
Sanzalando











José Luandino Vieira. Cidadão angolano pela sua participação no movimento de libertação nacional e contribuição no nascimento da República Popular de Angola. Infância, juventude e estudos primários e secundários em Luanda. Diversas profissões. Preso pela PIDE em 1959 (Processo dos 50). De novo preso (1961) e condenado a 14 anos de prisão e medidas de segurança. Transferido, em 1964, para o Campo de Concentração do Tarrafal, onde passou 8 anos, foi libertado em 1972, em regime de residência vigiada em Lisboa. Iniciou então a publicação da sua obra, na grande maioria escrita nas diversas prisões pode onde passou. Membro fundador da União dos Escritores Angolanos, exerceu a função de secretário-geral desde a sua fundação — 10-12-1975 — e em vários mandatos até 1992.







Como é que é, mermão? Pagas umas quantas ou tenho de ficar a dever? Bem sabes,para alguns/umas é um dejá vu, para outros é um conto de engantar uma imaginação cansada.
mermão, que estar a qui a falar contigo, levar-te até ao outro lado da linha
recta que é curva, tem os seus gastos, mesmo que te leve apenas no sonho e te
faça criar um bichinho assim como que solitária que te vai levando a pensar,
pensar e um dias quando quem não está à espera tu estás lá a fazer o equilíbrio
bem em cima da linha recta que é curva a cheirar o início do zulmarinho que aqui
apenas trás o perfume que começa lá. Sabes, avilo, que parece que nasci para
fazer sonhar. Eram elas que sonhavam por mim. Péra, não descompenses. Eu queria
dizer outra coisa. Eu passo o tempo a sonhar com elas. As loiras lindas e
geladerrimas.

É. Hoje que nem me apetece contar nenhuma estória. Hoje me apetece escrever uma carta à minha mãe. Eu sei que lhe dei dores de cabeça que até nem aspirina fazia efeito. Eu sei que lhe plantei uns cabelos brancos. Eu sei que lhe fiz correr lágrimas salgadas que se misturaram no zulmarinho. Eu sei que ficou muitas horas de sono a olhar no relógio. Eu sei tanta coisa que também sei que ela perdoou tudo e hoje me olha com um sorriso e ainda vai rezar no Deus dela por mim e coisas assim. Eu sei e porque é que sei? Porque lhe gosto muito. Mas não lhe vou escrever a carta. Vou-lhe dizer mesmo no ouvido dela.Te beijo mãe desde aqui do fim do zulmarinho.
