanham e, despido de força, caminho paralelo na praia lacrimejando silêncios abafados em sorrisos tristes.
Mas pelo menos aqui eu sinto o teu olhar, gravado na memória eu sei.
Mas aqui também sinto o teu perfume, recordações dum passado.
Mas aqui sei que estou aí, desejos de futuro incerto.
Na verdade daqui pergunto se tu te recordas de mim, te lembras do meu perfume e consegues ver o meu olhar profundo de passado?
Aqui, paralelo a esse mar, minha ponte, gasto as palavras no tempo e imagino a minha nudez transformada em força baseado num querer mais forte, embriagado de esperança, desejo de ver sonhos tornados realidades.

Sanzalando

30 de novembro de 2010

mar chão e eu sereno

Me disseram que o mar quando está assim está um mar chão. Se fosse para dar mergulhos, brincar com ele eu não gostava que ele estivesse assim. Mas como é mesmo só para estar aqui a lhe olhar como quem vê a vida, ele que até me transmite uma calma dum pôr de sol cor de fogo que eu ficava a lhe olhar perdidamente no mundo.
Me olho e vejo a minha cara reflectida num sonho adiado, olhos tristes mesmo de sorriso nos lábios, face carregada mesmo disfarçada atrás duns óculos.
Me olho nos olhos do reflexo e me vejo por caminhos ilimitados, percursos que nunca fiz, trajectos que nunca pensei, abraços que guardei ao longo dos anos, palavras que silenciei sem saber bem o porquê. 
Aqui, frente ao velho mar sempre mais novo me aborreço a sonhar os sonhos que sempre adiei e que agora choro por um pôr do sol cor de fogo.
Em cada ruga da cara sinto um grito desesperado de despertar e em cada onda que me disforma o reflexo vejo-me cantando e dançando canções que inventei.
Mar chão e eu sereno a olhar-me num espelho ondulado.

Sanzalando

29 de novembro de 2010

capa invisível

Caminhei debaixo de água, da chuva é claro, e continuo seco. Dancei debaixo da chuva e continuo seco. Talvez na cara se note alguma coisa, mas não sei se é da chuva se são as lágrimas que choro. Talvez eu tenha um invisível impermeável a me proteger. Talvez eu tenha uma capa, que não saiba, que não me deixa molhar. Será que hoje se eu entrar nesse mar eu vou me molhar? Ele está com ar de quem está doidinho por o fazer. Mas só entro nesse mar quando tiver força para lhe caminhar até para lá da linha horizontal que me separa do outro lado e esse dia não é hoje, porque ainda não tenho a força. Mas se eu me conseguir molhar eu vou conseguir ter força. Deixa só eu conseguir tirar essa invisível capa impermeável que me separa da chuva e vais ver que eu fico que nem super-homem da minha infância, que nem homem elástico da minha magreza de outrora.
Como continuo seco vou só olhar esse mar que hoje está cinzento porque tem filtro de chuva na frente dos meus olhos e desbundar na minha imaginação das matinés dançantes do Clube Náutico e o conjunto do Ferrovia com o Sr. Matos e o seu trompete a dizer quando começa e acaba a música. Vou dançar com aquela garina que me ficou colada na retina. Se ela desta vez consentir que eu me aproxime dela, é claro. Vou beber um copo com o Beto, outro com o Manel e outro com o Ferras. Mas não me vou deixar aquecer para que ela não veja que eu bebi para me esconder da sua dessimpatia para comigo. Vou só desaguar a imaginação pelos caminhos todos que fotografei na memória e deixar que essa chuva me molhe mesmo que não seja porque a capa se cansou de me proteger.

