Programas K'arranca às Quartas no Blog

30 de junho de 2025

Cheguei ao Porto 13 e se calhar acabei aqui

E quando penso que já não sei mais nada do tempo que esqueci, esquecendo a fome, a saudade, as tristezas de amor imperfeitos, amuos por carência ou por birra, risos porque algo inesperado aconteceu, vem à memória como uma fotografia um flash.

O relógio da Torre dos Clérigos marcava uma hora qualquer de uma tarde encalorada na frieza das tardes do Porto, eu brincava com a BIC, a bata já cinzentamente branca porque faz quatro anos que deixara de ser nova e respirei fundo. Ainda sentia na garganta o cheiro a éter e a desinfetante que mais não era um conservante cadavérico, o formol, esse odor que se entranhava na roupa, na alma e se respirava até desparecer da memória. Era o quinto ano de Medicina na Universidade do Porto e, naquela tarde de outubro de 1983, tinha acabado de assistir à minha primeira autópsia.

No anfiteatro anatómico, nas bancadas gastas de madeira estavamos, demasiado perto mas suficientemente afastados e era o silêncio, só interrompido pelo arranhar das canetas no papel em apontamentos dos mais ousados. Eu trazia sempre o mesmo caderno azul, comprado numa papelaria da Rua de Cedofeita. A capa já se esfolava nos cantos, mas ali dentro estavam todos os apontamentos que não confiava à memória nem à perfeição da letra que mais tarde me esforçaria para ler, se me lembrasse.

A autópsia marcara-me. Não pela violência do corpo exposto, mas pelo rosto sereno que parecia quase sorrir, como se o rapaz deitado na mesa de aço tivesse chegado a algum entendimento com as milhentas lombrigas vivas que ondulavam quando a monitora abrira o intestino.

Alguém ao meu lado parecia tinha caído de elevador, assim numa câmara lenta que nem deu para percebe e ter reflexos para a apanhar no meio do caminho. Estava inerte no chão sujo, ou velho, daquele anfiteatro quando lhe atirei o olhar. Não, não socorri porque logo vieram dois colegas mais velhos fazê-lo. Eu estava hipnotizado naquela cena macabra de abrirem um intestino ao mesmo tempo que eu via um rosto sereno que até parecia sorrir

Depois da aula, atordoado e com a mente cheia de filmes sem película, sentei-me no Piolho, reabri o meu caderno de apontamentos e só deus poderia saber o que lá estava escrito. Eu gatafunhei e acho que nem eram palavras nem desenhos. Bebi uma Cimbalino e fui para o lar. À hora do jantar, cerca das 19, na cantina de Engenharia entrei e o cheiro a sopa de legumes fez-me lembrar o formal e desconsegui comer. Pousei o tabuleiro e pela Alferes Malheiro regressei ao lar. Em jejum mas com sabor a formol. Sentei-me perto duma janela, abri o caderno e escrevi, na folha da aula da:

“Para viver com a morte ao lado, é preciso ter coragem e algum amor.” Se calhar era o princípio de um romance. Mas se era, ali acabou porque só resta essa frase.

Nos dias seguintes passei horas a observar médicos que pareciam não ter medo de nada. Na minha cabeça mantinha-se a cena fixa do anfiteatro da Aula de Medicina Legal. Àquela imagem juntei o meu receio: o dia em que não pudesse fazer nada por alguém.

Fazia tempo que essa dúvida não aflorava o cérebro. Agora martelava e ainda por cima com fotografia mental.

À noite, frente à telenovela prometi-me que havia de aprender a nunca ficar indiferente. Porque ser médico, mais do que decorar nomes latinos ou saber palpar um abdómen, era guardar humanidade, mesmo que, às vezes, doesse.

Fechei o caderno azul e nunca mais o abri até hoje onde me fui buscar no armazém da memória.



Sanzalando

28 de junho de 2025

Cheguei ao Porto 12 - nem imagino de quantos

A tradição não perdoa. Mesmo que com exame marcado para um dos dias a seguir, dava pelo menos uma volta à Ribeira, bebia um copo no Palácio de Cristal. Era um ritual sagrado comer sardinha assada e pão, bater com o alho-porro na cabeça de estranhos, lançar um sorriso tímido ao amor eterno daquela noite, e fingir que o cansaço das noites de estudo não pesava. E naquela altura pesava. Deslembo-me.

Naquela noite, deixávamos a bata, como quem queria dizer ao mundo: “Hoje, sou só mais um.” No meio das marteladas, ninguém se lembrava das tensões arteriais, dos exames de bioquímica ou das rondas nas enfermarias. Éramos jovens, invencíveis, com os corações cheios e os bolsos vazios.

Recordo-me de uma noite de São João em que um dos nossos — Armando, sempre mais poeta do que futuro médico, decidiu fazer um brinde em pleno tabuleiro inferior da ponte D. Luís. Gritou para o Douro, copo de plástico em riste:
"À saúde dos doentes e à loucura dos sãos!"

E rimos todos, com aquele riso fácil que só os 20 anos e uns tantos finos depois permitem.

Havia um encanto em ver a cidade acesa, em ver as varandas com manjericos e quadras tolas, os velhos a dançar com as crianças, os namorados a perderem-se nos becos. E nós ali no meio, entre a responsabilidade que se aproximava a passos largos e o desejo de sermos, por mais um instante, apenas estudantes com cheiro a sardinha na roupa e fogo no coração.

No dia seguinte, voltávamos à rotina com olheiras fundas e cheiro a fumo no cabelo. Mas sabíamos, sabíamos mesmo, que aquela noite nos curava de um ano inteiro de cansaço. Acordávamos como que renascidos.

Afinal, também isto é Medicina: saber quando parar, rir, dançar, viver. E São João, naquele Porto dos anos 80, era a nossa melhor receita para esquecer tantos amores sofridos, tantas sebentas lidas, tantas noites de fome e saudade.

Um dia voltarei para me visitar, como se fosse fazer um safari pelos caminhos do meu passado, pelos rostos que olhei, pelas lágrimas que chorei, ou fiz chorar, como se as lágrimas tivessem criado um mar interior da minha alma e eu pudesse agora visitar como se fosse uma atração turística e mostrar que um dia eu passei ali momentos de felicidade, degraus do meu caminho.


Sanzalando

27 de junho de 2025

Cheguei ao Porto 11 de não sei quantas

Fora do hospital, o Porto continuava a ser Porto: cinzento, encantador, húmido, cheio de cafés onde discutíamos doenças e poesia como se fossem a mesma coisa. A vida era-nos barata porque o mês era sempre mais comprido que a bolsa, o que nos obrigava a viver sem gastar e o tempo era nosso, a esperança andava à solta, como uma bicicleta sem travões nas calçadas ingremes da cidade, nos passeios da Ribeira ou nos jardins dos Aliados.

Faz pouco tempo, passei pelos mesmos corredores, agora reformados e cheios de tecnologias, procuro aquele cheiro do éter — não por nostalgia, mas porque me lembra quem fui: um estudante perdido, apaixonado, pela ideia de cuidar e pela vida em si mesmo. E lembro-me que, apesar de tudo o que mudou, a essência da Medicina continua a ser a mesma: estar ali, de verdade, para o outro. Foi um tempo que gostei-me, mas que agora prefiro ver do lado de fora, de modo a ter tempo de apagar os fogos que incendiei nos momentos em que não fui suficiente. Cicatrizo-me devagar, célula a célula como se me regenerasse em humano ser.

