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9 de setembro de 2025

Os meus retalhos nº 39

Não me gabando que até podia parecer mal, sempre foui considerado um bom cirurgião do hospital. Minhas mãos firmes e a calma diante da pressão eram conhecidas entre colegas e pacientes, assim como um certo mau feitio derivado da concentração e disponibilidade total para o instante cirúrgico. Durante anos, acumulou sucessos e salvou inúmeras vidas. Mas na verdade também com fracassos e com a impotência pela hora tardia a que a doença havia chegado às suas mãos.

Mas uma noite, após horas seguidas de urgência, foi chamado para uma cirurgia de emergência. O paciente tinha uma hemorragia interna grave. Entrei na sala confiante, como sempre, mas o cansaço nublava o raciocínio. Um pequeno detalhe, imperceptível, que me passou despercebido - no caminho para o bloco o paciente havia feito uma paragem cardio-respiratória. O que não me fora transmitido. Pequeno detalhe de comunicação, grande detalhe na intervenção

A cirurgia não terminou como esperava. Apesar de todos os esforços da equipe, o paciente não resistiu intra cirurgia..

Nos dias seguintes, fechei-me em silêncio. Pela primeira vez na minha carreira, senti o peso esmagador do fracasso. A pergunta não o deixava em paz: “E se eu tivesse sabido daquele detalhe a tempo?”

Mas, em vez de desistir, decidi encarar o erro. Voltei a estudar, revi protocolos, conversei com colegas, e, sobretudo, passou a ouvir com mais humildade as vozes ao seu redor. Descobriu que, embora os cirurgiões sejam treinados para buscar a perfeição, também são humanos.

Anos depois, com novos sucessos acumulados, contava essa história para os jovens internos, sempre concluindo:

— O fracasso dói. Mas, se aprenderes com ele, podes salvar muitas vidas que ainda estão por vir.



Sanzalando

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