Naquela manhã, porém, algo estava diferente.
Era uma cirurgia simples — uma operação vulgar que fiz centenas de vezes. A equipe era a mesma, porque quase sempre éramos os mesmos, a luz do campo cirúrgico a mesma, o protocolo idêntico. Mas quando olhei o nome do doente o meu peito apertou, o coração acelerou.
Rafael. Sete anos. Cabelos castanhos num quase louro e revoltos.
Não o conhecia de outro qualquer lugar. Havia-o conhecido duas horas atrás na Urgência pediátrica. Mas não fiquei bem e não era nem cansaço nem dúvida diagnóstica. O coração continuava acelerado, eu transpirava mas a causa era-me desconhecida.
Agora, ali estava ele anestesiado, na marquesa, respirar com ajuda de máquinas, o coração batia e eu via o monitor e os pais lá fora confiando em mim.
A máscara escondia meu rosto, mas não o meu medo ou lá o que era o que eu sentia. Minhas mãos, treinadas para cortar com precisão, hesitavam. O bisturi parecia pesar toneladas. Não posso desistir agora, diziam-me em silêncio sepulcral. Quem me ia ajudar era um jovem inexperiente. Os enfermeiros eram habituais e não piavam e se calhar nem me olhavam.
- Doutor, começamos? — perguntou a enfermeira instrumentista, sem notar o leve tremor dos meus dedos enluvados.
Respirei fundo. Pensei em fugir. Mas não podia.
- Sim. Vamos começar. disse em tom forte que até me surpreendeu.
Naquele instante, compreendi algo que nos anos de medicina nunca me ensinaram: coragem não é ausência de medo — é enfrentá-lo.
A cirurgia durou pouco mais de quinze minutos.
Quando terminei, olhei para o monitor. O pequeno coração de Rafael batia com a mesma força que eu tinha visto.
Saí da sala, tirei a máscara, e pela primeira vez em anos, chorei.
Eu, cirurgião, também tinha medo. Mas não deixei que ele me vencesse, principalmente quando eu não sei a causa.
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