Março chegou. Moçâmedes com o sal nos lábios e o vento quente sussurrando segredos antigos pelas dunas recebe os mapundeiros e afins. A cidade, de olhos voltados para o Atlântico, parecia conter a respiração todas as manhãs, esperando que o mar contasse algo novo ou talvez algo esquecido nas areia do deserto que se lhe opõem.
Maria, de pés descalços e vestido leve, caminhava pela beira-mar desde criança. Mas agora, aos dezoito, carregava uma inquietação que nem as ondas sabiam acalmar. Diziam que quem mergulhasse nas águas de Moçâmedes em março podia ouvir o que o coração mais queria dizer, mas não ousava porque temia a divulgação do seu segredo.
Naquela manhã, o céu se tingia de tons celestes. Maria entrou no mar sem pressa. A água, hoje até que morna e acolhedora, tirando pica-pica que dava comichão que nem areia servia de lixa, subia aos poucos como um abraço envolvendo o seu escultural corpo. Quando afundou, o mundo silenciou — e ali, entre o bater do coração e o sussurro das bolhas, ela ouviu.
"João."
Era a voz do marr. Era também a dela mesma.
Voltou à superfície com os olhos marejados, não de sal, mas de certeza. O mundo podia ser vasto, mas Moçâmedes era o começo de tudo.
E em março, o mar lhe respondeu e até hoje ela lhe procura, mesmo trazida no passo lento do reumatismo, na beira-mar que não esqueceu, o seu João, que nunca apareceu
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