Sanzalando

28 de novembro de 2010

Domingo sério não tem título

Hoje é dia de assunto sério. Não fui ver o mar porque não me apeteceu. Hoje não era dia para, como se diz, estar aqui a derramar saudade, pintar nostalgia em aguarelas de lágrimas. Hoje mesmo, Domingo, em que de pantufas apetecia estar, sentado a uma lareira a ouvir uma musiqueta, ler um livro ou apenasmente dialogar com a sorte de poder fazê-lo. Mas não. A irrequietude da juventude que vai passando nas folhas dum calendário me arrastaram para fora da cama na madrugada dum Domingo de sol, que foi de pouca dura. Madrugada, modo de falar num domingo de nada fazer. Mas a verdade é que o sol brilhante, mas fraco, convidava a dar um passeio na minha fiel bicicleta. Equipado a rigor, de capacete, bem agasalhado, lá fui sem destino traçado que andar à bolina do acaso tem mais piada.
Como é hábito, sempre que vejo uma estrada que nunca tinha reparado é por aí que sigo. Às vezes bem me arrependo, porque depois duma curva ou dum telhado ela sobe que nem minhas pernas choraminguinhas aguentam o esforço. Mas é assim e eu vou fazer mais como então. Mas entrado numa dessas estradas olho para a paragem do autocarro e fico a saber onde estou. Melhor que qualquer GPS. Olho bem para ver se os meus olhos estão mesmo a ler o que lá está escrito. Sim senhor, estou em Olhito. Se por acaso alguém me telefonasse naquele instante e eu dissesse onde estava... deviam pensar que eu tinha pirado outra vez de vez. Não, não. Pirei só uma vez e não tem cura, não se preocupem. Mas em Olhito encontrei uma rotunda que ninguém lhe atravessa a direito. Tem monumento ao Caterpila e ao Calhau. Está documentado que eu não sou de inventar. Porque até a rua, como uma seguinte paragem do autocarro, ou será camioneta, diz isso mesmo para confirmar.
Mas ainda não contente com este passeio lá fui pedalando, não me venham dizer que é sempre a descer, porque a terra não é um quadrado e eu tenho de voltar ao lugar de partida .

Na verdade fui por estrada de terra batida, melhor dizendo, por caminho de lama e bué charcos para me salpicar de lágrimas de terra pelas costas e não só, um pouco mais abaixo também.
Almoçado uma moamba num restaurante afamado da cidade, que por acaso hoje até estava muito boa, embora só conhecesse esse prato no início da saudade, que eu não sou mentiroso e lá eu não comia isso nem me lembro de lá em casa alguém falar dessas coisas menores... fui ver a bola. Sim, esse desporto onde andam a dar pontapés naquela coisa redonda que salta e se gritasse com os maus tratos que às vezes sofre, estávamos todos já surdos. E o jogo não acabou porque acabou a luz do Estádio assim num repente em que estávamos a ganhar e tudo. Amanhã tem que se repor o tempo que falta e eu terei que ouvir a Imaculada sabedoria do Mestre da bola, o Sr. Ricardo Sá Pinto, que sempre pautou a sua vida por comportamentos exemplares, segundo me gritou aos ouvidos, porque alguém lhe chamou de mentiroso. Coisas da bola num Domingo em que por ser sério não tem título. É apenas Domingo


Sanzalando

27 de novembro de 2010

olhar para dentro

Recolhido, junto à beira mar, mas escondido do vento e da chuva miúda que teima cair, apenas para me molhar num incómodo mal estar, fecho os olhos e olho para a minha alma. Tento fazer contas. Quantos anos de mim já estão no cemitério do passado em relação aos que têm esperança de ser vividos? Ah, este olhar para dentro, esta aritmética desassimétrica em que me encontro, faz com que o futuro seja uma luz brilhante, cintilante que não sei a que distância está. Ah, dúvida!
Mas olhado para alma com um olhar sempre diferente encontro-me cada vez dum forma nova, num sonho sonhado e tantos por sonhar que penso que não haverá dia em que a simetria atinja o seu expoente máximo. Se houver será injusto. 
Que diriam os meus amigos se eu não aparecesse aqui um dia para olhar o mar num eternamente? De acordo comigo diriam que era injusto. Os meus sonhos que ainda não foram revelados ficariam para sempre perdidos, o que acho para eles seria injusto. As minhas memórias que ainda não me lembrei ficariam para sempre soterradas no esquecimento das minhas cinzas, o que eu não vejo que fosse úteis para elas e portanto, seria injusto.
Mas na verdade não tenho que olhar para alma mas sim para o mar e ver o azul reflectido nos meus olhos castanhos, como castanhos eram os dela.


Sanzalando

26 de novembro de 2010

não me apetece ver o azul

Ouço o mar mesmo estando sentado de costas para ele. Hoje não estou com vontade de ver o azul dorido das minhas lágrimas ali estendido. Optei apenas por tentar ouvir as kiandas e os seus cantos que me dizem enfeitiçam as almas até dos não crentes. Mas mesmo assim vejo o mesmo raio de luz que me entra na alma faz tanto tempo. É o mesmo raio, mas de forma diferente. Hoje faz-me sentir feliz mesmo não estando a conseguir ouvir o canto da kiandas. Mas este raio de luz deve de ser feiticeiro. Só pode. Deve ser a luz dum anjo, apaixonado duma kianda, que me trás essa luz toda. 
As gotas de chuva que tentam cair no chão desaparecem quando atravessam o meu raio e este dia de chuva até que parece é um dia de sol. Na minha alma é. Eu consigo ver de imagens de memória o teu sorriso de lábios grossos nessa tua boca de gente fina, o teu porte altivo sombreado na tela de chuva até que parece és mais alta. Mas hoje não me apetece ver o azul e está a passar um filme colorido na minha memória. Tem dias que uma pessoa tem é sorte e o brilho do ar faz esquecer o frio, qualquer frio, até o dos dias de cacimbo em que eu dizia para mim se ela olhar para trás é porque me gosta. E ali parado ficava a ver se te voltavas e nunca voltaste. Mas isso foi outro filme que não entra na tela do cinema de hoje.
Hoje só não me apetece ver o azul das minhas lágrimas espalhadas nesse mar.

