Dizem que o tempo não para. Mentira descarada, o tempo parou hoje, exatamente às 08h00, quando o nosso amigo (vamos chamar-lhe A., para proteger os inocentes) entregou a chave, desligou o computador, desinstalou-se do gabinete e suspirou num misto de mágoa e saudade: “Agora sim, estou reformado.”
É um momento histórico. O relógio dos corredores do Hospital ficaram desorientado, o Boss mais boss de todos os bosses começou a suar frio, e a máquina do café entrou de luto. Afinal, A. era o único que sabia pôr aquilo a funcionar sem manual, com rigor e disciplina.
Setenta anos, e ainda com mais energia do que muitos de vinte, embora o o cabelo branco o atire para o Ser Mais Velho como se diz na nossa terra. Durante décadas, A. fez tudo: trabalhou, criou filhos, pagou impostos e fez promessas de “um dia descansar” embora lá no fundo ia achar era eterno, tal como quem escreve estas linhas.
Pois bem, o dia chegou… e agora ele vai tentar perceber o que é que as pessoas fazem às 10h30 de uma terça-feira quando não estão a responder a e-mails, a disciplinar e a olear uma máquina enfraquecida, enferrujada e desgastada pela inércia do boss mais boss que o grande boss.
Os amigos já o avisaram: o primeiro mês da reforma é perigoso. A pessoa acorda cedo por hábito, faz o café, olha o relógio e pensa: “Tenho o dia todo pela frente.” E depois percebe que o dia é muito longo quando não há reuniões nem internos para culpar.
Mas o nosso A. é homem de recursos. Diz que vai “pôr tudo em ordem lá em casa”. Tradução: vai mexer em gavetas, encontrar manuais de micro-ondas de 1998 e proclamar que “um dia pode ser útil”. A S. vai-se exasperar, expulsar da sala, da cozinha e sobra-lhe o jardim, mas está a chover
A verdade é que a reforma é uma arte. Não é o fim — é o início de uma nova carreira: a de gestor de tempo próprio, com especialização em sestas e longos almoços, partidas de golf, conversas intermináveis e ideia contruíveis.
Parabéns, A.! Chegaste aos 70 com humor, saúde e, finalmente liberdade para não fazer nada com estilo.
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