28 de julho de 2025

Fui na Aguada comer caranguejo

Quando o sol começou a baixar e o calor da estrada arrefeceu, segui na minha bicicleta sem travões tradicionais, pois travava com a sola do sapato, fui até na Aguada saborear um dos famosos caranguejos das hortas, esses seres discretos, de casca acobreada e passos ritmados, que saem das dunas e mangues não para com, mas para contar o tempo de serem apanhados.

Daquele ponto antigo, onde os navegantes, me disseram, iam os navegantes se abastecer de água e os pescadores ainda contam as marés como os velhos contam os dias, havia estórias que eu tinha ouvido nos meus ouvidos atentos, mas nunca tinha saboreado nas minhas papilas gustativas. Uma que eu me lembro ter ouvido era mais ou menos só assim, os caranguejos das hortas não eram animais comuns. Cada um carrega uma hora do dia nas costas. Se os seguires, saberás o que o tempo tem a dizer.

Nesse entardecer resolvi esperar. Sentei-me nas pedras junto à praia e fiquei quieto, como se fosse também uma parte da paisagem. O vento soprava-me histórias do mar, e o cheiro de sal e peixe seco invadia tudo. Foi quando viu o primeiro caranguejo.

Ele andava diferente dos outros: não fugia, não se escondia. Andava em círculos lentos, como se marcasse segundos na areia. Nas costas, eu jurava ver um símbolo, como o ponteiro de um relógio parado às cinco e vinte.

Logo vieram outros, em fila, com passos calculados. Um com a hora do meio-dia desenhada no casco, outro com a meia-noite ou era irmão gémeo daquele. Contei doze ao todo, um para cada hora viva do dia. Cada um movia-se com uma graça única: o das seis da manhã saltava ágil como quem desperta o mundo; o das três da tarde bocejava e arrastava as patas como quem sofre o calor do dia. O das duas da madrugada quase não se via, pois vinha coberto de sombras.

Fui seguindo os caranguejos até uma poça secreta entre rochas. Ali, eles se reuniam e trocavam brilhos pelos olhos. E foi ali que o tempo parou.

Por alguns minutos, ou talvez horas, tudo silenciou: o mar ficou imóvel, as gaivotas suspensas no céu, o vento calado. Olhei para as minhas próprias mãos e vi que nelas se desenhava a areia como um relógio de sol. Eu agora sabia: os caranguejos não marcavam o tempo. Eles guardavam os segredos das horas que a gente esquece de viver.

Quando voltei pra casa, já era noite, a bicicleta sem luzes, a mãe preocupada e eu com medo do tempo que esqueci viver. Pedalei com todas as forças que tinha e senti que tinha vivido todos os tempos de uma só vez. 

Na manhã seguinte, o meu tio, homem de sair à noite e ir na rebita, pouco contador das suas estórias mas culto nas estórias dos outros me olhou nos olhos e sorriu quando me perguntou:

“Então tu também viste os guardiões do tempo de Moçâmedes.”

Desde então, nunca mais me preocupei com o relógio. Aprendi a escutar o som das marés, a seguir os passos lentos dos caranguejos, e a viver cada hora como se fosse única. 

E nunca comi um caranguejo das hortas.



Sanzalando

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