A Minha Sanzala

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25 de fevereiro de 2012

vagueando na cidade

É um dia de sol que me queima a cabeça enquanto percorro as ruas desertas desta minha cidade desenhada com régua e esquadro. Passei na DTA e olhei as montras. É sempre bom ver imagens que tem mais mundo para além deste mundo que me rodeia. O avião lá está no seu pedestal como que a imitar que vai ainda levantar voo, mas todos os dias está ali. Não é Dakota. É mais moderno e eu um dia vou viajar nele, conhecer mundo e saber mais coisas que as coisas que sei desde aqui.
Mas já deixei o avião lá para trás, já vou a caminho do Impala sem saber se lá chegarei ou se no meia da minha conversa muda eu mude de direcção umas tantas outras vezes.
Na verdade tudo isto porque tu já me gastaste as palavras e os nossos desencontros já foram tantas vezes desenhados, tanto em folhas em branco como em mil folhas coloridas de nostalgia. Acabo de queimar uns tantos pensamentos procurando vocabulários, gramáticas e livros de rima, parágrafos, pontos e virgulas como que a querer desenhar numa tela mais umas outras palavras que possam ter sobrado desse choro calado que te choro. A minha vida esbarrou na tua e eu devia levar na cara estampado um sorriso do tamanho do mundo, mas nem o céu limpo me devolve a alegria na forma duma realização de sonho.
Transpiro, olho para cima e ainda não cheguei ao Sporting. Estou no Ferrovia que está de porta fechadas porque hoje não há baile e o Sr. Matos não vai tocar o seu saxofone.
Virei mais uma página em branco e caminhei para muito longe de mim enquanto dou uns passos perdidos rumo a lado nenhum. Tu não me ligas. Nada queres saber de mim e como sempre iniciei-me a conversár com raiva e acabo dizendo-te amor.
Oh, cidade que me atormentas e me afagas com silÊncios.



Sanzalando

1 comentário:

  1. As palavras estão gastas

    Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
    e o que nos ficou não chega
    para afastar o frio de quatro paredes.
    Gastámos tudo menos o silêncio.
    Gastámos os olhos com o sol das lágrimas,
    gastámos as mãos à força de as apertarmos,
    gastámos o relógio e as pedras das esquinas
    em esperas inúteis.

    Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
    Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
    era como se todas as coisas fossem minhas:
    quanto mais te dava mais tinha para te dar.

    Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
    E eu acreditava.
    Acreditava,
    porque ao teu lado
    todas as coisas eram possíveis.

    Mas isso era no tempo dos segredos,
    era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
    era no tempo em que os meus olhos
    eram realmente peixes verdes.
    Hoje são apenas os meus olhos.
    É pouco, mas é verdade,
    uns olhos como todos os outros.

    Já gastámos as palavras.
    Quando agora digo: meu amor,
    já não se passa absolutamente nada.
    E no entanto, antes das palavras gastas,
    tenho a certeza
    de que todas as coisas estremeciam
    só de murmurar o teu nome
    no silêncio do meu coração.

    Não temos já nada para dar.
    Dentro de ti
    não há nada que me peça água.
    O passado é inútil como um trapo.
    E já te disse: as palavras estão gastas.

    (Eugénio de Andrade – 1987)

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