Estava eu de
urgência, início de carreira, fazia tudo. Desde que o doente chegasse à
urgência eu via. Não me importava se era cirurgia ou ortopedia ou lá o que
fosse. Eu queria era ver e tratar doentes. Era novo e cansaço não era desculpa
nem imaginava que isso existia. Entra pela porta uma senhora, para aí uns 70
anos, para mim naquela altura era uma velhota, mas merecedora de toda a
atenção. Foi trazida pela filha mas entrou pelo seu pé e sozinha. Na altura não
havia autorização para entrada de acompanhantes. Acho que ainda nada era feito
no computador, era escrito na ficha em papel. Cumprimentos, meu olhar clínico
já tinha visto a boca desviada e atirei:
- Há quanto
tempo teve o AVC
- Dr. nunca
tive isso. Só tomo drogas para a tensão porque o meu médico disse que eu tinha
tensão alta.
- Desculpe-me.
Mas como vi a boca assim desviada...
interrompe-me:
- Por isso
estou cá agora. Olhei-me ao espelho e via a boca assim de lado e ao mesmo tempo
parece que tenho cortiça na bochecha.
- Ok. Vamos lá
ver bem. levantei-me, toquei na cara, mexi na pálpebra e comecei a
pensar. Nas pernas sente alguma coisa? Ou nos braços do outro lado?
fui fazendo perguntas.
- Senhora (não
me recordo agora do nome) bom bom era fazer um TAC mas neste hospital não há.
Só em Lisboa e acho que não erxiste assim nenhuma urgência em fazer. Eu já
estava certo que não era um AVC. Todo o exame clínico dizia-me isso.
- Sabe, acho
que tem uma paralisia do facil. Um nervo que enerva esse lado da cara está
afectado por qualquer coisa. Vou passar-lhe aqui uma medicação e volta cá,
porque vou cá estar no sábado, daqui a 6 dias. De dia se faz favor. E dei-lhe
um papel com essa indicação.
- Dr. não é
melhor falar ali com a minha filha?
- Claro, claro.
E lá fui eu,
expliquei a minha opinião e tratamento.
No sábado ainda
estava na mesma. Não piorou nem melhorou. Mas eu tinha a certeza e fui marcando
um dia de semana para rever.
Após 4 semanas
ela apresenta-se, recuperada e diz-me:
- Obrigado, Dr.
O que mais me doía era o olhar triste das pessoas quando me olhavam. Agora já
lhes posso sorrir.
Sanzalando
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