Mas regressemos a 1980, ao tempo dos sonhos e grande efeitos e pensamentos, ser estudante de Medicina no Porto era como viver entre dois mundos: de um lado, o rigor dos corredores frios do Hospital de São João; do outro, a cidade vibrante, cheia de segredos e excessos e em nenhuma noite isso se tornava mais claro do que na véspera de São João.



Sanzalando

Programa 73 - K'arranca às Quartas


Programa de Rádio com palavras, livros e música  - 25 de Junho, tal e qual como se fez em directo para ouvir indirectamente aqui ou em qualquer outro lugar, aos cortes ou de seguida. A opção é sua.
Ouça com atenção e pense ( o som ainda não recuperou do apagão de 28 de Abril pelo que peço desculpa)
Ler só faz mal à ignorância e ouvir o K'arranca as Quartas sempre se aprende qualquer coisinha porque é um programa para ouvir com o pensamento



Hoje tivemos a Crónica, falámos do LIVRO, ele mesmo, tivemos Esta Música tem uma história, com Os Clã e Sérgio Godinho no Espetáculo - colaboração de José Leite; não faltaram os Tesourinhos Musicais com o Nelson Ned, tivemos a música da lusofonia imprescindível nas tardes de Quarta-feira bem como o poema - AS PALAVRAS INTERDITAS, Eugénio de Andrade -  Adriana Faria

 

Tudo imperdível, menos a qualidade do som.
Mesmo assim vale a pena

Não perca e ouça a boa música que tenho para lhe dar

Sanzalando

Cheguei ao Porto 10 de não sei mais quantas

E foi no meu cérebro que me encontrei a pensar num parece que até foi ontem, mas era 1980 e o mundo girava com outra cadência. Os corredores do Hospital de São João, cheiravam a éter, desinfetante e café requentado  e um certo odor bafiento, uma mistura curiosamente familiar que acabaria por se tornar a fragrância da minha juventude.

Entrávamos de bata branca, ainda engomada pela mão zelosa funcionária do lar que achava que Medicina era sinónimo de dignidade. Não sabia, ainda, que a dignidade se ia buscar nos gestos pequenos, no toque calmo ao auscultar um peito aflito, ou no olhar que pede desculpa por não ter mais para dar a um doente terminal. Éramos estudantes de Medicina. Íamos de sebenta na mão e olhos bem abertos, sonhando com bisturis, diagnósticos brilhantes e salvações de última hora. Achávamos que sabíamos mais do que sabíamos. E, no fundo, era isso que nos movia: a ilusão de que o saber tudo era apenas uma questão de tempo. Mais cedo ou mais tarde iriamos salvar o mundo. A tristeza teria cura, a solidão seria uma virose passageira e as vezes impossíveis deixariam de existir.

Lembro-me de uma aula prática em que o professor, um homem seco, de voz firme e olhar de quem já tinha visto demasiada dor, lançou-nos uma pergunta simples sobre insuficiência cardíaca. Silêncio. O coração, símbolo do amor e da vida, escapava-nos entre fórmulas e nomes complicados. Foi aí que aprendi que Medicina não é apenas decorar: é ver, escutar, repetir, errar e, sobretudo, estar presente.

O Hospital era um microcosmo do mundo. Lá dentro havia uma hierarquia invisível: os doutores, os internos, os estudantes, os enfermeiros, os auxiliares. Mas, nos momentos certos — num parto difícil, numa paragem cardíaca, numa notícia trágica — tudo isso desaparecia, e só restava a urgência de ajudar alguém.


Sanzalando

24 de junho de 2025

eu e o deserto

O mais longe que fui a corta mato no deserto foi ir quase até aos Morros Azuis. Nesse caminhar pelo deserto do Namibe, encontrei mais do que areia e silêncio. Encontrei-me a mim mesmo e com medo da solidão. Olhava em frente e eles parece fugiam de mim. Olha para trás e o Aeroporto parece ficava mais longe também. Só, tive medo e regressei pensativo. Pelo caminho reparei que o vento sussurrava estórias antigas e o calor parecia querer derreter o meu cérebro. O coração acelerava e eu sentia ele bater cada vez com mais força. Inexplicavelmente tremia. Já não me apetecia conhecer o deserto, já não queria ser mais um explorador de caminhos mais que conhecidos para outros e totalmente desconhecidos para mim. Eu ouvia contar que os Morros Azuis eram assim e assado. Eu, ali tão perto e só os conhecia como conhecia a lua, de ver de longe.
Parei. Pensei e respirei. Já nem sei qual foi a ordem das coisas. Mas de facto senti-me uma estrela. Mesmo sem ninguém me ter visto eu aventurei-me sozinho deserto fora. Eu, menino de alcatrão andei na areia quente do deserto.
Acho só que tinha escolhido dia mau para o fazer. Não podia sentar à sombra e repensar, pois o deserto não tem isso e a minha sombra me acompanhava em cada gesto.
Chegado ao Aeroporto sorri-me e vi que afinal eu não era tão doido como pensava que era.

Sanzalando

23 de junho de 2025

Cheguei ao POrto parte 9 de não faço ideias quantas

Nesse ano e nos seguintes, seis, devo ter escrito o meu primeiro livro de leitura única e pessoal. Poemas de amor. O vento, o tempo e outros ares levantaram voo e nunca mais os vi. Foi um livro devorado pelo tempo, página a página, verso a verso, amor em amor. Fui escrevendo outras páginas na vida, umas com letra legível e outras totalmente ilegíveis. Era um jovem adulto, levado por paixões e que várias vezes morreu de amores, mas devido a desconhecidas divindades sempre ressuscitou, rejuvenescido e pronto a morrer, sempre que o amor lhe quiser.

Sem tropeçar o curso feito e o sonho cumprido. Nunca mais fui à Areosa nem por lá perto passei enquanto estudante. Muitos mais anos depois lá fui, não à rua que me recebeu, mas perto. Nunca mais soube do que foi feito das primas cujo o grau desconheço.

Curti cinco S. João, andei de alho porro e martelinho de plástico. Bebi cerveja e fiz mais passos nessas noites que em cada dia do curso. A cidade estava tomada de festa e alegria.

Um dia, levado carro para trazer a tralha, me prometi que um dia voltaria e várias vezes voltei, porém não aos mesmos lugares onde tinha passado mais tempo. Nem na Areosa passei, nem à Cristal fui e nem na Trindade comi. Porém procurei o Carvoeiro, onde calhava comer aos domingos ou dias santos e em vez de encontrar o dono e a sua filha, cuja contabilidade era fácil, fazendo ele contas, o resultado era sempre os mesmo 18 escudos, se a memória não me falha, e encontrei o Carvoeiro para gente fina. O Piolho estava igual, a Galiza estava na mesma, mas fiquei a saber que fechou posteriormente. O CICAP deixou de ser a reitoria e o lugar de ensaios do Orfeão e Tuna. Que eu frequentava, não pela minha linda voz , mas para alegria dos meus olhos.

