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7 de setembro de 2025

Areia no Silêncio de uma joeira sem vento

Era uma manhã que tinha nascido sem cacimbo no Namibe, mas dessas em que o sol acorda antes de todos e espreguiça-se devagar pelas dunas sem a força do quente. O céu estava limpo, parado — nenhum sinal de vento, nenhuma folha mexia, nem uma brisa para me contar um segredo.

Eu, um menino de poucos anos, calções com suspensórios de cabedal, se calhar feitos no Estregildo ou comprados no Graça Mira, não faço a mínima ideia onde a minha mãe comprava a minha roupa, com os pés cobertos de poeira, corria tentando levantar uma joeira esquecida na casa da avó, faz tempo feita por um qualquer dos meus tios. Era velha, de lasca de cana gasta e papel fino, marcada pelas mãos de quem já lhe tinha levantado muitas vezes.

— "Vou brincar," disse, sem saber como exatamente se levanta uma joeira em dia que a brisa tirou folga..

Sentei-me na terra batida, joeira ao colo, respiração cansada da muitas corridas feitas para um lado e para outro. Tentei peneirar a areia seca com a minha mão pequena enquanto ia pensando como é que eu podia levantar aquela joeira que devia ter saudades de voar. A areia não dançava como nos dias de vento. O silêncio fazia companhia sem aquele assobio que entra no ouvido quando está de feição e até os passarinhos estavam calados.

Sacudi a joeira com força, imitando os gestos que me lembrava, mas a areia caída no papel parecia tinha cola e não se libertava.. Parei. Pensei. Peguei um punhado de pedrinhas pequenas, sementes secas, e folhas miúdas que o sol já tinha amarelado. Coloquei tudo na joeira e comecei a abaná-la devagar e parecia tinha inventado um novo instrumento musical.

Agora, a joeira cantava baixinho. Um som suave de coisas a se encontrarem no ar. As pedrinhas pulavam, as folhas giravam e eu ria sozinho, inventava vento com as minhas próprias mãos.

- “Se o vento não vem, eu viro vento,” disse, com um sorriso teimoso.

Naquela manhã sem vento, eu menino, fiz do nada um mundo. A joeira virou brinquedo, tambor, redemoinho e não pássaro que voa. E o Namibe, sempre tão silencioso, ficou cheio de barulho de imaginação.



Sanzalando

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