De vez enquando apareço no centro desta sanzala. Vou fazer
mais como? Vivo aqui de empréstimo há muito tempo, do tipo, entra sai quando me
dá vontade e sem fazer barulho. Não pago renda, ninguém me xinga, leio o que eu
quero, é assim como viver em Paris, mas sem a filosofia tradicional – Torre Eiffel
é mesmo o embondeiro no meio da terra vermelha, e o Sena é o regato filho caçula
do kuanza, que corre quando chove. Pus minha cubata onde eu quis, sem plano de
urbanização e sem preocupação com vizinho. Ué Esta sanzala tem cubata, sim! E tem
música todo o dia. Música de kissanje, de maracas, de batuque e marimba que nos
leva lá na linha recta que se faz à curva do mapa abaixo do equador. Aqui tem
um soba, que é tipo presidente da junta mas para melhor- sem saco azul, sem
contas na cabeça, sem agenda para agendar, sem gravata e sem chofer na porta de
casa. Tem por aqui muitas árvores. Não dão papaia, manga, cajú, árvores que tem
letras como fruta. Letras que se juntam como a vontade, quer e desquer. A política
do nosso soba é cuidar das letras, dar-lhe mimos e partilhá-las quando lhe dá
vontade. Só tem bicicleta, que utiliza para espalhar as palavras pelo vento. Eu
me habituei por aqui, porque sou feliz, nesta vida mansa de ler as palavras
criadas por ele, quando eu quero e de vez enquando mando uns bitaites, recolho
algumas palavras para mim e imito o soba daqui, enquanto ele vai no pólo norte
ou no pólo sul, acertar contas nas famílias do zulmarinho e do pai natal, confiando que eu não
bagunçarei muito por aqui. Utilizo por empréstimo autorizado a sua máquina de
fazer palavras, e tento brincar com elas ao vento, como se fosse um lego de madeira
de jacarandá, ou uma pipa de papel colorido, lhes dou forma de chuinga ou de machimbombo,
soltando a imaginação por ai nesta sanzala sem plano director. Nessas palavras
eu desenho sorrisos, olhares ternos e perfumes de figo da índia e misturo tudo
numa tela de conversa vadia. Estou por aqui de empréstimo sem data, não pago
imposto disto e daquilo, e a tal da burocracia, depositei no fundo de um grande
buraco, do fundo do meu quintal, cobri com o tal do stress, e respinguei feitiço
de todos os lados, para tudo lá ficar adormecido até ao infinito. Aqui o sol nasce e pôe-se sem obrigação de fazer rotação na
terra. Bumbas não tem, kumbu também não. Vivo de empréstimo no
paraíso. Árthemis
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