Naquele dia, o parque infantil era praticamente o centro do meu universo. O escorrega? Um escorrega gigante com um ressalto no meio assim para assustar o desatento. Dava para deslizar até a Lua. A minha lua de imaginação quando eu fazia acrobacias nos seus ferros até o Sr. Sousa me ruar dali para fora. Na verdade eu nem tinha muito jeito para aquilo e não me importava com o ruar dali pois era mesmo para minha protecção. E o baloiço? Uma máquina voadora que, se o guarda, que era o Sr. Sousa, não tivesse mandado parar, já me teria levado direto para as nuvens ou estatelado na areia vermelha do parque infantil.
Eu estava muito ocupado a saborear o meu gelado de morango comprado na Cábula da esquina, que derretia mais rápido do que eu conseguia lamber, quando vi um grupo de crianças reunidas em círculo, algo enorme. Aproximei-me com cuidado (porque podia ser uma missão secreta), percebi que era uma luta de putos no ringue. Mas não era uma luta qualquer: era uma luta de amor!
Juntei-me à equipa sem pensar duas vezes. Começámos a ter claques que pareciam organizadas até que o Sr. Sousa apareceu e pôs um ponto final na coisa. Até que hoje me lembrei que não fiquei a saber quem era a donzela merecedora tal luta.
Estávamos a provocar a maior enchente da história do parque quando a minha mãe gritou: “Hora de ir embora!”. Suspirei, olhando para o todo o parque como um cientista interrompido no auge da descoberta.
Mas juro que, quando me virei para ir embora, tenho quase a certeza de que vi um bocadinho de areia escorregar sozinha atrás de mim e a me segurar.
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