Sanzalando

25 de novembro de 2010

ai, tanto mar

Percorro o mar com olhar como quem procura a solidão, o falso silêncio e o tempo certo para meditar. Queria pousar o meu olhar sobre ti, embelezar a minha memória numa pauta de palavras quentes, ao mesmo tempo doces, eternamente apaixonadas. 
Talvez com um pouco mais de esforço meu, eu consiga ouvir os teus pensamentos e aquecer-me no teu olhar. Procuro ver mais além, o pormenor, a frase que penso que disseste mas esqueci a musicalidade da tua voz. Aqui na solidão, falso silêncio, tento esquecer tanto ontem que tenho e substituir por muito amanhã de esperança.
Lembras-te dos filmes que vimos? Recordas-te dos passeios que demos? Tenho tanto medo que tudo fique numa vaga lembrança e amanhã eu acorde e já nem me lembre quem sou.
Procuro ver-te no brilho do mar ao mesmo tempo que a maresia me trás o teu perfume de sabor salgado.
Ai, tanto mar.


imagem da internet
Sanzalando

24 de novembro de 2010

sorrio porque sim

Daqui, onde chove frio que entranha nos ossos e estala a alma de tanto se arrepiar, atiro os olhos e cravo o meu olhar para lá da linha horizontal que nos separa ao mesmo tempo que regressa o sorriso à minha cara fechada.
É fim de tarde, fim de dia num entardecer triste mesmo para o mais alegre. É cinzento gelado carregado de escuridão trazida pelas cinzentas nuvens que me tapa o céu que imagino esteja por cima delas. Mesmo assim sorrio porque consigo ver de memória as imagens que tenho de quando calcorreava a cidade, a esta mesma hora, para tantas vezes quantas as possíveis eu me poder cruzar contigo no teu passeio diário de fim de tarde em família. Sorrio, porque me lembro dos amigos que me esperavam sentados na esplanada do café para irmos ao perde paga numa mesa de bilhar perto de nós. Também sorrio porque me lembro de imagens, que não tenho, as tardes passadas na discoteca, quando esta mais não era que uma modesta casa de ouvir música, ao lado de amigos em qualquer dia da semana.
Sorrio porque nunca imaginei que um dia podia estar a imaginar todas estas relíquias do meu tesouro memorial.


Sanzalando

23 de novembro de 2010

vento

Que sei eu do vento? Nada. Eu não sei nada do vento, tirando o facto dele me despentear, me irritar quando me tenta atirar para trás quando quero caminhar para a frente, quando grito e o seu silvar não me deixa ouvi o retorno da minha voz.
Nada sei do vento. Não o vejo. Sinto-o e irritantemente aborrece-me.
Quando sopra do mar, traz-me o perfume da maresia e o calor de lá de longe que me afaga numa carícia que ninguém vê mas sinto.
Que sei eu do vento? Pouco mais que um nada. 
Hoje venta pelos meus lados. Me despenteio, me irrito e não sopra vindo do mar.
Hoje é mesmo só um vento irritante que me apaga as palavras que não me ocorrem ao cérebro.
Afinal de contas, hoje é só um dia irritante que por acaso está com vento.

imagem da internet
Sanzalando

22 de novembro de 2010

Era manhã cedo

Me sentei era manhã cedo a ver o mar. Me deixei embalar nos sonhos e imaginações, naveguei por caminhos outrora conhecidos, bolinei por ruas de gente que ri, saltitei num compasso de malhão malhão por entre ideias e certezas, fotografei de memória rostos que conheci e me esqueci do tempo e das palavras. Brindei-me na solidão de poder estar em silêncio e cantei calado canções do tempo em que eu não olhava para ti porque estava ocupado em ser criança.
Me sentei e me esqueci de falar, comigo e contigo. Me esqueci completamente quem era e quem eras. Me embalei perdido num festim dum qualquer campo de terra batida e amareleci num adormecer poeirento de nostalgia sem sentir saudade. Recordei a menina ruiva que de vez em quando descia de serra, a morena alta do cimo da serra que não descia a montanha para vir ver o mar, da menina do mar que nunca soube se subia a serra para ver mais além. Recordei o amigo, vizinho e traquinas, o loiro e o moreno, o gordo e o magro, o alto e o baixo, o simpático e o ruim que nunca deixou eu lhe aproximar.
Me sentei e me embalei a ver o mar e me esqueci de falar.