Na verdade não voltei ao Porto com vontade de ver o que eu me tinha gasto em seis anos que lá vivi intensamente. Só mesmo porque me desapego dos lugares porque os meus caminhos são em frente e os lugares de passado são isso mesmo, passagens por onde passei e guardei na memória de cada palavra que escrevo no meu cérebro.


Sanzalando

20 de junho de 2025

Cheguei ao Porto, parte 8 e não faço ideia de quantas

No lar da Álvares Cabral, Reino das Águias Carecas, para subsidiar o mês mais longo que a bolsa ou mesada, tinha gente que fazia encadernações de sebentas. Todos os cursos solicitavam os serviços do Cavacas e do Lajoso. Impecável trabalho e bom cheiro a cola nas horas de maior labuta. Tinha ping-pong e grandes campeonatos. Namoradas? Deu-me assim uma amnésia útil neste instante. Não me lembro e nem vou falar disso que eu sou muito leal à minha palavra e muito desapegado à memória.

E com mais ou menos coisas, Junho chegou e com ele os exames. Eu era rígido comigo, sempre depois da novela brasileira que dava depois do telejornal, eu ia estudar. Mas a novela era imperdível. Jantava na Cantina de Engenharia que estava sempre com ar de quem estava em obras, bebia café no Cristal e depois sentava-me na sala do lar a ver o Telejornal que começava às 20 horas em ponto e a seguir era hora sagrada. Gabriela, Cravo e Canela e Senhorzinho Malta era imperdível. Na minha terra não havia televisão e eu estava apaixonado por aquilo. Depois sentava-me e estudava sem hora marcada. Ritual cumprido à letra mesmo nos dias de festa. Excepto a cantina que feriados e Domingos não havia. Estudante faz jejum ou inventa.

E por falar em festa cometi a proeza de recusar sair do lar no primeiro S. João que lá passei. Leonor e companhia usaram e abusaram de argumentos, mas eu não estava virado para festas que não tinham um significado para mim. A verdade que o barulho era tanto que mesmo tendo ficado em casa desconsegui dormir. Todos invadiram o lar perto das 6 da manhã. Alguns com um pouco de bebida a mais no corpo, mas com o quarto grande e o soalho a servir de colchão, ninguém reclamou. Não se nega um poiso a ninguém. Apesar de ser manhã, dormiram a noite toda pois o mais cedo a acordar deve tê-lo feito às 2 da tarde. Eles estavam felizes e contentes e eu com a birra amarrada dentro de mim por não ter ido na folia.


Sanzalando

Programa 72 - K'arranca às Quartas


Programa de Rádio com palavras, livros e música  - 18 de Junho, tal e qual como se fez em directo para ouvir indirectamente aqui ou em qualquer outro lugar, aos cortes ou de seguida. A opção é sua.
Ouça com atenção e pense ( o som ainda não recuperou do apagão de 28 de Abril pelo que peço desculpa)
Ler só faz mal à ignorância e ouvir o K'arranca as Quartas sempre se aprende qualquer coisinha porque é um programa para ouvir com o pensamento



Hoje tivemos a Crónica, falámos de Ana Barradas, escritora moçambicana e o seu livro Ministros da Noite  tivemos Esta Música tem uma história, com Tom Jobim e Dirim - colaboração de José Leite; não faltaram os Tesourinhos Musicais com o Conjunto Jáfumega tivemos a música da lusofonia imprescindível nas tardes de Quarta-feira bem como o poema Cântico Negro de José Régio por Pedro Lamares e também entrevistámos Goçalo Castel-Branco, o organizador dos Chefs On Fire em Vilamora

 

Tudo imperdível, menos a qualidade do som.
Mesmo assim vale a pena

Não perca e ouça a boa música que tenho para lhe dar

Sanzalando

Cheguei ao Porto parte 8... não faço ideia de quantas

No Reino das Águias Carecas, vulgo lar da Álvares Cabral, quase todos eram oriundos de paragens distantes, três do norte de Portugal, dois da Madeira e o resto, bem, esses eram o mundo à parte, tinham vindo de Angola e tinham trazido essa característica na maneira de ser e estar. Eu estava como peixe na água. Primeiro clandestino e depois com o Serviço Social definido em bolsa e alojamento, ali estava de maneira legal. Mas de clandestinidade estava o reino cheio. Era por um ou dois dias, era a semana ou outros ‘desprotegidos’ como eu, iam ali buscar conforto e amizade. Ninguém tinha falta de amizade e apoio. Havia sempre um ombro, um amigo, uma conversa, uma companhia na hora.

Certo certo é que nunca mais voltei à Areosa, na morada da prima cujo grau desconheço ainda hoje e também deixei de parar na pastelaria onde me habituara a tomar o matabicho e onde aprendi a dizer CIMBALINO. Esta não só porque não me apetecia sair do autocarro, mas porque o lar tinha pequeno almoço. Passei a privilegiado. O curioso é que o dia com maior frequência de pequeno-almoço era o sábado logo às 8 da manhã… Se calhar em vez de chamar pequeno almoço eu diria que era a refeição antes de deitar.

Até o curso começou a parecer fácil. Mantive os dois grupos e fui-me acrescentado ao do lar, onde prontificavam quase todos os cursos da Universidade do Porto. Além da lerpada das sextas havia muito mais mundo para lá da secretária. Havia sempre motivo para comemorar, desde que isso não implicasse gastar dinheiro, que não havia. Pois todos tínhamos mais mês que dinheiro.

Aos Domingos, que não havia cantina, havia alguém pronto para salvar com um cozinhado. Solidariedade não tem preço e no lar garanto-vos que nunca faltou. Mais um bocado de arroz e o frango dava para dúzia

No final do semestre, ali para os lados de Maio, sentei-me à beira do Douro, tendo ao meu lado a minha amiga Leonor, com um caderno, de capa vermelha, no colo, escrevi:
"Cheguei ao Porto e não conhecia nada nem ninguém. Agora, conheço a cidade pelo nome dela, pelos cheiros e pela beleza das casas e vilas."



Sanzalando

17 de junho de 2025

Cheguei ao Porto parte 7 ... de não faço ideia quantas

Na faculdade ia gerindo o meu tempo entre ambos grupos. Aos poucos foram-me fazendo perguntas, convidar para sair à noite e começaram a reparar que eu escondia qualquer coisa. Mas o mais importante é que notavam a instalação de um de ar de ser infeliz quando se aproximava a minha hora de Cinderela. Depois de um rigoroso inquérito, ao que não resisti nem um só segundo, os desamparados e madeirenses resolveram ajudar-me a arranjar casa que não me acorrentasse.

Fala-se aqui, conversa-se ali, era o Lima, era o PêPê, era o Beça, João Prata,  todos mais velhos da Medicina e mais uns quantos que se foram solidarizando, quer de engenharia quer de economia, e em dois dias eu tinha uma casa que me acolhia no centro da cidade. Só precisava de bater à porta depois das 17 horas com malas e bagagem. Eu aguardava resolução do Serviço Social pelo que me aconselharam a estar calado e não divulgar o meu novo poiso. E assim renasci mais uma vez e no Reino das Águias Carecas, que me recebeu com pompa e sem circunstância, mas com muito carinho.

