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Programas K'arranca às Quartas no Blog

8 de janeiro de 2025

Programa K'arranca às Quartas 49

Programa de Rádio com palavras, livros e música  - 08 de Janeiro de 2025.  tal e qual como se fez em directo para ouvir indirectamente aqui ou em qualquer outro lugar
Tivemos a Crónica de Ano Novo, falámos do Morro da pena Ventosa de Rui Couceiro através das palavras de Anabela Quelhas, uma colaboradora de letra maiúscula e tivemos também os tesourinhos musicais Os Ekos que estiveram muito bem.
Inaugurámos uma nova rubrica, o momento de poesia, onde após digitalização, ouvimos um poema desta vez e, para abrir, foi Fernando Pessoa narrado por Mundo dos Poemas

Não perca e ouça a boa música que tenho para lhe dar Sanzalando

Um Adeus ao Anatas

Tentei de todas as formas plantar uma árvore, em todas as estações do ano, abrigadas ou em descampado e nenhuma cresceu. Arte ou fé me faltou. Plantei palmeiras artificiais e o sol as secou. Desenhei árvores no chão, como uma criança as desenha no papel e o vento as apagou. O meu quintal ficou deserto e só capim floresceu uns dias depois de cada chuva chuvida. Os meus braços doridos, de cavar, desenhar ou segurar os sonhos agrícolas, estão esqueléticos e já nem cigarros seguram. 
Falsas frases minhas centrifuguei nos desejos de um dia ver o mar amarelo dum deserto que deixei criança, plantadas num quintal que de caderno de capa vermelha fiz.
Fabulei-me de desejos, tropecei em quereres e caí de costas na contra costa da minha inquisição.
O Anatas partiu e nos amigos todos deixou saudade. Um dia, um dia desertificar-me-ei. Certo e sabido como tu sabias.

Sanzalando

7 de janeiro de 2025

vagabundo-me herege

Vagabundo-me por ruas e vielas vazias de gente, porem carregadas de estória. Invento a cada passo uma estória referente àquela casa, aquele beiral, aquele quintal, aquele buraco. Dizendo de outra forma, eu dou vida à minha vagabundagem.  O silêncio que me envolve deixa-me a pensar que aquelas estórias que acabei de inventar são verdadeiras. Eu acredito nelas porque elas são a minha imaginação e a minha imaginação sou eu. Eu acredito em mim. 
No inverno do lado norte tem dias assim, vazios de gente e abarrotar de silêncios. Não há ruído de gerador, de farra, de copos e de corpos em movimento. Sou eu e a minha vagabundagem por estas ruas desertas de gente e carregadas de estória.
Paro numa casa em que está escrito que ali é a Igreja dos Pobres e Desavindos. A porta está fechada. Se eu sentisse frio ou estivesse desavindo comigo ficava na rua, pensei. E comecei logo a magicar que todos os deus são demasiado vaidosos e convencidos. Eles desejam o amor, a veneração, pedem sacrifícios, uns pedem música e dança, outros ladainhas infindáveis, uns o dízimo, outros fazem colecta. A vaidade dos deuses é coisa para ser explorada por mortais. 
Não tem deus nenhum que diga que não ouve as rezas? Que não responde aos pedidos?
Senti-me herege e segui caminho fora sem antes olhar  para dentro de mim, à porta duma Igreja fechada, pobre e desamparado sem nada para fazer ou falar.



Sanzalando

6 de janeiro de 2025

caminhos

Perdi-me sentado em pensamentos absurdos. Quantos caminhos percorri que não foram escolha minha? Fui por eles, alguns por sugestão, outros ao acaso e outros porque não tinha outro caminho para escolher. Nos primeiros aceitei e culpa minha não ter feito o juízo completo. Nos por acaso simplesmente porque não sou de estar parado e a aventura é um lugar comum. Corre bem é optimo, correu mal, melhorarei. nos caminhos únicos não foi bem a escolha, foi o percurso para lá chegar. Culpa minha, opção minha. Correu bem, optimo, correu mal, melhorarei.
Sentado tento justificar-me. Absurdo. Todos os caminhos são caminhos por isso se chamam caminhos. Uns são melhores que outros. Por isso há caminhos com portagem e são rápidos e há caminhos que demoram. Mas tudo é caminho. Essa vida que eu levo, é um caminho. Às vezes parece recto e outras vezes tão sinuoso que me deixa na dúvida se esse é o meu caminho. Mas sigo num seguir feito de peito aberto, recebendo os trocos, ventos e sóis. 
São os caminhos.

