recomeça o futuro sem esquecer o passado

Podcasts no Spotify

7 de janeiro de 2025

vagabundo-me herege

Vagabundo-me por ruas e vielas vazias de gente, porem carregadas de estória. Invento a cada passo uma estória referente àquela casa, aquele beiral, aquele quintal, aquele buraco. Dizendo de outra forma, eu dou vida à minha vagabundagem.  O silêncio que me envolve deixa-me a pensar que aquelas estórias que acabei de inventar são verdadeiras. Eu acredito nelas porque elas são a minha imaginação e a minha imaginação sou eu. Eu acredito em mim. 
No inverno do lado norte tem dias assim, vazios de gente e abarrotar de silêncios. Não há ruído de gerador, de farra, de copos e de corpos em movimento. Sou eu e a minha vagabundagem por estas ruas desertas de gente e carregadas de estória.
Paro numa casa em que está escrito que ali é a Igreja dos Pobres e Desavindos. A porta está fechada. Se eu sentisse frio ou estivesse desavindo comigo ficava na rua, pensei. E comecei logo a magicar que todos os deus são demasiado vaidosos e convencidos. Eles desejam o amor, a veneração, pedem sacrifícios, uns pedem música e dança, outros ladainhas infindáveis, uns o dízimo, outros fazem colecta. A vaidade dos deuses é coisa para ser explorada por mortais. 
Não tem deus nenhum que diga que não ouve as rezas? Que não responde aos pedidos?
Senti-me herege e segui caminho fora sem antes olhar  para dentro de mim, à porta duma Igreja fechada, pobre e desamparado sem nada para fazer ou falar.



Sanzalando

6 de janeiro de 2025

caminhos

Perdi-me sentado em pensamentos absurdos. Quantos caminhos percorri que não foram escolha minha? Fui por eles, alguns por sugestão, outros ao acaso e outros porque não tinha outro caminho para escolher. Nos primeiros aceitei e culpa minha não ter feito o juízo completo. Nos por acaso simplesmente porque não sou de estar parado e a aventura é um lugar comum. Corre bem é optimo, correu mal, melhorarei. nos caminhos únicos não foi bem a escolha, foi o percurso para lá chegar. Culpa minha, opção minha. Correu bem, optimo, correu mal, melhorarei.
Sentado tento justificar-me. Absurdo. Todos os caminhos são caminhos por isso se chamam caminhos. Uns são melhores que outros. Por isso há caminhos com portagem e são rápidos e há caminhos que demoram. Mas tudo é caminho. Essa vida que eu levo, é um caminho. Às vezes parece recto e outras vezes tão sinuoso que me deixa na dúvida se esse é o meu caminho. Mas sigo num seguir feito de peito aberto, recebendo os trocos, ventos e sóis. 
São os caminhos.

Sanzalando

5 de janeiro de 2025

acho eu

Acho que nossa busca incessante por conquistas se deve ao facto das constantes comparações a que nos submetemos, como se existisse um padrão de uma boa vida. Acreditamos que a nossa vida não é perfeita como a do outro, sofremos por alcançar méritos que não são para ser nossos e deixamos de viver intensamente os que o são.



Sanzalando

4 de janeiro de 2025

agradeço

Faz tempo não me vejo no espelho. Não é no espelho de pentear ou de ver a roupa caiu bem. É mesmo no espelho de ver por dentro. Como é que eu estou? Feliz? Sorridente? Choroso? Enfim, como me vai a vida. Falta de tempo não conta porque ele simplesmente voa na velocidade de um tempo que eu não tenho mais velocidade de lhe acompanhar. 
Saudades do tempo profissional? Saudades da adolescência?  Somente saudades?
Olhando bem no espelho de mim eu desconsigo responder claramente. A neblina embacia o pensamento. Tenho saudades de gente, tenho saudades de muita coisa. Não tenho saudades de trabalhar porque isso significava que alguém não estava bem. Vou dizer tudo isso mais como? Desconsigo ter saudades da adolescência porque eu sei esse tempo não volta e o que eu sou hoje devo nesse tempo. Vou ter saudades de hoje? Eu tenho saudades de futuro, esse mistério que é daqui a pouco ou mais logo num dia qualquer. Vou tirar esse espelho e me olhar só de fora. Estou bem. 
Obrigado a mim e a quem me acompanha nesta caminhada de escrever letras vagabundas, perdidas no tempo sem tempo marcado.

Sanzalando

3 de janeiro de 2025

será

Olhando-me há anos atrás em que escrevi com outros números que o mundo não se tornou magicamente colorido só porque o 4 passou a 5, nem o virar da página trará uma montanha de esperanças ou desventuras.
Na verdade, cada ano passado senti que foi o mais desafiante da minha vida. Isto quer dizer que este vai ser ainda mais que o anterior. Ano após ano e o desafio é maior. A maturidade sobe, a realidade é cada vez mais explosiva, assim como o frio de inverno é mais frio que o frio de verão. Cada lugar tem a sua hora, cada hora um espaço e um modo de ser. Cada ano é um desafio. 
Tenho o privilégio de sorrir quando é hora de o fazer, de me calar quando acho que o devo fazer, de dizer o que tenho que dizer, de sentir o que me apetece sentir. Respiro e abraço cada momento de esperança. Continuo a aprender que cada tempo é tempo de ter tempo. Não me afogo nas cinzas de um mar revolto nem me acobardo em manhãs de sol inventado. Faço as minhas conquistas na ausência de pensar como acordarei amanhã.
Estarei morto quando souber qual o melhor ano da minha vida.