Nasceu uma nova personagem. O taciturno vespertino da Areosa deu lugar ao alegre morador na Rua Álvares Cabral. 


Sanzalando

16 de junho de 2025

Cheguei ao Porto ... 6 de não sei quantos

Também pela tristeza que sentia por ter deixado para trás tanta coisa que eu tinha gostado de paixão, estava difícil viver ali. A vontade de ser gente só existia das 6 às 17, depois entrava a escuridão e a solidão.  No silêncio do quarto nascia a vontade de voltar atrás e deixar aquele mundo, apagar aquele sonho. As primas de grau que eu desconheço, cada vez mais de cerco apertado, impediam que tomasse o meu banho diário. Hábito nascido, penso eu, no dia em que nasci. Mas no dia seguinte, quando entrava na pastelaria da Areosa eu adormecia essa tristeza e renascia ao ponto de esquecer a solidão que me cobria naquele silêncio chamado casa das primas cujo grau desconheço.

Num assim lembrado de repente, no primeiro fim de semana que lá passei, ambas me pediram para ir à pastelaria comprar uma regueifa, que seria para o almoço. Claro está que, chegado à pastelaria, nunca mais me lembrei de tal palavra que só tinha ouvido uma vez e fora logo ali naquele instante. Como sabia que o que queriam era pão, eu levei aquele que mais se parecia com o pão que sempre houve na minha casa e era comprado na Padaria em frente à papelaria Couto. Mas mal cheguei a casa, desembrulharam o cartucho e quando viram que eu trazia pão que era pão, falaram tanto e tão mal, num português vernáculo, que mais tarde vi era linguagem corrente e vulgar, agarrei em mim, voltei à pastelaria e contado o que eu se tinha passado me vendaram a tal regueifa, guardei o pão no meu quarto e recusei almoçar. As primas cujo grau desconheço tinham atingido o meu patamar de bruxas de cujos filmes me ia lembrando ao ver o velho casario.


Sanzalando

14 de junho de 2025

Chegeui ao Porto ... 5 de não sei quantos

- És novo aqui? - perguntou-me sem cerimónia.

- Sou. Cheguei faz mais de uma semana,  mas ainda estou aprender a pedir café sem errar.

Ela riu. Ensinou-me que no Porto, pedir um “cimbalino” era coisa séria. Já na Madeira era mais habitual pedir-se uma Chinesa, que era assim como uma meia de leite, que é o mesmo que café com leite como se bebia na minha casa ao lanche. E que o melhor café vinha acompanhado de conversa. E de conversa em conversa eu já tinha dois grupos. Nalgumas conversas deste segundo e novo grupo tinha altura que eu tinha de perguntar por legendas, pois a pronuncia não me deixava adivinhar o contexto da frase.

Éramos da mesma turma e começamos a estudar juntos. Depois a passear. Depois também simplesmente a caminhar pela cidade como se a cidade também fizesse parte dos conhecimentos universitários. Aos poucos, fui conhecendo o Porto pelo cheiro do rio, do mar gelado da Foz e pelas conversas perto da ponte D. Luiz I ou nos jardins do Palácio de Cristal. Era uma amizade firme que nascia sem outras intensões ou quereres.

Não demorou para que Leonor fosse mais familiar que qualquer rua, e que a cidade deixasse de me parecer estrangeira, fria e distante. Mas a hora do recolher a casa estava a impedir-me de conhecer outro Porto. Eu não conhecia o Porto ao pôr-do-sol e eu tinha saudade do meu pôr-do-sol.


Sanzalando

12 de junho de 2025

cheguei ao Porto - 4 de não sei quantas

Da Areosa ao Hospital eu apanhava um autocarro daqueles de primeiro andar e logo às 6:30 da manhã, depois do pequeno-almoço tomado na pastelaria da esquina da Areosa, que se estava a tornar vício ou necessidade. Todos os dias a mesma água cafeinada porque eu não sabia pedir um Cimbalino, coisa que aprendi uma semana depois, farto de beber o tal de café de saco. Aprendi no dia em que cheio de coragem eu disse hoje quero um café como aquele senhor ali. O empregado soletrou e então eu compreendi a pronuncia do norte a dizer Cim Bá Li No. Tanta silaba para um café. Um biju e um cimbalino por favor, era o pedido diária na madrugada desta minha vida.

Mas a vida em casa não estava a ser fácil. Porque demorava um pouco mais na casa de banho, porque ontem a luz ficou acesa até tarde. Porque… na verdade, carregando cadernos e incertezas, tentando entender como se vivia numa cidade que parecia perdida na sua própria memória, incompreendendo a vida daquelas duas mulheres não estava a ser fácil aguentar a monumentalidade do curso, o frio, a solidão temporal e espacial que estava a cumprir por obrigação.

Foi num daqueles dias, ao entrar numa das salas frias da Faculdade, que a conheci. Leonor. Cabelos caracolados como ondas de mar revolto, sotaque que nem era do norte nem de nenhum sul que eu conhecesse. Era do grupo da Madeira. Um grupo de gente rara, tal qual o grupo que eu havia iniciado. Mas aquele era um grupo coeso e um pouco fechado, contrariando o meu grupo de solitários perdidos e desachados, que aos poucos se iam achando e a reduzir-nos…


Sanzalando

Programa 71 - K'arranca às Quartas


Programa de Rádio com palavras, livros e música  - 11 de Junho, tal e qual como se fez em directo para ouvir indirectamente aqui ou em qualquer outro lugar, aos cortes ou de seguida. A opção é sua.
Ouça com atenção e pense ( o som ainda não recuperou do apagão de 28 de Abril pelo que peço desculpa)
Ler só faz mal à ignorância e ouvir o K'arranca as Quartas sempre se aprende qualquer coisinha porque é um programa para ouvir com o pensamento



Hoje tivemos a Crónica, falámos de Luis Carlos Petraquim, poeta moçambicano  tivemos Esta Música tem uma história, com Ivan Lins e Rio de Maio - colaboração de José Leite; não faltaram os Tesourinhos Musicais com o Conjunto Mini Pop, tivemos a música da lusofonia imprescindível nas tardes de Quarta-feira bem como Rir é um bom remédio com o humor de - Humor -  Rolando Boldrin - Procissão e tivemos o poema de - Poeta Dos Mortos - Morro Do Salalé, vindo directamente do Forte de Santa Rita, bairro de Moçâmedes para a antena doa Rádio Portimão

 

Tudo imperdível, menos a qualidade do som e  sem os últimos minutos da emissão minutos da emissão.
Mesmo assim vale a pena

Não perca e ouça a boa música que tenho para lhe dar

Sanzalando

A Solidão Curvada no ecran do telemóvel

Há dias que deslizo o dedo pela tela como quem procura uma porta de saída.
Mas tudo o que encontro são janelas fechadas com cortinas bonitas — vidas alheias filtradas em sorrisos, conquistas e manhãs perfeitas com café na cama.

Enquanto isso, aqui, deste lado do ecran, a cama está por fazer, o café já arrefeceu, e o silêncio pesa mais do que o barulho do mundo.

