Passeei no deserto. Sozinho. Fui de burra, bicicleta ou chica até no velho estaleiro do Guerra que fez a estrada deserto fora. Para mim era muito longe, enquanto hoje eu ia dizer que fui só até ali. Era já deserto dentro e agora é quase no meio da cidade. Outros olhos e novos pensares. O vento soprava em remoinhos suaves, levantando pequenos véus de areia que dançavam à minha frente como se tivessem vontade própria. O calor ondulava no horizonte que até parecia eram lagoas, e o céu, azul sem mácula, parecia indiferente à minha presença. E foi aí, no silêncio vasto e antigo, que comecei a pensar. Longe de casa, pernas cansadas, pensei devagar.
A primeira coisa que me veio à cabeça foi o tempo. No deserto, ele não tem pressa. As dunas mudam, sim, mas numa paciência milenar, não porque eu tivesse visto mas todos me diziam. Na cidade os segundos correm como cães soltos atrás dos burras que até faz dar pontapés no ar, aqui os segundos rastejam como serpentes, calmos, seguros de que não precisam chegar a lugar algum. Eles se gastam sem sair do tempo.
Pensei depois na solidão. No deserto, ela não pesa, ela abraça. Diferente da solidão das salas cheias de gente, esta é honesta, quase reconfortante. Aqui, não é preciso disfarçar quem se é. Ninguém está a olhar. Nem sequer o próprio deserto. Ele simplesmente existe, como uma verdade que não precisa de ser provada. Eu ali era mesmo eu. Magro, perna estreita a começar a ter pelos, cicatrizes nos joelhos, cabelo grande despenteadamente solto na brisa, sonhador de sonhos desamarrados. Era eru no mesmo intimo de gente.
E pensei ainda na procura. Todos procuramos algo, um sentido, uma resposta, um nome. Mas no deserto percebi que talvez a resposta seja justamente a procura. Talvez o vazio que tanto medo nos causa, seja afinal, o espaço onde tudo pode acontecer. Desencontrei resposta directa por muito que tenha procurado.
A areia escorria por entre os meus dedos como as certezas que eu já tive. Percebi que não saber também é um caminho. E que, às vezes, é preciso perder-me para me encontrar. Sabendo quem sou, o que queria e onde estava, olhei-me incerto e deixei-me assim estar até que um futuro me ia dizer que passado eu tive.
Quando o sol começou a descer, pintando o céu de fogo e sangue, sentei-me na burra, bicicleta ou chica e respirei fundo quando comecei a pedalar para casa.
Pelo caminho pensei que passeei no deserto a pensar. E talvez nunca tenha pensado tão bem.
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