Programas K'arranca às Quartas no Blog

31 de agosto de 2025

O Café dos Invisíveis

Era fim de tarde em Luanda quando o Café dos Invisíveis abriu as portas. Não havia letreiro, nem música; apenas mesas gastas e cheiro de café forte. Ali, vinham sentar-se aqueles que escreviam Angola.

Luandino estava lá sentado como se estivesse à espera, faz muito tempo. Depois Pepetela chegou, trazendo debaixo do braço um caderno onde ainda se via a poeira do Mayombe. Pediu silêncio: dizia que as árvores da floresta ainda falavam dentro dele. Logo depois entrou José Eduardo Agualusa, com um sorriso leve e histórias que pareciam voar, como se fossem feitas de vidro e de sonho. Trouxe na mão uma pequena arca imaginária, onde jurava guardar segredos do mundo.

Luandino Vieira falou sem pedir licença, mais velho não precisa, carregando palavras como quem carrega pedras pesadas. A sua voz era dura, mas dentro dela morava a cidade inteira — as vielas, as gírias, os meninos descalços correndo pelo musseque.

Ondjaki chegou, risonho, trazendo consigo uma infância interminável. Sentou-se, e de repente o café ganhou cores: havia balões, crianças inventadas, fantasmas doces que dançavam nas paredes.

Conversaram sem se olhar muito, porque cada um via Angola à sua maneira. Pepetela falava das batalhas que não terminam, Agualusa das fronteiras que se dissolvem, Luandino da língua reinventada, Ondjaki do futuro que ainda brinca no quintal.

No fim, ninguém pagou a conta. O Café dos Invisíveis não cobrava a escritores: alimentava-se apenas das histórias deixadas no ar.
E quando a porta se fechou, Angola ficou mais uma vez escrita, multiplicada, infinita.



Sanzalando

Sem comentários:

Enviar um comentário