foto da internet
Sanzalando

21 de novembro de 2010

me sento por aqui

Me sento por aqui, numa beira mar imaginária, tentando libertar a alma do peso da memória e renascer para uma vida simples, descomplexada, como nos tempos de criança em que de pé descalço calcorreava ruas e vielas ao som dum amor platónico identificado na marca dum carro.
Me sento por aqui, cansado de sacrifícios inconscientes e tantas vezes passados despercebidos, até por mim.
Me sento por aqui, ouvindo na memória o mar, e procuro entregar-me com toda a alma a um amor de páginas em branco, sem passado, sem os demónios e glórias dum passado que não me lembro se o vivi. Me sento com a alma escancarada, sabendo apenas que existe céu e o horizonte, que o mar é um caminho, que a terra outro, e que entre nós apenas existe tempo.
Me sento por aqui, neste már de imaginação, tentando equilibrar o espírito e disfarçando com ondas de esquecimento as cicatrizes que escrevem-me o futuro.
Me sento por aqui, neste mar que te refresca, à espera dum entardecer que não chegue tarde demais.

Sanzalando

20 de novembro de 2010

acho adoeci sem estar doente

Acho que já pus a mão na testa umas cinco vezes para ver se tenho febre. Me arrepio e depois tremo num constante delirar de sonhos que me lembro de nunca ter sonhado. Sinto o cabelo revolto como se não me penteasse faz mais que muitos dias, sinto olheiras como se não dormisse há mais que muitas noites e tenho a barba crescida como se me tivesse esquecido de a fazer logo pela manhã de dias lá para anteontem. Acho que estou doente, acho que deliro palavras que não entendo, acho que quero voltar à casa onde nasci e sem ajuda do cajado ou bengala. Quero caminhar sem pressa, como se tivesse todo o tempo do mundo. Estou doente apenas por isso. Mas nada tenho fisicamente porque febre não tenho, os olhos não estão nem amarelos nem as olheiras estão acentuadas e o corpo não está enfraquecido. São delírios, apenas isso. Talvez necessite dum afago de mão amiga, talvez precise de apagar o fogo do espírito explosivo de tanta nostalgia.
Acho que deliro na palavra que não pronuncio faz mais que muito tempo. O teu nome!
Calo-me com medo que o gaste ou te afaste definitivamente nesta fronteira de mar que me embala nos sonhos que sonhei.
Acho que adoeci porque não me viste crescer e porque o teu nome nunca me saiu do coração.
Me arrepio e deliro em ser criança outra vez esquecendo o cabelo grisalho e as faltas de memória.

Sanzalando

19 de novembro de 2010

vou em direcção ao mar

Vou em direcção ao mar. Ainda não lhe vejo nem lhe ouço mas sinto-o. Acho eu. De tantas vezes fazer este caminho já não sei se os meus passos caminham num carreiro que já deve estar gasto ou se cada dia invento um caminho novo. Baralho-me pela repetição da memória martelada até a exaustão, confundo-me com a ansiedade de ver amanhã que não é o hoje que eu vi ontem, tropeço no esquecimento das palavras que não soletrei. Vou só mesmo em direcção ao mar porque ele fica a sul. 
Foi pertinho do mar, me recordo como fruto da minha imaginação, que te dei o primeiro beijo. Único? Que importa, se o que interessa é que eu dei, mesmo que seja só de fingir. Sei que foram beijos de silêncio. Com aquela idade eu ia dar mais beijos como? Mas importante é que eu me lembro, mesmo que seja uma memória recente que nem meio século tem. Ou tem? Já me está a faltar memoria? Não. É só mesmo lapso que a minha garganta de tanto falar já tropeça nela mesmo.
Mas vou em direcção ao mar porque é no mar que tenho as tuas cartas escritas na letra mais audível da minha imaginação. 
Mesmo cambaleando sigo como sigo quase todos os dias a ver o mar. Eu acho fui feito no mar mesmo que tenha nascido lá em cima que até dá vertigens. Mas no mar eu me sinto eu.