As redes sociais prometeram-nos ligação.
Prometeram-nos pontes, abraços digitais, likes como forma de amor moderno.
Mas, às vezes, tudo o que entregam é uma solidão mais nítida, mais aguda — como uma vitrine onde estamos dentro, olhando para fora, esperando que alguém veja de verdade.

Vejo amigos rindo. Lugares distantes. Relacionamentos que florescem.
E começo a duvidar da minha própria alegria, como se a vida só tivesse valor se for compartilhada em formato 9:16, com legenda espirituosa e música de fundo.

Mas a verdade é que ninguém posta a insónia.
Ninguém partilha a lágrima que caiu no meio duma tarde de sol.
Ninguém marca um “amigo” quando sente que está a desaparecer, mesmo rodeado de pessoas.

A tristeza nas redes é uma tristeza muda.
É um grito silencioso entre postes.
É o peso de estar sempre "ligado" e, paradoxalmente, sentir-se cada vez mais distante.

Hoje decido fazer diferente.
Fecho a aplicação. Abro a janela. Respiro.
Procuro-me fora do ecran, nas coisas que não precisam de validação.
No som do vento. No toque de um livro. Na honestidade de um encontro sem filtros.

Porque às vezes, para nos encontrarmos, temos primeiro que nos perder...das redes a que chamam sociais

Sanzalando

Cheguei ao Porto ... parte 3 de não sei quantas

A universidade ficava afastada do centro da cidade. Literal e metaforicamente. Eu desconhecia transportes públicos e pouco me orientava no norte e sul das ruas oblíquas que contradiziam a minha cidade de papel quadriculado. As casas cinzentas ou de musgo, como eu dizia, traziam à memória filmes antigos, as quintas que via lembravam-me história de vinhos que eu ouvira contar mas que nem imaginava podiam ser reais. Eu vinha de uma realidade arenosa, de uma cidade pequena. Estava a entrar num mundo novo que me era totalmente estranho ao ponto de me perguntar se era a realidade real que eu estava a ver, ou uma realidade que eu fantasiava na minha cabeça para passar o tempo.

Dois dias depois as aulas iam começar. Num dia conheci a pé toda a Areosa. Debaixo do viaduto se apanhava o autocarro, antes lhe chamava machimbombo, quer para o Hospital, quer para o centro da cidade. Aventurei-me e fui até à Avenida dos Aliados. Sem perder o ponto de chegada fui olhando à volta. Era como nos filmes e muito diferente de Lisboa. Na entrada de um café uma estátua de bronze: uma águia. Uau. Lembrei-me que um certo tio que tinha casado com uma tia me tinha dito que o pai dele um dia tinha feito a estatua para um café no Porto. Olhei parecia estava á frente da obra mais prima. Dei uns tantos passos, sempre a marcar pontos de referência, dei conta do mercado do Bolhão, mas não entrei, não queria que a prima de grau não sei quantos soubesse que eu estava ali, naquele lado da cidade. Vi a Câmara e desci para onde tinha saído do autocarro que antes era machimbombo. Gostei da cidade, mas não gostava do frio que sentia. Voltei à Areosa e por lá me mantive até porta aberta para entrar.


Sanzalando

10 de junho de 2025

Cheguei ao Porto ... parte 2 de não sei quantas

No dia seguinte, tal como ditado na véspera, às 6 sai de casa. Elas me disseram o lado para onde eu podia apanhar o autocarro para o Hospital de S. João, local onde ia estudar e tinha documentação a tratar. Para lá fui. Matabicho não tinha tomado pelo que entrei num café grande e concorrido mesmo na esquina, na Areosa, perto da paragem do dito autocarro que antes era macimbombo. Pedi um café e uma sandes. Veio assim uma chávena grande com uma água cor de café e um pão com queijo sem manteiga. Mas a fome era tanta que nem olhei para lado nenhum, comi e bebi aquela água deslavada com certo aroma a café.

Fiz horas para ir para o Hospital de S. João. Melhor dizendo, passeei na frontaria do Hospital das 7 até às 9 horas para tratar do que tinha que ser tratado. Às 10 estava despachado e sem saber o que fazer até às 17, hora a que podia entrar em casa, pois a prima do grau não sei quantos disse logo que não me dava chave da casa. 

A minha vida estava encarreirada na vagabundagem das 6 às 17. É aqui que vou virar monge, obediente e triste, pensei. Mantive-me no S. João, conheci o bar, a sala de alunos, a associação de estudantes e aos poucos fui vendo mais uns perdidos de gente, tal como eu. Dado a poucas falas pouco falei. Uma pergunta aqui, uma ali, até que vejo alguém conhecido. Um velho colega de liceu, daqueles que a gente perde e nem dá porquê, também estava a chegar. Ia fazer o mesmo que eu. Fixe. Já tenho alguém conhecido. Aos poucos fui criando uma multidão de tristes figuras perdidas à minha volta. Numa manhã já havia um grupo. Não erámos uniformes no ponto de partida, mas no de chegada. Os solitários eram agora para aí uma dúzia. Fomo-nos fazendo companhia e até dávamos e recebíamos conselhos. Aos poucos dispersámo-nos. Uns satisfeitos, outros a queixarem-se das casas que não havia ou do preço e eu calado porque tinha caído ali de paraquedas através de uma carta e não sabia mais nada daquela vivência. 


Sanzalando

9 de junho de 2025

Cheguei à cidade do Porto e não conhecia nada nem ninguém.

Cheguei à cidade do Porto e não conhecia nada nem ninguém. Ela ali que eu ia estudar. Por carta escrita tinha arranjado um quarto em casa de um familiar que não conhecia, nem ao até precisar sabia da sua existência. Me contaram uma história que era senhora entrada na idade e que vendia flores no Bolhão. Me deram a morada e ficava ali mesmo encostada à Areosa. Não sabia mais nada do Porto. Certa manhã cheguei à estação da Campanhã. Ali perguntei como podia ir para o centro da cidade pois eu não fazia a mínima ideia onde estava. Me indicaram e apanhei outro comboio.  Cheguei à estação de S. Bento. A estação de São Bento parecia uma pintura viva, e o frio cortante de janeiro fazia os bolsos vazios parecerem abrigo para mais que apenas mãos. Só que não cabia lá a mala. Eu tirintava de frio. Fora as ruas de paralelepípedo, as casas da frente com fachadas azulejadas e roupas penduradas nas janelas, me faziam sentir parte de algo antigo, embora eu fosse só mais um recém-chegado perdido com uma mochila nas costas e sem nenhum mapa na mão. Um simples bilhete com uma morada. Nada mais tinha, excepto a certeza que estava no Porto. Dos poucos trocos que tinha no bolso dariam de certeza para um taxi. Meti-me num e lá fui quase até à Areosa. O Porto era maior do que eu imaginava. A morada estava certa na certeza que ninguém estava em casa. Sentei-me no passeio ao lado da mala e da mochila. Não tinha referência mais nenhuma para ir e o raio da mala e da mochila eram incomodas para andar a passear. A disposição também não era nenhuma. Fazia frio e estava um dia cinzento. Não estava dia como eu estava habituado a ter os meus dias.

