Na minha pequena cidade, onde não me lembro se as folhas caíam em tons de laranja quando chegava o cacimbo, eu vivia e convivia. Tinha para aí uns dezassete anos, cabelos castanhos sempre um pouco bagunçados a dar para o comprido e um sorriso simpático que raramente guardava. Era um sonhador, com a cabeça cheia de melodias e letras de músicas que raramente mostrava a alguém.
Meu mundo, porém, girava em torno de uma pessoa cujo o nome nem hoje consigo soletrar. Ela era como o sol de cacimbo, vibrante e cheia de vida. Os seus longos cabelos castanhos dançavam com o vento, e seu riso, quem mais não era que sorriso, me soava a melodia doce quando me era dirigido. Estávamos na mesma turma, a observava de longe, assim faz de conta era um admirador silencioso.
Eu sabia tudo sobre ela, seu amor por livros, a maneira como ela mordia o lábio quando estava concentrada, e seu sonho de viajar pelo mundo depois de se formar. Eu guardava esses detalhes no meu coração como tesouros, e a cada nova descoberta, o tal do amor crescia.
Tentei me aproximar, é claro. Nos estudos e nos trabalhos em grupo, eu garantia que estivessem no mesmo. Ela era sempre simpática, conversava com sobre as matérias e sorria de minhas piadas, às vezes sem graça, fazendo-me engraçadinho. Mas nunca passou de ser mais do que uma amizade cordial e simpática.
Uma tarde, enquanto caminhavam para casa depois da escola, sob o céu, que não sei se estava já alaranjado do pôr do sol, reuni toda a minha coragem. Lhe balbuciei o nome, senti o meu coração martelar no peito que nem piston de comboio de minério, e lhe disse que tinha escrito uma canção para ela. Tirei um papel amarrotado do bolso e tremendo comecei
Morena morena
Dos olhos galantes
Quem te deu morena
Esses diamantes
A música saída da minha boca devia parecer arrepio, tal a minha falta de jeito para ela.
Ela me olhou e disse
- Está giro.
Eu tinha mais versos para ler mas aquelas palavras, mais frias que o cacimbo, tiraram som às minhas e mudo, engoli em seco, e da minha boca saíram palavras que eu não sei como foram lá parar
- Obrigado. És a minha melhor amiga.
Ela me olhou, sorriu e disse:
-Ainda bem.
Caminhámos até a casa, sendo ela minha vizinha, sem trocar ou tropeçar qualquer palavra. Eu, sinceramente estava de rastos. À porta da minha casa despedimo-nos com um até amanhã que não tinha mais do que palavras porque era um até amanhã vazio.
Em casa o impulso foi rasgar o papel, porem, dei ao Beto no dia seguinte e uns dias depois ele gravou lá no Rádio e passámos num domingo de manhã. Nem ele sabia a estória e nem sei se ela ouviu rádio nessa manhã.
A minha versão de Júlio Dantas estava mais carregada de paixão que a dele e eu não tinha pena de mim. Mudei, cresci e os dezassete anos ficaram para sempre para trás. Nunca lhe cantei o poema, nunca mais ouvi-lhe a voz fria de cacimbo.
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