Sanzalando

18 de novembro de 2010

hoje até que fez sol

Hoje quase preciso de fechar os olhos para ver o mar. Esse sol parece que chegou de lá aqui só mesmo para ficar de frente para mim e me impedir de olhar para longe, para além da linha do horizonte, que é uma curva que divide o visível do imaginário possível.
Me esforço e com as mão fazendo uma concha eu olho para lá e desconsigo ver para além do brilho reflectido no mar. Minha memória fotografou a imagem e, já sentado, me deixo embalar em mais um sonho que um dia vai ser realidade.
Estou em tronco nu. Me imagino ao teu lado. O marulhar é o mesmo que o marulhar do teu mar. O perfume de maresia é o mesmo que o teu perfume. O calor faz de conta é o mesmo, mesmo que eu esteja aqui num parece que tenho pele de galinha depois de depenada. Mas aqui eu eu estou aí e mais não quero nem saber. Me deixo só embalar em mais um sonho que faz de conta é um sonho de amor eterno que demora uma eternidade até começar.
Sai da frente ò nuvem que assim ainda vou conseguir abrir os olhos e depois já não vai ter o mesmo sabor este sonho.


Sanzalando

17 de novembro de 2010

te admiras

Te admiras se eu te disser que estou a ver o mar? Sim, eu estou sempre a ver o mar, já que ele é a fronteira que nos separa ao mesmo tempo que é a ponte que nos une nesta vida que nos espera. Foram-se os dias de calor do lado de cá, resta-me a consolação que ele está aí, do lado de lá.
Talvez um dia, de tanto olhar o mar eu consiga correr sobre ele e marear até te abraçar. Aí não terei frio, nem me chorarei lágrimas de tanto mar. Talvez transpire de cansado ou de ansiedade. Talvez um dia eu já não precise de ver o mar e ter-te numa constante incógnita de ser presente.
Te admiras de estar sempre a ver o mar. Afinal de contas ele é o meu lar, lugar onde moram as minhas kiandas que nos sons de marulhar me embalam nos sonhos de acordar.
Aqui perto do mar estou como se estivesse em todos os lugares do mundo. O vento me trás notícias, a chuva me limpa o olhar, o marulhar me embala e o ondular me encanta.
Aqui perto do mar estou contigo.

foto da internet
Sanzalando

16 de novembro de 2010

sento-me ao pé do mar

Sento-me ao pé do mar como se tivesse aberto uma janela, atirado para o lado todas as cortinas e conseguisse ver mais além do que a vista alcança. Foi um sentar assim abrupto, como quem atira as persianas para o lado como que com falta de ar. Á minha volta se encheu de luz, o ar limpo pela chuva acabada de cair deu-me uma visão mais profunda, mais perfeita como se eu estivesse a ver pela memória, já com todas as impurezas atiradas para o canto do esquecimento. Eu sentado perto do mar a ver o futuro, parte de mim que nem eu conheço ainda, a sentir a tua brisa, cheirar o teu perfume, acariciar a tua suavidade e sussurrar palavras que nunca soletrei.
Sento-me ao pé do mar e paro de respirar com medo que o tempo acabe, que o sonho termine ou que a ilusão caia por terra como um raio de luz se absorve na escuridão da noite longa da insónia permanente.
Sento-me ao pé do mar e vejo com os olhos fechados as manhãs de domingo em que, por ser cacimbo, vestia a roupa mais nova e lavada e procurava na cidade ver-te no tempo.
Sento-me ao pé do mar, olho para cima como quem olha para lado nenhum especial e vejo o tempo que esgotei a escrever tantas palavras na memória e que nunca tive oportunidade de te dizer.
Sento-me ao pé do mar e olho para ti como quem vê a eterna juventude.
Sorri porque estou sentado ao pé do mar com os olhos em ti.

foto retirada da net
Sanzalando

14 de novembro de 2010

apenas passeando

Passeando nos caminhos cruzados da vida, ouvindo o mar num marulhar suave de quase embalar e saboreando o sabor salgado que apalada o ar me apetece gritar que quero voltar a agarrar a bicicleta e pedalar, sem travões, até lá para os lados do Forte de Santa Rita e achar que percorri metade do mundo porque não sabia ainda que o mundo era maior, que quero estar no tempo aparentemente morto da vida em que a gente pensa que tem um tempo infinito pela frente, que quero ter tempo para rir até doer a barriga como acontecia quando não sabia metade do que sei hoje, que quero saber jogar à bola na rua mesmo que ela seja uma subida e eu só jogo porque sou o dono da bola, que quero estar em dia com a vida que se vive dia a dia, que quero que tudo seja como eu quero que seja e que os outros para lá dos meus olhos não sabem nada.
Afinal de contas, caminhando, tento não me esquecer de mim, de fragmentos de mim, de memórias de mim.
Passeando, quero estar cansado para saborear o repouso de pensar em ti, do outro lado do mar.

