Eu tinha apenas 15 anos, mas já carregava um sonho diferente dos outros garotos. Enquanto muitos queriam ser jogadores de futebol ou músicos famosos, eu passava as tardes e noites dentro do pequeno rádio Rádio Clube da minha cidade. Edifício inacabado, três estúdios, uma sala de reuniões com um piano vertical, uma discoteca e uma secretaria. O resto era apenas fundações de uma sala de baile e se calhar gabinetes e mais estúdios. Nunca vi a planta pelo que estou a falar de cor.
Tudo começou quando pediu para ajudar o senhor Sousa Santos, o técnico mais antigo da rádio. Primeiro, só organizava discos, lia bilhetes de ouvintes e atendia ligações, ajustava publicidade e ajudava em gravações. Mas, aos poucos, fui ganhando confiança. Até que, numa noite que se calhar fazia frio, entrou no TicTac e fez uma rúbrica que era nem mais que o Senhor Fonseca, com pronuncia portuguesa do norte a criticar as coisas ruins da cidade.
A partir dali, nunca mais parei.
Eu adorava a sensação de estar ligado com pessoas que não via, mas sabia que o escutavam. Recebia cartas, bilhetes e até recados deixados na secretaria. Havia quem dissesse que a voz era calma, outros afirmavam que parecia trazer esperança e outras gostavam apenas de falar das coisas bonitas que eu dizia. Eu lia as redações que eu fazia sobre tudo e quase nada.
E tinha também ouvintes fieis que por vezes pediam músicas fosse aquilo um programa de discos pedidos. Ela sempre ligava para pedir músicas românticas. João, mesmo sem conhecê-la, sentia o coração acelerar toda vez que reconhecia sua voz do outro lado da linha.
A rádio não era apenas trabalho. Era um lugar onde os sonhos ganhavam som, onde amizades surgiam sem rosto e onde, talvez, um primeiro amor estivesse a nascer través das ondas invisíveis do ar.
Um dia o sonho acabou. A Rádio fechou e meio século depois reabriu, numa onda diferente, num estar diferente. Eu era diferente. Os ouvintes são diferentes. Já sem pronuncia, ou sem pedidos musicais, se vai informando de modo a dar conhecimentos em voz que se ouve com ouvidos de pensar.
Sem comentários:
Enviar um comentário