Programas K'arranca às Quartas no Blog

27 de outubro de 2025

O dia em que fui tirar fotos na Foto Pop


Era uma tarde de quarta-feira. Apenas porque sim, pois tanto podia ter sido segunda como sexta. Aquele tipo de dia em que o tédio e a vaidade se encontram no meio do caminho. Eu tinha decidido que precisava de novas fotos. afinal, a última vez que eu tinha tirado uma era para entrada do Liceu, com o dente torto e o cabelo ralado como quem tinha tido uma praga.
Então lá fui eu, todo aprumado, rumo à Foto Pop. era sempre no Rotiv mas eu gostava de ser do contra fui na Foto Pop que era do Bauleth mas quem trabalhava era o Helder. Se não era assim faz de conta que era porque o peso do tempo embaciou a memória e a sua turvação já não deixa ver para lá de alguns cacimbos.

Entrei fingindo naturalidade e à vontade, como se eu tirasse fotos profissionais todas semanas. O Helder me perguntou:
- Vais querer com fundo azul, branco? - ou será que não perguntou nada porque as fotos eram a preto e branco?
Eu, querendo parecer moderno, escolhi o cinzento claro.
Erro número um.

O Helder era um senhor novinho mas que já parecia ter visto de tudo. Ele me olhou, pediu pra eu endireitar o ombro, e disse o clássico:
- Agora dá um sorriso natural.
Natural? Como assim? Eu já estava tenso, suado e a tentar decidir se sorria com os dentes ou sem eles a se verem. Como é que é natural? Tem sorriso que é cara de paisagem que se vê nos calendários das oficinas? Mas ele pensa que é quê, realizador de cinema ou fotógrafo de capa de revista??
Resultado: na primeira foto, fiquei parecido com um fantasma.

Na segunda, fechei os olhos bem na hora do flash.

Na terceira, não me lembro o que é que aconteceu mas ele não gostou.

E na quarta… milagre! Saí bem! Pelo menos eu achei.

Esperei uma hora, peguei o envelope com as fotos e saí da loja com a sensação de ter feito algo importante. No caminho para casa abri para conferir e foi aí que percebi o verdadeiro terror: meu “sorriso natural” parecia uma careta de quem acabou de dar uma trinca num limão.

Cheguei a casa e, claro, mostrei para a minha mãe.
Ela olhou e disse:
— Ah, mas estás tão lindo! Só estás com o pescoço meio torto. - fiquei assim sem saber se chorar ou rir.
Mesmo assim, guardei as fotos, no estilo se precisar estarão aqui mas espero me esquecer.

Na verdade esqueci.

Hoje, no último dia dos 68, abro o envelope, que já está meio amarelo, mas continua lá com a seis fotografias, sinal que esqueci durante anos e hoje, quando reencontro aquele envelope amarelado, não tem jeito, eu rio.

Porque ali tá tudo: o cabelo desobedientemente empastado, o sorriso incerto, a vontade de ser alguém e o charme involuntário da adolescência.

A verdade é que, no fundo eu hoje digo que não fui na Foto Pop tirar fotografias, fui lá para mais tarde ela me revelar fases da gente que já nem sabíamos que existir
am.


Sanzalando

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