Sanzalando

13 de novembro de 2010

52 - Estórias no Sofá - ainda sou criança

Por aqui, onde o mar acaba, sentado ao frio e ao vento, me deixo embalar no vai e vem das ondas e me ponho a recordar.
- Mas porque pensas tanto?
- Para sorrir, por ter estórias, por ter vivido e ainda por cá viver... - digo isto ao mesmo tempo que faço a cara mais séria que consigo, porque para mim é assunto sério e sei que .. que perguntas estás seriamente a pensar no que perguntas.
- ... consegues fazer-me rir. Não sei quando estás a falar mesmo a sério ou quando te deixas levar pelo humor...
- Sabes, penso muito no tempo em que as coisas eram decididas ao pim pam pum, ao pé, quando a gente punho um pé à frente do outro e o adversário fazia o mesmo e depois sobrava um espaço que quando não cabia o pé perdia.
- ...
- ... e penso também quando a gente não gostava de como as coisas estavam a correr a gente gritava assim não vale e pronto acabava ali.
- Mas que te vale estar a pensar nisso nestes tempos em que a barriga agora pesa mais do que pesavas todo inteiro antes?
- Se a conversa não me estivesse a agradar eu te dizia agora 'vamos começar outra vez?' e começávamos tudo de novo e o assunto seria futebol, política, mulheres e maridos e coisas de sei lá mais o quê que agora não me dizem nada.
- Mas tens de viver o presente!
- Quem te disse que não é este o meu presente? quem te falou que não é com essas memórias que consigo viver esse coisa que chamas de presente? Pensar nos castelos de areia que fiz na praia quando ainda não tinha altura para andar no carrossel e o mar me destruiu tudo num maremoto de onda curta não é estar a pensar nas coisas más que me acontecem na vida? Aconteceram e ainda aqui estou.... Falar do amigo que foi embora para perto duma estrela que a gente só vê na noite de insónia não é estar com os amigos do presente que podem esquecer a sombra?
- Tou preocupado contigo...
- Despreocupa só. Lembrar as brincadeiras em que para salvar os amigos todos bastava tocar no coito bem delimitado da inocência infantil não estar a viver as peripécias desse presente que te enruga em cada segundo? Poder 'dizer tu não és capaz' para desafiar um amigo a fazer uma coisa que ele afinal tinha era medo não é ajudar a enfrentar essa coisa que é o agora?
- Bem... Vamos fazer mais o quê para além desta conversa que me está a pôr que nem doido?
- Como vês, consegui fazer-te recordar a tua idade de criança, o tempo em que eras feliz, em que não necessitavas mais do que ter amigos... Eu estou sempre a pensar nos amigos, na felicidade e na capacidade de sonhar amanhã com as imagens de ontem. Não deixei de ser criança, ainda.

Sanzalando

12 de novembro de 2010

Por aqui, choro

Por aqui, olhando para lá, quase vendo o imaginário mundo que anseio penso mil ideias para falar-lhe. Lanço-lhe reptos, discurso agressivo, caricias meigas numa misturada de sentimentos que alguém que fosse testemunha ia dizer que eu enlouqueci.
Por aqui, olho para lá, do outro lado do horizonte, onde a minha vista não consegue quase imaginar onde fica e onde a memória se vai apagando num suave esbater de tempo, eu já não consigo lembrar-me as tantas palavras que escrevi no pensamento para lhe dizer.
Por aqui, olhando para lá, procuro as minhas profundezas, importantes e vitais, essas que poderiam levar a um desenvolvimento do meu estado de espírito até atingir o clímax, se evaporam em nadas, em voz branca desbotada, em eco surdo sem memória.
Por aqui, olhando para lá, choro uma ou outra lágrima sem que ninguém veja e espero sempre que num amanhã eu consiga ver o mar ser o meu caminho. Não é uma viagem para fugir da vida, não é o transportar o meu corpo para outro lugar. É a mudança mesmo! É voltar a encontrar-me à minha maneira.
Por aqui olho para lá.

