São cinco da tarde. Hora de um café e se calhar de um bolo. Vou ao bar, sereno e calmo porque a tarde assim estava e eu assim me sentia, apesar de ter uns dias a me sentir cansado. Mas eu estava bem. No trajecto para o bar acendi o meu cigarro. Na altura ainda fumava que nem uma fábrica em produção contínua. A minha colega de urgência chama-me e diz que temos que ir operar.
- Ok. Vamos. que remédio se era essa a minha missão.
E lá fomos os dois fazer uma cirurgia que se prolongou até quase às 20. Nem café nem bolo. No fim da cirurgia, ainda não tínhamos acabado, sinto um forte dor nas costas, região da omoplata esquerda. Sem dizer nada aguentei até que terminámos a cirurgia. Não me recordo se era eu a operar ou era ela. Era indiferente. Mal conseguia respirar e disse-lhe:
- Enquanto escreves os papeis eu vou à radiologia.
Não sei se me respondeu ou não porque mal falei segui. Na minha cabeça as contas de somar e subtrair diagnósticos em causa própria foram sendo anulados ao ponto de ter só um quando cheguei lá.
Pedi e o técnico prontamente acedeu e lá fomos para o não respire e já pode respirar.
A imagem chegou ao monitor de grande resolução. Mal a olhei e a pouca esperança que tinha desapareceu que nem éter. Não se esfumou porque éter não deita fumo. Sentei-me na cadeira mais próxima. Olhei mil vezes para o nome a confirmar que era o meu.
Por trás de nós, de mim e do técnico, passa o radiologista, mãos atrás das costas, não imaginando que aquele Rx era meu pois é meu hábito ir in loco ver imagens, não só pela maior nitidez mas porque o diálogo com quem faz imagens trás luz e pode haver necessidade de fazer numa outra posição. Ele não para, porém a olhar para o monitor dispara:
- ...esse gajo está f***
Se eu já não estava a pensar fiquei assim como que petrificado a dizer-me que era impossível, nem sei bem o quê. O sangue estava congelado. O pensamento estava paralisado, a reacção tinha desaparecido.
O técnico levantou-se, penso que foi ter com o radiologista pois este num instante regressa e olha com olhos de ver, aumenta e diminui a imagem e diz-me
- esse gajo pode estar com sorte. Parece que é uma tuberculose. Silva, faz-lhe um TAC. dito isto voltou a desaparecer
Eu, o dito cujo gajo, continuava a olhar para o monitor com esperança que a imagem mudasse. Na verdade não sei bem porque continuava a olhar. Pensamentos é que não tinha.
Levaram-me para o TAC, fiz o dito, mas continuava a não ter reacção nem pensamento.
A imagem veio para o monitor. Todos andavam para trás e para a frente com a sequencia de imagens. Eu olhava e via a mesma imagem. Se sentia dor essa naqueles instantes era imperceptível ou desaparecera pelo cérebro vazio.
Alguém chamou um pneumologista que eu nem sabia que estava por lá. Se é que estava. Todo o mundo olhava para o monitor e falavam. Eu atrás, sem conseguir ver mais nada ouvia mas não interpretava. Petrificado, atendi o telefone da minha colega a perguntar onde eu estava. Localizei-me. Ela veio ter connosco. Calou-se, falou com todos os que olhavam serenamente para aquelas imagens coo se fosse um filme lindo de se ver, e disse-me:
- vai para casa e amanhã de manhã vens cá para fazer uma broncoscopia.
- como? toda a minha capacidade de raciocínio e compreensão estavam naquelas imagens que não me saiam da cabeça.
...
era mesmo tuberculose 'apenas'
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