Sanzalando

2 de janeiro de 2025

ano novo vida velha

Novo ano e muitas promessas depois eis-me aqui sentado de caneta feito teclado e escrita gatafunhada desenhada em caracteres de imprensa. Sussurrei promessas, outras as fiz em voz alta e bem audível. Umas fiz interiormente, outras em público. É este o carácter do ano novo. 
Prometo solenemente não esquecer o que me permitiste saber sobre ti. Contei-te os meus medos, falei-te das minhas estórias, as que sei de cor e na ponta da língua, bem como as que tenho de me socorrer dum ou outro apontamento porque me perdi na distância do tempo. Sei de ti e tu sabes de mim. Não competimos porque o saber não é corrida nem leituras secundárias de entrelinhas. Não sei prever os teus passos e as tuas palavras, mas sei o sentido com que as dizes e o caminho que traças. Sei que sabes onde vou e entender-me-ás se te disser que quero ficar num ali qualquer.
Entendemo-nos neste dialecto que é nosso, nesta língua de silêncios e meias palavras onde a gramática está repleta de regras apagadas. Sei apenas que cada palavra que sair da minha boca é uma palavra tua. E vice versa. 
Ano novo vida velha porque cada dia é dia 31 de dezembro do ano da graça que quisermos.

Sanzalando

29 de dezembro de 2024

questão de sorte ou acaso

É uma sorte ter-me sempre comigo. Gosto do meu sorriso e do calor dos meus abraços, poder recostar-me no peito do passado e ouvir-me recordar lembranças que a memória não apagou.
Sorte minha ou acaso meu, pouco me importa desde que eu tenha a sorte de me ter. Sorte ou acaso ter encontrado gente boa ao meu lado.
A morrerei quando a morte chegar e comigo desaparece a minha lembrança e se calhar ficará alguma memória num ou noutro ser passante até que a finitude da recordação surja.
Sorte a minha eu ter-me agora, amparando-me neste frio intenso que cobre o lado norte da vida. Sorte a minha ter gente boa ao meu lado.


Sanzalando

28 de dezembro de 2024

o tempo

Tem coisas que vou aprendendo ao longo da vida. O tempo não cura nada. Mas cada dia que passa, a dor física, mental ou lá qual seja, vai-se atenuando e um dia, sem característica, ela vira apenas lembrança. A gente sorri, faz contas e fica assim por alto o tempo passado.
Tem momentos que a gente chora de saudade, que não quer deixar o tempo fazer o seu caminho, que a gente lhe segura como se conseguisse uma travagem do real tempo, mas ele, impávido e sempre sem pressa, vai. O curioso é que a gente não chega a ver o fim do tempo. Ele se apaga simplesmente. 


Sanzalando

22 de dezembro de 2024

Inverno de natal

O inverno chegou. Era esperado. Todos os anos no mesmo dia, hora mais ou menos a hora dele chega. Cada dia tem um apeadeiros de clima porém estação só tem uma. E estamos em dia de inverno. Época dele e estamos a protestar mais o quê? Casaco sobre camisola forte e ainda camiseta e ele está num foi-se que até tem dó dele não entranhar nos ossos de cada dia. Se ele aqui neste norte chegou é sinal que o Natal vem atrás dele. Ai tem gente vai esquecer muita coisa e vai ser festa de arromba que qualquer caloria nem aguenta. Depois se entra na dieta para recuperar os dias perdidos a comer coisas que fazem alargar o corpo porém a alma está que nem a mesma ou ainda pior. É a dieta do milagre. Come-se tudo o que aparece e depois espera-se o milagre de não pesar na balança. Mas mais enches a pança e mais contrabalança a solidariedade para a solitariedade de cada um se esconder no seu canto faz de conta é um recanto de defesa.
Vou dizer boas festas e vou esquecer a dor aqui e a dor acolá, o frio aqui e o desamparo de lá. Vou fazer festa porque é Natal e não importa eu tenha espírito natalício ou apenas seja natalino mês de dezembro.
Vou esquecer aquele olhar feroz e vou por um riso de paisagem faz de conta está tudo bem. Vou comprar meias e mais umas quantas coisas que até seja considerado um gajo porreiro e vou sorrindo num mundo que chora.
É inverno e cinzenta-se o tempo que o dia é curto e ouvir o silêncio da noite não é para todos. Tem muitos que ouvem apenas o ruído da barriga parece é relógio de dar horas, que o choro é calado e as lágrimas secaram faz tempo.
É inverno no lado de cá. Faz verão no lado de lá. Vagamente.