Sanzalando

11 de novembro de 2010

Parabens Angola - 35 ANOS


Parabens ANGOLA pelo 35º Aniversário

foto de 

© Eric Lafforgue

www.ericlafforgue.comSanzalando

olho o mar

Olho o mar. Sereno como se fosse um campo em repouso. Sopra uma brisa, apenas para me trazer o perfume da maresia, apenas para me dar uma cor à solidão. Apetece-me escavar um túnel, caminhar sob o mar e chegar lá longe onde o calor deve estar a apertar. Chegado daria abraços, distribuiria carinhos e sorria num não parar como sorria quando era criança.
Olho o mar e me deixo levar na fantasia de que um dia poderei alcançar o outro lado, apenas com um esticar de braços.
É o poder do delírio, desta febre que não tenho, desta doença que não sofro, deste amor que sinto.
Olho o mar e me deixo navegar por ondas calmas duma imaginação que quer que esteja ali numa outra margem o mundo que sonhei acordado enquanto olhava o mar.
Na areia desenhei uma clave de sol. Tentei rabiscar notas de música numa escala que nem um surdo seria capaz de ouvir. Eu que tenho ouvido estrábico num olhar surdo de saudade tentei cantar uma balada em ritmo de samba e saiu uns grunhidos que quem me olhou me atirou fogo no olhar. 
Olho o mar e ele agora pereceu-me uma parede de pesar.
Olho o mar e choro por chorar com vontade de escavar um túnel e zarpar.


Sanzalando

10 de novembro de 2010

Chuva no mar

Me deito aqui a ver a chuva que cai sobre o mar e me pergunto o que esconde o mundo para lá daquele farol.  Eu não fui nunca mais além do daqui, nunca aproveitei as minhas asas para voar para além dali. Fico aqui a ver o mar ser molhado pela chuva e me deixo levar no vento da imaginação as imagens que guardo e as que já não sei se são reais ou apenas memórias de imaginações. Me deito aqui e sobre uma almofada de ideias deixo cair as pestanas num sonolento vaguear por mim. Ela, as imagens que tenho dela, as ideias que me sobram dela, a voz que não sei é dela e que me chama num alucinado ouvir de apenas eu.
Me deito aqui, deixo o tempo passar por entre os dedos, sem medos que um dia eu vá dele precisar.Vivi-o mesmo que tenha sido num tempo imaginário duma realidade que não teve lugar. São sonhos, são memórias, são imagens. Já fazem parte de mim, mesmo que eu as perca no esgotado tempo que um dia vou ter. Heranças que herdarão aqueles que estiveram comigo quando eu estava mergulhado num banho de solidão. 
Aqui deitado, vendo chover sobre o mar, vivo as memórias que sonho, que são reais, que imagino e as que invento. São essas que me fazem companhia, me acariciam e me embalam no cair da noite alta quando tapado com os lençóis da nostalgia.
Me deito aqui a ver o mar ser molhado pela chuva e o meu rosto pela escuridão.

Sanzalando

9 de novembro de 2010

Geladamente ao frio

Vestido como quem vai em expedição a um dos pólos, me sento à beira deste mar daqui, que está muito diferente do mar de lá. Nota-se mesmo neste uma cor azul gelada enquanto no de lá deve estar um azul que até apetece se atirar num mergulho estilado. Mas como cada um tem quem lhe merece, me eis aqui a ter-me aqui, na clandestinidade do pensamento em lá. Há assim um amor descompromissado, uma paixão sem limites uma estar junto sem obrigação física.
Vestido como quem vai num dos pólos me deixo levar nestes encontros vulgares, onde me esqueço onde termina o mundo real e começa o imaginário. Aqui me embalo numa descida vertiginosa por vales de dunas, por cruzamentos casuais da vida desértica, por vertentes abruptas da coerência arenosa da solidão.
Vestido como se já estivesse num pólo, me enrosco neste sabor a mar gelado e me deixo levar na vulgaridade de ser um apenas eu, que encalha palavra em palavra, num lacrimejar de frases soltas escritas na voz de quem chora.
Gelado, cabeça ao vento me arrefeço na nostalgia de ser quem fui outrora e sorrio porque agora sou mais bonito, mais vazio, mais muito mais, sendo que este mais mais não é que um ponto imaginário dum restaurar de passado presente com futuro.

Sanzalando

8 de novembro de 2010

fotografei

Não me apeteceu escrever. Vasculhei no meu arquivo fotográfico e encontrei. A pequenez bonita dum fungo. Hoje ficou assim.

