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15 de setembro de 2025

fui de jeep ver a farinha de peixe

Lembro-me de quando era adolescente e fui a Porto Alexandre (ao Tombwa de agora) pela primeira vez ver como se fazia farinha de peixe. Quem me levou foi o senhor Leovegildo no seu Jeep. A curiosidade falava mais alto do que qualquer coisa, porque sempre me perguntava como é que, a partir do peixe fresco, se conseguia obter aquele pó com cheiro forte que me diziam servia para tanta coisa. Nos livros não estava explicado e fazia tempo na minha terra já não se fazia mais. Nesse agora era só mesmo lá.

O caminho até lá já era uma aventura, areia de cada lado da estrada, assim faz de conta era ouro penteado de risca de alcatrão e brita. Me contava o senhor Leovegildo que quando havia cruzamento de carros ou ultrapassagens às vezes saltava um pedra da brita e lá se ia o vidro da frente do carro. Eu ri pois estava a pensar ele me enganava com o seu ar sério. Mas ele não era pessoa de brincar com coisas sérias. Só ouvi um pack e ele com o dedo da mão direita e empurrar o vidro e lá ficou apenas uma marquinha de lascado. Respirei fundo, lhe olhei e ele continuou sereno. É assim que se faz. E lá estava eu a fazer força no vidro quando via um carro a vir em sentido contrário. Coisa que se aprende naquela idade.

Cheguei lá e naquela rua comprida que marginalizava o oceano comecei a ver muros e o mar se escondeu por dezenas de fábricas. O barulho do mar misturado com o movimento dos trabalhadores, os camiões a carregar sacos pesados, e aquele cheiro intenso de peixe que parecia agarrar-se à roupa. Eu estava em Porto Alexandre ( hoje eu tinha de dizer que estava em Tombwa).

Já não sei se era na sexta ou oitava fábrica que era a que ele trabalhava. Parou o Jeep e lá fui eu atrás dele. Ao entrar na fábrica, vi os peixes a serem descarregados em grandes quantidades, Era assim parecia usarem aspirador e depois vinha num tapete rolante até à fábrica propriamente dita. Depois eram cozidos, prensados, secos e moídos até ficarem em pó. Cada etapa parecia mágica e, ao mesmo tempo, dura — um trabalho de paciência e força.

O calor era sufocante e o cheiro, para quem não estava habituado, quase insuportável. Mas eu não conseguia desviar os olhos: estava a aprender algo que não se ensinava na escola, a ver de perto como se transformava o peixe numa riqueza.

Saí de Porto Alexandre (do Tombwa diria agora) nesse dia com a roupa impregnada de cheiro e a cabeça cheia de histórias. Foi uma experiência que me fez perceber o valor do trabalho e a importância das indústrias que sustentam tantas famílias como países.

Nunca mais fui lá ver as fábricas, nunca mais vi farinha de peixe.


Sanzalando

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