9 de maio de 2025

bicicleta versus primavera

Hoje manhã cedo de primavera decidi pegar na bicicleta que estava encostada na garagem. Encontrei-a coberta de poeira e muitas memórias. Ela olhou-me com aquele ar de “até que enfim”, ao que me apeteceu dizer-lhe que a culpa não era minha mas sim dos dias de chuva que a primavera nos tem presenteado por tanto termos chorado por falta de água. Mas achei-me não louco suficiente para falar com uma bicicleta. Calibrei os pneus, passei um pano no selim e parti, como quem foge de casa mas sabe exatamente para onde vai. Só me apetecia apanhar o ar fresco na cara, deixar pensamentos para trás e saborear a liberdade que ela me transmite

As ruas estavam mais coloridas. Não pelas paredes — que continuam com suas tintas desbotadas pelo tempo — mas pelas árvores, pelos sorrisos que se entrecruzam com o meu olhar, pelas cores da roupa de quem passeia. A primavera tem esse dom de deixar tudo com cara de começo, mesmo que seja meio do ano e se ontem choveu, amanhã também pode voltar a fazê-lo.

Pedalava sem rumo, como quem caminha por dentro. Acho mesmo que eu gosto da bicicleta para caminhar dentro de mim. O vento não era só brisa, também tinha vestígios de memória. Trazia o cheiro das flores e da infância, quando pedalar era a forma mais rápida de sentir liberdade. E ali estava eu, de novo criança por alguns quilómetros, com as mãos firmes e a alma solta, leve levitando por sonhos.

Cruzei-me com outros ciclistas, alguns apressados, outros devagar como eu. Nossos olhares se cruzaram por segundos, mas diziam: “sim, a gente sabe... tem algo diferente no ar.” Talvez fosse só o pólen, talvez fosse essa vontade coletiva de renascer.

Na primavera, tudo parece possível. Até acreditar que o mundo pode ser mais simples, como uma bicicleta a deslizar pela estrada, sem buzinas, sem pressa, com flores no caminho, com gente.


Sanzalando

Sem comentários:

Enviar um comentário