Sanzalando

20 de dezembro de 2024

o velhinho Anglia

Caminho lento, passeio fora. Não vim fazer uma caminhada desportiva. Vim só andar. Passear. Se fosse há muitos anos atrás, ia na avenida e sob o caramanchão de buganvílias, passeava neste fim de tarde. Ou então ia para o picadeiro da minha cidade natal e aí os carros já sabiam que aquela rua a esta hora é para passear a pé e até tinham muito cuidado. Mas neste tempo de agora, nesta altura que eu passeio sob frio e ar de quem vai chover, tenho de ir no passeio pois os carros agora andam muito e os condutores não cuidam de ver por onde andam. Simplesmente andam com pressa de chegar mesmo que esse chegar seja a lugar nenhum em especial. Acho ninguém vê quando têm um volante na mão. Aqui no passeio eu sei vou seguro. 
Olho para os carros que passam. O carro da minha infância não vai passar. Certo e sabido por mim assinado e selado. Mas num repente parei, olhei em frente e pareceu-me ver um Anglia. Tal e qual. era da minha idade de ver carros e brincar com as matrículas. Deixei o olhar cair sob esse carro e segui-o. Não era um Anglia. Era um Toyata novinho que me fez a memória voltar para o velhinho Anglia da minha idade. A sua frente só pode ser cópia ou a minha imaginação queimou qualquer coisa.



Sanzalando

19 de dezembro de 2024

Tem gente

Tem gente que se ocupa em ser feliz para esconder a tristeza, tem gente que se acostumou em abraçar mentiras para não gastar as verdades.
Tem gente para tudo e tem gente para nada.
Tem gente que ri com gosto e tem gente que ri para esconder o desgosto.
Tem gente que só é gente porque a gente assim lhes chama
Tem gente que sente e ama e tem gente que se acama em silêncios interiores que quase parece morreram vivas.
Tem gente que é gente de verdade. Letra grande ou grande letra de ser gente
Tem gente.

Sanzalando

18 de dezembro de 2024

16 de dezembro de 2024

Ao meu pai que faria 99

Escrevo na memória com letra invisível para nunca mais esquecer a data em que os meus lábios te disseram adeus. Na verdade eu já nem sei quando foi isso. Se calhar ias para o trabalho, se calhar ias ao café ou ao cinema. Se calhar nunca te disse. 
Das coisas que eu sei, é que nasceste a 17 de Dezembro de 1925 e eras meu pai. Na memória a letra invisível tornou-se esquecimento e eu do que me lembro são assim relâmpagos de quatro anos. Recordo a tua NSU porque não tinhas carro e eu nem sei porquê. Lembro-me do teu clube de futebol, o que te tirava do sério. Não é o meu mas isso desimporta. Queria era lembrar-me do toque dos teus dedos, do teu respirar ao me dares beijos de mimo, da tua força a dares-me colo. Mas a tinta invisível se apagou no tempo da memória que não sei se tive. Perco-me em pensamentos de imaginação, nas brincadeiras que me deves ter ensinado a brincar, nas batidas descompensadas da tua musicalidade que, segundo a mãe, era nula, nas canções de embalar que não sei se as tive.
Pois é, meu pai, amanhã seriam 99 e para me recordar só tenho memória de que não me lembro. Assim,  meu pai, seguindo as vozes que me contaram vou permitir-me brincar como dizem tu brincavas, vou divertir-me como me falam que te divertias. A gravata levo-a no bolso, segundo me dizem, tu nunca leste nenhum decreto onde dizia que ela era para ser usada ao pescoço.

n 17-12-1925  
f 18-06.1961

Sanzalando

12 de dezembro de 2024

O pelourinho que era fonte e a foca que era lobo marinho

Na minha terra havia um pelourinho que transformaram em fonte luminosa. Acho foi ideia de algum iluminado, mas como não sou de intrigas nem vou entrar por aí. Mas eu já conheci aquilo, ou pelo menos só me lembro daquilo em fonte de água com uma foca que por acaso era um lobo marinho. Era lindo. 
Eu de calções, sandálias a ver a foca que era lobo marinho a brincar a vida dela naquele pedaço de água. Desconheço o autor de brilhante proeza. Eu divertia-me. A cidade divertia-se. 
Não. não é lenda nem anda perto disso. É um dos momentos que guardo na lembrança, não vá eu um dia perder a memória.
Quem pôs lá o pelourinho não sei se algum dia soube. Quem deu foral muito menos sei. Só me lembro mesmo que aquela fonte de água alegrou-me a vida com uma foca que era um lobo marinho.


Sanzalando

11 de dezembro de 2024

Manuel Teixeira Gomes Gente Singular


Sanzalando

Tesourinhos musicais 23 Os Joviais - K'arranca às Quartas


Sanzalando

Crónica 36 - K'arranca às Quartas


Sanzalando

Programa K'arranca às Quartas 47

Programa de Rádio com palavras, livros e música  - 11 de Dezembro de 2024.  tal e qual como se fez em directo, no dia em que a Cidade de Portimão fez 100 anos
Tivemos a Crónica sobre a cidade, falámos de Manuel Teixeira Gomes e do seu livro Gente Singular e tivemos também os tesourinhos musicais que foram Os Joviais 

  Não perca e ouça a boa música que tenho para lhe dar Sanzalando