Nem sei se tinha dezessete anos e passava as tardes a estudar na varanda, ou pelo menos fingia que estudava. Na verdade a minha mãe bem que me perguntava o que é que se passava comigo. Só podia ser doença. Assim de repente começar a estudar todas as tardes e na varanda?!
Claro está que nunca lhe disse o verdadeiro motivo de estar ali, porque dali eu tinha ampla visão para a casa ao lado.
Não foi por acaso que ela se mudou para minha vizinha quando antes morava lá perto da 56. Acho que foi por mim. O pai lhe adivinhou, pensei eu.
A primeira vez que trocaram olhares, no recreio do liceu quando ela para o liceu foi estudar. E logo para a minha turma. Os astros estavam a montar o futuro. Ela sorriu-me e aos poucos, as conversas começaram a prolongar-se. Dali em diante inseparáveis no recreio e no caminho para o liceu, excepto quando ela ia de Mini-Honda. Eu, atrapalhado, parecia um desajeitado ao seu lado. De tanto querer fazer bonito metia as mãos pelos pés e por vezes atropelava as palavras. Éramos lindos. e falávamos de tudo.
Numa tarde, ela convidou-o para ajudá-la a pintar o muro do jardim. Entre pinceladas e risadas, os olhares se trocavam e sorriam. Ficaram em muitos silêncios, como se os corações acelerassem. O muro foi pintado num instante.
Nas tardes, depois de chegar o liceu, era sentar na varanda e olhar em frente como quem vai adivinhar o futuro que estava mesmo ali. Os livros se abriam e se fechavam num esfolhar como quem não pensa. Ela aparecia na varanda dela, trocava uma ou duas palavras e eu... nem da varanda me apetecia sair.
Fomos ao cinema.
Tudo parecia que a astrologia estava combinada.
Porque é que eu não colei os astros naqueles dias? Nunca mais olhei a janela, nunca mais olhei para ela, nunca mais lhe sorri nem lhe fiz os meus silêncios de olhar espantado feito parvo.
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