Passou a hora de almoço e continuava a casa sem ninguém para me abrir a porta. E eu sentado no passeio. Irrequieto, impaciente e com medo de ter de passar uma noite ali sentado a pensar no que fazer da vida. Mas sem orações nem pedidos celestiais cerca das 5 da tarde eu já tinha companhia. A prima do grau não sei quantos tinha chegado com a sogra da venda no Bolhão. 

Apresentações e muitas recomendações. Às 6 da manhã todos saem de casa. Às 19 todos estavam deitados. Nada de amigos cá em casa, nem barulhos de música. Começava bem a minha vida no Porto. Eu, ser livre, estava a aprisionar-me de forma voluntária?! Apetecia agarrar a mala, pôr a mochila às costas e regressar ao ponto de partida, tal como nos jogos de tabuleiro. Mas a minha intenção de ser o que queria ser falou mais alto e disse-me para aguentar, pois um dia o sol ia abrir.



Sanzalando

6 de junho de 2025

um dia pedi namoro e ela disse que não

Era uma tarde primaveril, morna, o céu parecia preguiçoso, estava num assim meio azul, meio cinzento, como quem também hesitava. Ele estava nervoso e eu também. Não por medo, mas porque certos sentimentos, quando são ditos, perdem a armadura e ficam nus, frágeis, ansiosos. Estávamos numa esplanada, eu, ela e os pais dela para além duma amiga destes. Eu preparava-me para ir para o Porto estudar. Eu não queria ir mas tinha de ser. Disseram que era lá ou não havia mais estudo para ninguém. Eu queria estudar, mas não a queria deixar. Ela estava como sempre: tranquila, com os livros contra o peito e o cabelo solto, liso e comprido. Eu reparava nessas coisas. Era nelas que o meu coração encontrava morada, paz e encanto. Era preciso ir a casa, dela, buscar algo que os pais pediram. Prontifiquei-me, como sempre fazia. Ela disse:

- Vou contigo.

Sorri e pensei que os deuses estavam do meu lado. Finalmente os deuses me ouviram. Ela abriu a passada e eu abri o coração depois de ter recebido um incentivo da amiga dos pais, que foi um simples piscar de olhos.

- Queria te dizer uma coisa - comecei, com a voz meio presa na garganta. - Acho que já sabes, mas… eu gosto de ti. Queria saber se queres namorar comigo. Não recordo as palavras, lembro-me dos gaguejar, do transpirar e de perder o olhar para nenhures.

Ela não riu, nem corou. Olhou-me, pôs cara de quem mede as palavras com cuidado.

- Tu és especial. Gosto mesmo de ti. Mas neste momento… eu quero estudar. Quero focar-me. Não quero fazer as coisas pela metade. Nem contigo, nem comigo. Quando acabarmos o curso falamos...

Fiquei calado. O "não" era suave, mas ainda assim era um "não". Era uma negação que fazia eco na minha cabeça que parecia não queria parar. Perdi o passo, fui ficando para trás como que a tentar recuperar dum virtual soco cerebral. 

- Desculpa-me… - disse ela, como quem não queria magoar -  só estou a ser honesta.

- Tá tudo bem - respondi, com um meio sorriso que tentava esconder a pontada no peito, uma dor de quase morte. - Eu entendo-te. - não sei se ela ouviu porque a minha voz tinha sumido, não estava nem ali

Ela foi a casa buscar o que tinha ido buscar e voltou. Eu olhei-lhe nos olhos e não encontrei nenhuma palavra que pudesse aliviar o peso do ar daquele espaço de rua que ocupávamos. Eu tinha um peso dentro de mim que apetecia esvaziar em forma de lágrima. Me aguentei e regressámos para a esplanada num silêncio fúnebre.

No fundo, eu sabia que havia coragem também no "não". Que dizer "quero estudar" era outra forma de dizer "quero crescer antes de te prometer algo". E respeitei isso, ainda que o coração protestasse em silêncio.

A amiga dos pais me olhava como se estivesse em pulgas para saber o que acontecera. Pela minha cara, pelo meu abanar de cabeça me disse:

- Dá-me um beijo -  e quando me dobrei para o receber ao ouvido acrescentou - ela vai-te perder e não faz ideia do que perde.

Para mim a esplanada emudeceu, o céu cinzentou mais e fiquei, com a certeza de que, às vezes, o amor não nasce no tempo que a gente quer. Mas talvez isso também faça parte da beleza de gostar de alguém.




Sanzalando

5 de junho de 2025

praia e gaivotas

Na curva tranquila da minha praia, no desenho perfeito da minha baía, onde o vento sussurra segredos antigos e o mar se espraia a areia como se fosse  uma língua de espuma. As gaivotas chegaram cedo. Antes mesmo do sol nascer por completo, elas pousaram na areia ainda fria, como se fossem guardiãs do silêncio e do espaço.

Elas não têm pressa. Caminham com passos firmes e desconcertantemente humanos, bicando conchas, farejando restos de mariscos deixados pela maré cheia. Há uma solenidade no modo como se movem, como se cada pegada fosse um verso escrito num poema que a água apagará em breve ou as toalhas esconderão as suas marcas.

Uma criança aparece, trás um balde e não sei quanto de esperança. Ao vê-la, algumas gaivotas levantam voo, mas outras permanecem, como se entendessem que nem toda aproximação é ameaça. Elas a observam com os olhos de quem já viu muitas infâncias virem e irem como as ondas. Ou simplesmente elas não têm pressa de deixar o seu espaço para os invasores que começam a chegar.

Ao meio-dia, o calor faz a areia cantar sob os pés, nuns uis e ais de quem caminha aos saltinhos. As gaivotas voam em sombras improvisadas ou ficam paradas com um olho aberto e o outro no mar, sempre. Elas sabem dos peixes, dos ventos e das mudanças que só os que vivem entre céu e mar percebem. Elas, as mais velhas sabem quem chega e quem vai, quem mergulha e quem volta. Elas são as vigilantes silenciosas desta areia onde as toalhas lhes cortam espaço.

Quando o sol se despede, tingindo tudo com ouro velho, as gaivotas levantam voo mais uma vez. Em bando, cortam o céu como setas brancas, indo dormir onde só elas sabem. Na areia, ficam os vestígios de sua breve estadia: pegadas, penas, e um silêncio novo.

E eu fico, de olhos no horizonte, grato por dividir a praia com elas, mesmo que por instantes. As gaivotas levam consigo um pouco do mistério do mar — e deixam em troca uma paz que só quem observa em silêncio consegue sentir.


