Programas K'arranca às Quartas no Blog

9 de outubro de 2025

desmemorizado e desimaginado

Tudo começou, vou dizer ao acaso, numa terça-feira, porque é aquele dia da semana que não tem a dignidade da segunda nem a esperança de estar perto da sexta.
Estava eu, sentado a pensar, quase a atingir o nível histórico de escrever uma estória por diaorgulho da minha carreira digital, quando aconteceu o impensável: não me vinha nada à memória.

Literalmente.
Piscaram as luzinhas na barriga, tossi um bocadinho e... silêncio mental.
Sem imaginação.
Até parecia estava sem vida.

MÃÃÃE! morri!!!! - gritei como se fosse uma tragédia nacional. Ninguém me ouviu!
Mantive-me sentado, ar de pensar e pensei que deveria ser um minuto de silêncio da minha memória.
Mas o silêncio mental permanecia para lá dos minutos eternos que sofri

Encolhi os ombros e foi fazer sandes. Talvez as luzes na barriga fossem sinal de fome. A tosse não me tirou o ar e nem deu para ficar sem oxigénio na cabeça.
Mas porque eu havia de fazer uma sandes? Como se fazer sandes fosse uma resposta aceitável quando a civilização mental colapsa.

Sem memória nem imaginação, tive de fazer algo que a minha geração raramente faz: pensar mais.

Olhei à volta e reparei que a casa tinha... livros. Livros reais! Com páginas e tudo. Nas páginas havia palavras. Eu consegui ver nexo naquele labirinto de letras seguidas.
Peguei num, cheirei. Os livros têm cheiro, sabias? Abri e comecei a ler.
E juro que, não sei como dizer isto, até foi giro.
Mas não digas a ninguém, por favor. Ler sabe bem. Não contes a ninguém pois pode também desaparecer esse dom de ler livros. A minha mãe dizia para eu não contar os meus desejos para não entrar areia na engrenagem e estragar tudo. Desabafo só para mim.

Entretanto, tocaram à porta e era um amigo que decidiu que era o momento ideal para me desafiar para um jogo de tabuleiro.
- Dominó? — perguntou-me com um sorriso diabólico.
Aceitei apesar de ter que interromper o acto de ler.
Duas horas depois, eu tinha perdido mais vezes do que qualquer governo conhecido numa guerra. Nem a memória nem a imaginação tinham regressado, eu ainda discutia que jogos tinha mal perdido.

Quando finalmente a memória e a imaginação voltaram, largámos tudo e corri, como se um fosse o milagre do século para o computador, escrever.

Não me apetecia estar ali na solidão com ideias fervilhadas... e eu percebi que, de alguma forma, até tinha sido bom desligar por um bocado. Mantive-me desligado. Levantei-me, voltei a pegar no livro, olhei o marcador e pensei que trabalheira que teriam tido para escrever aquelas letras que eu tinha esquecido de ler.

Mas claro, não contei isto a ninguém.
Disse só: “a pior tarde da minha vida”.
Mentira descarada.
Foi das melhores.



Sanzalando

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