Sanzalando

7 de novembro de 2010

se chovesse

Talvez se estivesse a chover eu não sentiria esta impaciência visceral de desatar a correr mar adentro e beijar-te num escaldante beijo de verão, ou esperar o pôr do sol e retratar-me contigo e ele em pano de fundo numa fotografia de qualquer cartão postal ilustrado.
Talvez se estivesse a chover eu não sussuraria em silêncio versos de amor que nunca escrevi e estaria a olhar a janela e ver a água a escorrer pelos vidros como uma qualquer águarela.
Talves se estivesse a chover eu estaria a esculpir desejos de sol numa qualquer pedra do meu sapato.
Talvez se estivesse a chover eu choraria por nada.
Mas não chove e eu venho aqui olhar o mar e ver se ele me leva num embalado sonho ainda não realizado, pelas escadas da vida, encruzilhada de quereres e misturada de sensações.
Me deixo no desejo de chuva a olhar por uma janela que mostre a tua rua e tu a passeares por ela.


Sanzalando

6 de novembro de 2010

transporte-me, imaginação

Por aqui vou ficando, ouço o mar, sinto-lhe o sabor salgado de algumas gotas que salpicam quando ele bate nas rochas e vou queimando o tempo, gastando a ausência. Menos um dia. Pareço mais um prisioneiro de mim riscando os quadradinhos dum calendário imaginário do que um passeante à beira mar. Mas a imaginação não me escolhe outro tema e teima em pensar em ti. Eu obedeço porque não quero loucar num louco grito de raiva. Podia estar a plantar rosas, mas não sei se é época delas agora. Podia estar a grafitar paredes imaginárias se tivesse algum jeito para o desenho e pintura. Podia estar sentado bebendo uma ou outra cerveja geladinha numa qualquer esplanada da mima memória mas a verdade é que não está calor para isso.
Com tantos podias e eu sigo a areia da praia num vai e vem como o mar que me acompanha num paralelo afastado.
Poderia libertar-me do corpo e deixar-me navegar pelas ondas da imaginação até um lugar distante sem ter de estar a fazer comparações e equações. Mas na verdade não estou. 
Aqui, apenas ouço o mar e lhe sinto o sabor salgado no tempo que gasto.
Chorá-lo-ei um dia? Não, jamais teria coragem de chorar por ter usufruído da imaginação, esse meio de transporte que me leva onde eu quero estar. Não, não tenho tempo a perder com coisas superficiais. Deixem-me viajar em mim escrevendo em voz alta.

Sanzalando

5 de novembro de 2010

o universo é que é grande

Olho o mar e me sinto pequeno no universo. Deve ter sido por isso que os outros lá no Egipto construíram as pirâmides, outros constroem torres, outros destroem torres e eu aqui, insignificantemente a olhar o mar e a pensar que o amor alimenta. 
Certo certo é que o amor delimita as minhas fronteiras, marca os meus domínios, destinos, pensamentos e sonhos. Mas é o amor a minha pirâmide, a minha torre e o meu monte de destroços, as minhas horas vagas, o meu estar calado num sentimento de espera.
Eu sou um pouco mais que um quase nada, uma imagem despigmentada traduzida num ponto qualquer do espaço minúsculo da minha presença, o ar dum suspiro, a gota do mar que bate na rocha e salpica num evaporado borrifo de nada.
Eu sou pequeno. 
Afinal acho que o universo é que é grande. 

Sanzalando

4 de novembro de 2010

despudor

Descalço-me de preconceitos e caminho na areia da praia aproveitando um sol que não sei a qual estação pertence. Mas como me disseram que o sol é de todos e ainda a gente não paga para lhe usar, com moderação porque senão sai caro, eu lhe aproveito e imagino estou do lado de lá, que deve estar a chover, só para lhes irritar, estando eu do lado de cá a vagabundear ideias soltas.
O marulhar hoje é quase assim não ouvido, é mesmo só sussurrado. O mar, me dizem que eu dessas coisas desentendo por completo, está chão. Deve ser por isso que às vezes a gente anda por cima de chão flutuante. Me distraio tentando pisar as pegadas doutro que passou aqui antes. Ele tinha passos largos, o que me está a cansar esticar assim as pernas. Vou neste pisar pé doutro, desabrochando o meu pudor com pensamentos de antes de não sei quando, que é assim num quase já não me lembro, e reinvento o meu corpo de quando estava contigo. Ossos e pele, pouco mais qualquer coisa que inteligência não tem peso. Dentada em dentada arranco a roupa do corpo, maneira violenta de dizer que me vou despindo, até ficar num tronco nu e que agora já não sei onde é que está o osso. Já não estão á flor da pele. Agora são os nervos que é coisa mais moderna. Aproveito ao máximo o sol. Descaso e caminhando eu não sinto que ele queima e assim não vou ficar cor de camarão, como os da serra quando vão ver o mar na sua colónia de férias.
E assim passei o meu tempo num delírio despudorado.

Sanzalando
recomeça o futuro sem esquecer o passado