Sanzalando

Programa 70 - K'arranca às Quartas


Programa de Rádio com palavras, livros e música  - 04 de Junho, tal e qual como se fez em directo para ouvir indirectamente aqui ou em qualquer outro lugar, aos cortes ou de seguida. A opção é sua.
Ouça com atenção e pense ( o som ainda não recuperou do apagão de 28 de Abril pelo que peço desculpa)
Ler só faz mal à ignorância e ouvir o K'arranca as Quartas sempre se aprende qualquer coisinha porque é um programa para ouvir com o pensamento



Hoje tivemos a Crónica, Livros POP UP num belíssimo trabalho de Anabela Quelhas, ouvimos um poema de Eugénio de Andrade na voz de Mário Viegas,  tivemos Esta Música tem uma história, com Rui Veloso e carlos Tê - Não me Mintas - colaboração de José Leite; ouvimos Jamina Ann com Mensagens Intuitivas, não faltaram os Tesourinhos Musicais com Maria de Fátima Bravo, tivemos a música da lusofonia imprescindível nas tardes de Quarta-feira bem como Rir é um bom remédio com o humor de - Ariano Suassuna

 

Tudo imperdível, menos a qualidade do som e  sem os últimos minutos da emissão minutos da emissão.
Mesmo assim vale a pena

Não perca e ouça a boa música que tenho para lhe dar

Sanzalando

O Silêncio Entre Nós tem 50 anos

Todas as manhãs, ela passava por mim com o mesmo sorriso que eu, para mostrar que sabia algumas coisas, dizia era parecido à Monalisa, leve, despreocupado, como se o mundo fosse um lugar gentil. E talvez fosse, para ela. Para mim, era o espaço entre o que eu sentia e o que nunca tive coragem de lhe dizer.

Ela sentava sempre na terceira fila, primeira carteira, mexia no cabelo quando estava nervosa e fazia rabiscos nas bordas do caderno, parecia assim uns zigue-zagues, enquanto o professor falava. Eu sabia disso tudo porque observava. Sempre de longe, sempre em silêncio.

A gente conversava às vezes. Coisas pequenas. Fizeste os trabalhos de casa? ou "Essa matéria é muito chata, não é?". Eu respondia sorrindo, tentando esconder um coração que batia mais rápido do que deveria. Ela era aluna de topo e eu era tipo de gostar dela. Isso me fez gostar de matérias que até aí eu ainda não sabia o que fazer com elas.

Tinha medo de estragar tudo. Medo de perder o pouco que tinha: a troca de olhares, os acenos tímidos, o "bom dia" que parecia só dela. Eu gostava dela. Muito. Mas ela não sabia.

No último dia de aulas, levei um papel dobrado no bolso. Nele, um bilhete simples escrito com a letra mais bonita que eu tinha:

"Se um dia te perguntares se alguém já te amou em silêncio, a resposta é sim."

Mas não entreguei. Ela saiu da sala rindo, sem olhar pra trás. E eu fiquei ali, com o bilhete amassado na mão, e um silêncio ainda maior entre nós. Um silêncio que vai além do muito tempo que tem meio século


Sanzalando

3 de junho de 2025

Meus retalhos 37

Durante anos, fui conhecido como mau feitio e pouco sensível. Nenhum tremor, nenhum erro. Os olhavam-me como se eu fosse um ser perfeito. E eu aceitava, agradecido.

Naquela manhã, porém, algo estava diferente.

Era uma cirurgia simples — uma operação vulgar que fiz centenas de vezes. A equipe era a mesma, porque quase sempre éramos os mesmos, a luz do campo cirúrgico a mesma, o protocolo idêntico. Mas quando olhei o nome do doente o meu peito apertou, o coração acelerou. 

Rafael. Sete anos. Cabelos castanhos num quase louro e revoltos. 

Não o conhecia de outro qualquer lugar. Havia-o conhecido duas horas atrás na Urgência pediátrica. Mas não fiquei bem e não era nem cansaço nem dúvida diagnóstica. O coração continuava acelerado, eu transpirava mas a causa era-me desconhecida. 

Agora, ali estava ele anestesiado, na marquesa, respirar com ajuda de máquinas, o coração batia e eu via o monitor e os pais lá fora confiando em mim. 

A máscara escondia meu rosto, mas não o meu medo ou lá o que era o que eu sentia. Minhas mãos, treinadas para cortar com precisão, hesitavam. O bisturi parecia pesar toneladas. Não posso desistir agora, diziam-me em silêncio sepulcral. Quem me ia ajudar era um jovem inexperiente. Os enfermeiros eram habituais e não piavam e se calhar nem me olhavam.

- Doutor, começamos? — perguntou a enfermeira instrumentista, sem notar o leve tremor dos meus dedos enluvados.

Respirei fundo. Pensei em fugir.  Mas não podia. 

- Sim. Vamos começar. disse em tom forte que até me surpreendeu.

Naquele instante, compreendi algo que nos anos de medicina nunca me ensinaram: coragem não é ausência de medo — é enfrentá-lo.

A cirurgia durou pouco mais de quinze minutos.

Quando terminei, olhei para o monitor. O pequeno coração de Rafael batia com a mesma força que eu tinha visto.

Saí da sala, tirei a máscara, e pela primeira vez em anos, chorei.

Eu, cirurgião, também tinha medo. Mas não deixei que ele me vencesse, principalmente quando eu não sei a causa.


Sanzalando

De Moçâmedes a Portugal, estudar e atrás de um amor

A primeira vez que vi o mar de Lisboa, logo pensei que era bem diferente que o mar que tinha em casa.

Não era o mesmo azul denso de Moçâmedes, nem o cheiro salgado tinha a mesma força, mas havia ali uma espécie de reencontro — como se o Atlântico fosse uma ponte entre tudo o que eu foi e tudo o que ainda poderia ser.

Tinha 20 anos, uma mala cheia de livros e promessas feitas em público e em privado. Estudar era o plano, mas o quê, era a surpresa. Tornar-me alguém a certeza. Mas no fundo, entre cada linha dos meus objetivos, havia algo mais difuso: um coração em busca de conserto, ou talvez, de um novo  ritmo.

Para lá, naquele sul, havia nascido um amor que fora deixado para trás, num mal resolvido assunto de adolescente. Hoje apetece-me chamar-lhe Márcia, por que a frieza dela era assim a dar com uma marciana, aqueles fulaninhos verdes e aparentemente antipáticos e sabichões. Os dois nunca fomos namorados, mas também nunca fomos só amigos. Havia ali uma química inexplicável e nunca possível de ser falada entre ambos. Há muito ela havia rumado para Lisboa, numa rua qualquer que eu pensava encontrar como quem procurava em Moçâmedes.

Lisboa era fria em outubro, e o sotaque, apesar de familiar, soava estranho em certas bocas. às vezes até me parecia estrangeiro, e como em qualquer filme eu precisava de legendas. Os primeiros dias foram solitários, vazios, ansiosos. 
- Em Moçâmedes, isso não dava certo, aqui tem de dar. mentalizava-me como quem quer ter coragem mas faltava-me motivação. Tanto lhe procurei que logo a achei. Longe num logo ali. Feitas as contas ao tamanho dos meus conhecidos quarteirões da minha pequena cidade, eu devo ter andado uns 6 ou 10 quilómetros.

Bati à porta. Ela riu quando me viu. Deu-me um abraço e para lá de eu ter entrado na felicidade eu vi que ela também lá tinha chegado. Desabraçámos embaraçados. Cumprimentei os pais e os amigos que ali estavam..

Se não nos conhecêssemos antes eu diria foi um amor à primeira vista. Mas aos poucos, como quem monta um quebra-cabeça de outra cultura, outra história, as peças que se encaixavam iam ficando diferentes. Eu ia para o Porto mas mantinha a cabeça de Angola e o coração em Lisboa. Do sol forte e da areia que grudava nos pés no meu sul, encontrava-me agora num dilema que parecia um triangulo de lugares, de pessoas e irrequietação. Eu nunca ia entender o Fado, nem baladas de amor. Era mais um ser livre que amava no silêncio da solidão.

