Clara era a funcionária mais pontual da pequena papelaria da rua das Hortas. Todos achavam que seu maior talento era saber exatamente onde ficava cada caneta extraviada e cada bloco de notas desaparecido, cada resma de papel, cada livro escondido.
Mas Clara tinha um segredo: à noite, na solidão da sua pequena casa, ela pintava. Não paisagens, nem retratos, mas universos inteiros em telas pequenas, feitas com retalhos de madeira que o vizinho carpinteiro propositadamente lhe deixava à porta. Usava tinta barata e pincéis tortos, mas de suas mãos saíam galáxias, mares impossíveis e florestas que pareciam respirar. E as queimadas?!
Ninguém sabia, até que um dia, um cliente distraído esqueceu-se da carteira na loja. Clara correu atrás dele, mas, ao passar o degrau da porta, tropeçou, e um de seus quadros — que ela levava embrulhado para dar a uma amiga — caiu no chão. O cliente, ao ver, ficou paralisado:
- Onde comprou isto? - perguntou, segurando a tela como quem segura um pedaço de lua. Os seus olhos eram brilho mais brilhante que o da lua cheia.
Clara sorriu enquanto corava e envergonhada balbuciou:
- Eu… pintei.
Três semanas depois, houve uma pequena exposição no clube náutico da terra. Não foi um evento grandioso, mas ali, entre espaços vazios e mesas do último baile, o talento que Clara mantinha escondido brilhou como nunca.
E, pela primeira vez, ela percebeu que às vezes o que guardamos no escuro não precisa ser protegido, deve ser mostrado.
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