Era eu ainda criança de calções e suspensórios, tinha para aí 12 anos e um sonho: queria trabalhar na Rádio.
Não pensava no público, no delírio de fãs, apenas em gravadores, gira discos e muitos botões para mexer.
Tudo começou num dia de chuva. Não chuva séria, mas na chuva no rádio portátil que se chamava transistor. Porque raio daquilo hoje não dava o nosso palco é o mar? O rádio a tocar fazia de conta era sol que não queima nestes dias de cacimbo.
Um dia, ou dois depois que isso é irrelevante e eu não me lembro, deu corda às pernas e lá foi ao Rádio Clube pedir emprego.
Olharam-me. Perguntaram muitas perguntas e disseram para eu falar ou ler qualquer coisa. Não, quero mesmo é trabalhar com os aparelhos. A minha voz está maluca que deve ser da idade. Tanto está grossa como fina que nem desafinador crónico. E no meio desta conversa lá apareceu o Sousa Santos que disse, anda daí para eu te começar a ensinar. E assim estive uns dois meses a ir para o Rádio Clube nas horas que estava ele ou o Mendes. Não me lembro mesmo quando foi que me disseram que agora eu ia começar a ganhar e a ter um horário. Trás o horário do Liceu e fazemos o teu horário. Se chumbares vais para a rua. Disto eu me lembro que nem agora tenha sido.
Por acasos do destino foram alguns anos naquela função. Uns dias tudo corria bem, noutros havia uma ou outra branca. Às vezes recebia um raspanete via telefone porque às horas bem marcadas tinha de passar a publicidade X e passou a não sei quê. Mas eu estava a dizer que por acasos do destino falhou alguém. O miúdo abriu o microfone e inventou.
O coração deu pulos, a cara ficou vermelha que nem o sangue todo tinha ido para lá. Mas correu substancialmente bem que passei a ter dois trabalhos, mas um só ordenado. Mas era feliz.
A mãe em casa ouvia. Tinha sempre uma ouvinte infalível. Lia algumas notícias, até do movimento marítimo, que quando por lapso próprio não era actualizado lia os navios que já tinham ido embora e tudo. Divertia-me até com as repreensões que a direcção às vezes dava. Eles faziam o trabalho deles.
Cheguei a sair do estúdio e fui fazer o hóquei, o futebol do Independente, mas aí sempre como técnico. A minha voz não tinha velocidade para dizer aquelas coisas todas conforme estavam a acontecer.
Às vezes, chamava os amigos que tocavam umas músicas e lá se fazia um programa ao vivo. Eles alinhavam e e o tempo passava numa correria que até cansava.
Um dia esse tempo acabou e outros tempos aconteceram.
Já crescido, cabelo ralo e muito branco o sonho renasceu. Outros sonhos sonhados que se realizam em cada dia que vou imaginando o próximo. Afinal de contas eu só tenho de ouvir o coração e sintonizar o meu fm.
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