Com o tempo, percebi que não tinha vindo só para estudar, tinha vindo para me reconstruir. O amor que queria talvez nunca tivesse nome. Talvez não fosse Márcia. Talvez não fosse Lua, nem Terra e nem Mar.  Perdi-me no fogo das paixões, entrei em amuos e fui em contramão. 

De todos os planos feitos só um deu certo. Estudei e para surpresa de todos até que foi fácil. 

Paixão atrás de paixão fui crescendo, feliz com a certeza que fui fazendo feliz quem encontrei e Moçâmedes, continua lá, já não a minha cidade, já não a minha rua nem os meus desencontros porém é o início da minha estória, o capítulo primeiro duma paixão que não se apaga.

Sanzalando

2 de junho de 2025

Moçâmedes, a cidade que foi minha

Quando eu era criança, Moçâmedes era um lugar mágico. Entre o deserto e o mar, o tempo parecia passar mais devagar. Ou era mesmo só eu que tinha vagar para deixar passar o tempo? A cidade guardava aquele ar tranquilo, com suas ruas largas de asfalto quase derretido e casas antigas com janelas de madeira pintadas. Eu ia saber mais tarde que era uma cópia de um Algarve, que ainda existe, mas pouco. Lembro-me bem do cheiro da maresia misturado com o calor seco do deserto do Namibe. Pela manhã, o sol logo nascia forte e brilhante, refletindo nas águas do Atlântico, e eu corria descalço pela areia da praia das Miragens, acreditando que era o lugar mais bonito do mundo. Outras vezes o dia quase não nascia, impedido pelo cacimbo que não deixava ver nem a ponta do dedo quando esticava o braço. Eu tinha tempo para ver tudo isso.

A cidade era pequena, mas cheia de vida para mim. Tínhamos o mercado municipal, onde as vendedeiras chamavam a clientela com vozes cantadas, vendendo goiabas, peixe fresco e coisas verdes que eu ia saber que eram legumes frescos e saudáveis. Eu adorava ir com a minha mãe, só para ganhar uma fatia de melancia ou um docinho de ginguba que a gente chamava de nogado.

A estação do comboio era outro encanto. Parecia era um palácio sem muro à volta.  O comboio apitava  e a gente corria até nas linhas só para ver os vagões que passavam lentamente a caminho do porto marítimo onde as cancelas não me deixavam entrar mas permitiam pensamentos carregados de sonhos e histórias que me haviam de contar. 

Tinha também o Forte de São Fernando que a gente chamava só de Fortaleza, imponente lá no alto, com vista para a baía. Íamos até na porta nas tardes de domingo, para ver o mar, a marginal e olhar o Saco com fantasia na cabeça de um dia voar por sobre a água e olhar mais de perto. Nunca lhe passei a porta e sempre sonhei como poderia ser lá dentro. 

A minha infância em Moçâmedes foi feita de tardes quentes, gelados coloridos, e histórias contadas. Era um tempo simples, de alegria miúda, em que o mundo todo cabia naquela pequena cidade entre o mar e o deserto e eu tinha tempo.



Sanzalando

1 de junho de 2025

meus retalhos 36

A sala de operações estava mergulhada num silêncio clínico, cortado apenas pelo som ritmado dos monitores cardíacos e do arfar subtil da ventilação mecânica. Luvas, bisturis, máscaras — tudo em seu lugar. Eu, cirurgião experiente e concentrado, olhava a equipe com ar sisudo. Todos sabem o meu mau feitio que mais não é que a minha maneira séria de ser em trabalho. A Cirurgia decorria como previsto. Tal e qual se havia pensado.

Mas então, algo mudou.

Primeiro foi o leve mexer do braço do doente. Pequeno, quase imperceptível. Depois, um suspiro, não da máquina, mas dele. Do doente O anestesista franziu a testa e olhou para o monitor. Saturação estável, pressão normal... mas os olhos do paciente, até então cerrados, se entreabriram, opacos, como se vissem através do tecto.

- Doutor... — murmurou umaa enfermeira. — Ele está acordado?

O bisturi parou. Um segundo de hesitação pareceu durar um minuto inteiro. Olhei o anestesista como se eu fosse o lobo mau a ter um acesso de fúria.

O anestesista, em silêncio, correu para ajustar a dosagem duma droga qualquer. — Isto não devia estar a acontecer, vociferou num quase silêncio ao mesmo tempo que me olhava com chama de um dragão em resposta ao meu olhar.

E então, o paciente murmurou. Não um grito, não uma pergunta. Uma palavra só:

Ajuda... num tom quase silencioso

Mas no meio daquele silencio estupefacto palavra ecoou na sala como um trovão sussurrado. Por um instante, todos pararam e olharam-me. Os meus olhos ainda olhavam sobre o corpo aberto. O anestesista ajustou rapidamente a dose, murmurando palavras técnicas misturadas com muito menos técnicas. 

- Ele não devia ser capaz de falar se estivesse anestesiado — disse eu com a voz baixa, mas firme. 

- Já aumentei as doses. Vai apagar em segundos. respondeu-me o anestesista com voz mais esfoliante que arame farpado

Mas os olhos do paciente continuavam bem abertos. Não havia sinais de dor, nem de pânico — mas de algo que ninguém conseguiu nomear naquele instante. Ele virou ligeiramente a cabeça, como se tentasse encontrar o cirurgião que era eu.

Não é meu, o corpo... — sussurrou.

Se havia silêncio, mais silêncio de fez.

O monitor apitou — uma linha reta.

O anestesista gritou.

- Parou! Paragem cardíaca.

A equipe entrou em acção, mas eu, por uns instantes, fiquei imóvel, encarando o rosto sereno do paciente. Aquela última frase ecoava em minha mente como uma agulha arranhando um velho disco de vinil.

Era só um dos eletrodos que se tinha desligado pela pela suada. 

Continuei a operação até ao seu fim.

Amuado recusei falar com o anestesista. Típico cirurgião. Aguardei a ida do doente para o recobro. Mantive-me em silêncio enquanto escrevia a papelada correspondente. Os meus internos, a minha equipe permanecia em silêncio à minha volta. Uns faziam que escreviam, outros olhavam para os seus telemóveis. Ninguém ousava ausentar-se daquele espaço. 3 quartos de hora haviam passado e fui ao recobro ver o doente.

Encontrei-o sorrindo e bem acordado. 

- Como correu? perguntou-me ele

- Você deve saber melhor que eu. Viu tudo! disse-lhe tentando antecipar qualquer queixa.

- De facto sonhei que estava a ser operado, mas não sentia nada e nem sei quanto tempo lá estive, o anestesista deve ser mesmo bom. respondeu-me com os olhos de quem estava feliz por ter acabado aquele episódio

- Correu bem, tal e qual tínhamos falado. não me apetecia falar. Sentia ainda o lobo mau dentro de mim.

Virei-me para a equipa e despedi-me com um "até amanhã", a que me responderam com um obrigado que mais parecia de alivio que de agradecimento.


Sanzalando