A primeira vez que vi o mar de Lisboa, logo pensei que era bem diferente que o mar que tinha em casa.
Não era o mesmo azul denso de Moçâmedes, nem o cheiro salgado tinha a mesma força, mas havia ali uma espécie de reencontro — como se o Atlântico fosse uma ponte entre tudo o que eu foi e tudo o que ainda poderia ser.
Tinha 20 anos, uma mala cheia de livros e promessas feitas em público e em privado. Estudar era o plano, mas o quê, era a surpresa. Tornar-me alguém a certeza. Mas no fundo, entre cada linha dos meus objetivos, havia algo mais difuso: um coração em busca de conserto, ou talvez, de um novo ritmo.
Para lá, naquele sul, havia nascido um amor que fora deixado para trás, num mal resolvido assunto de adolescente. Hoje apetece-me chamar-lhe Márcia, por que a frieza dela era assim a dar com uma marciana, aqueles fulaninhos verdes e aparentemente antipáticos e sabichões. Os dois nunca fomos namorados, mas também nunca fomos só amigos. Havia ali uma química inexplicável e nunca possível de ser falada entre ambos. Há muito ela havia rumado para Lisboa, numa rua qualquer que eu pensava encontrar como quem procurava em Moçâmedes.
Bati à porta. Ela riu quando me viu. Deu-me um abraço e para lá de eu ter entrado na felicidade eu vi que ela também lá tinha chegado. Desabraçámos embaraçados. Cumprimentei os pais e os amigos que ali estavam..
Se não nos conhecêssemos antes eu diria foi um amor à primeira vista. Mas aos poucos, como quem monta um quebra-cabeça de outra cultura, outra história, as peças que se encaixavam iam ficando diferentes. Eu ia para o Porto mas mantinha a cabeça de Angola e o coração em Lisboa. Do sol forte e da areia que grudava nos pés no meu sul, encontrava-me agora num dilema que parecia um triangulo de lugares, de pessoas e irrequietação. Eu nunca ia entender o Fado, nem baladas de amor. Era mais um ser livre que amava no silêncio da solidão.
Com o tempo, percebi que não tinha vindo só para estudar, tinha vindo para me reconstruir. O amor que queria talvez nunca tivesse nome. Talvez não fosse Márcia. Talvez não fosse Lua, nem Terra e nem Mar. Perdi-me no fogo das paixões, entrei em amuos e fui em contramão.
De todos os planos feitos só um deu certo. Estudei e para surpresa de todos até que foi fácil.
Paixão atrás de paixão fui crescendo, feliz com a certeza que fui fazendo feliz quem encontrei e Moçâmedes, continua lá, já não a minha cidade, já não a minha rua nem os meus desencontros porém é o início da minha estória, o capítulo primeiro duma paixão que não se apaga.
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