Sanzalando

5 de janeiro de 2025

acho eu

Acho que nossa busca incessante por conquistas se deve ao facto das constantes comparações a que nos submetemos, como se existisse um padrão de uma boa vida. Acreditamos que a nossa vida não é perfeita como a do outro, sofremos por alcançar méritos que não são para ser nossos e deixamos de viver intensamente os que o são.



Sanzalando

4 de janeiro de 2025

agradeço

Faz tempo não me vejo no espelho. Não é no espelho de pentear ou de ver a roupa caiu bem. É mesmo no espelho de ver por dentro. Como é que eu estou? Feliz? Sorridente? Choroso? Enfim, como me vai a vida. Falta de tempo não conta porque ele simplesmente voa na velocidade de um tempo que eu não tenho mais velocidade de lhe acompanhar. 
Saudades do tempo profissional? Saudades da adolescência?  Somente saudades?
Olhando bem no espelho de mim eu desconsigo responder claramente. A neblina embacia o pensamento. Tenho saudades de gente, tenho saudades de muita coisa. Não tenho saudades de trabalhar porque isso significava que alguém não estava bem. Vou dizer tudo isso mais como? Desconsigo ter saudades da adolescência porque eu sei esse tempo não volta e o que eu sou hoje devo nesse tempo. Vou ter saudades de hoje? Eu tenho saudades de futuro, esse mistério que é daqui a pouco ou mais logo num dia qualquer. Vou tirar esse espelho e me olhar só de fora. Estou bem. 
Obrigado a mim e a quem me acompanha nesta caminhada de escrever letras vagabundas, perdidas no tempo sem tempo marcado.

Sanzalando

3 de janeiro de 2025

será

Olhando-me há anos atrás em que escrevi com outros números que o mundo não se tornou magicamente colorido só porque o 4 passou a 5, nem o virar da página trará uma montanha de esperanças ou desventuras.
Na verdade, cada ano passado senti que foi o mais desafiante da minha vida. Isto quer dizer que este vai ser ainda mais que o anterior. Ano após ano e o desafio é maior. A maturidade sobe, a realidade é cada vez mais explosiva, assim como o frio de inverno é mais frio que o frio de verão. Cada lugar tem a sua hora, cada hora um espaço e um modo de ser. Cada ano é um desafio. 
Tenho o privilégio de sorrir quando é hora de o fazer, de me calar quando acho que o devo fazer, de dizer o que tenho que dizer, de sentir o que me apetece sentir. Respiro e abraço cada momento de esperança. Continuo a aprender que cada tempo é tempo de ter tempo. Não me afogo nas cinzas de um mar revolto nem me acobardo em manhãs de sol inventado. Faço as minhas conquistas na ausência de pensar como acordarei amanhã.
Estarei morto quando souber qual o melhor ano da minha vida.


Sanzalando

2 de janeiro de 2025

ano novo vida velha

Novo ano e muitas promessas depois eis-me aqui sentado de caneta feito teclado e escrita gatafunhada desenhada em caracteres de imprensa. Sussurrei promessas, outras as fiz em voz alta e bem audível. Umas fiz interiormente, outras em público. É este o carácter do ano novo. 
Prometo solenemente não esquecer o que me permitiste saber sobre ti. Contei-te os meus medos, falei-te das minhas estórias, as que sei de cor e na ponta da língua, bem como as que tenho de me socorrer dum ou outro apontamento porque me perdi na distância do tempo. Sei de ti e tu sabes de mim. Não competimos porque o saber não é corrida nem leituras secundárias de entrelinhas. Não sei prever os teus passos e as tuas palavras, mas sei o sentido com que as dizes e o caminho que traças. Sei que sabes onde vou e entender-me-ás se te disser que quero ficar num ali qualquer.
Entendemo-nos neste dialecto que é nosso, nesta língua de silêncios e meias palavras onde a gramática está repleta de regras apagadas. Sei apenas que cada palavra que sair da minha boca é uma palavra tua. E vice versa. 
Ano novo vida velha porque cada dia é dia 31 de dezembro do ano da graça que quisermos.

Sanzalando