6 de junho de 2025

um dia pedi namoro e ela disse que não

Era uma tarde primaveril, morna, o céu parecia preguiçoso, estava num assim meio azul, meio cinzento, como quem também hesitava. Ele estava nervoso e eu também. Não por medo, mas porque certos sentimentos, quando são ditos, perdem a armadura e ficam nus, frágeis, ansiosos. Estávamos numa esplanada, eu, ela e os pais dela para além duma amiga destes. Eu preparava-me para ir para o Porto estudar. Eu não queria ir mas tinha de ser. Disseram que era lá ou não havia mais estudo para ninguém. Eu queria estudar, mas não a queria deixar. Ela estava como sempre: tranquila, com os livros contra o peito e o cabelo solto, liso e comprido. Eu reparava nessas coisas. Era nelas que o meu coração encontrava morada, paz e encanto. Era preciso ir a casa, dela, buscar algo que os pais pediram. Prontifiquei-me, como sempre fazia. Ela disse:

- Vou contigo.

Sorri e pensei que os deuses estavam do meu lado. Finalmente os deuses me ouviram. Ela abriu a passada e eu abri o coração depois de ter recebido um incentivo da amiga dos pais, que foi um simples piscar de olhos.

- Queria te dizer uma coisa - comecei, com a voz meio presa na garganta. - Acho que já sabes, mas… eu gosto de ti. Queria saber se queres namorar comigo. Não recordo as palavras, lembro-me dos gaguejar, do transpirar e de perder o olhar para nenhures.

Ela não riu, nem corou. Olhou-me, pôs cara de quem mede as palavras com cuidado.

- Tu és especial. Gosto mesmo de ti. Mas neste momento… eu quero estudar. Quero focar-me. Não quero fazer as coisas pela metade. Nem contigo, nem comigo. Quando acabarmos o curso falamos...

Fiquei calado. O "não" era suave, mas ainda assim era um "não". Era uma negação que fazia eco na minha cabeça que parecia não queria parar. Perdi o passo, fui ficando para trás como que a tentar recuperar dum virtual soco cerebral. 

- Desculpa-me… - disse ela, como quem não queria magoar -  só estou a ser honesta.

- Tá tudo bem - respondi, com um meio sorriso que tentava esconder a pontada no peito, uma dor de quase morte. - Eu entendo-te. - não sei se ela ouviu porque a minha voz tinha sumido, não estava nem ali

Ela foi a casa buscar o que tinha ido buscar e voltou. Eu olhei-lhe nos olhos e não encontrei nenhuma palavra que pudesse aliviar o peso do ar daquele espaço de rua que ocupávamos. Eu tinha um peso dentro de mim que apetecia esvaziar em forma de lágrima. Me aguentei e regressámos para a esplanada num silêncio fúnebre.

No fundo, eu sabia que havia coragem também no "não". Que dizer "quero estudar" era outra forma de dizer "quero crescer antes de te prometer algo". E respeitei isso, ainda que o coração protestasse em silêncio.

A amiga dos pais me olhava como se estivesse em pulgas para saber o que acontecera. Pela minha cara, pelo meu abanar de cabeça me disse:

- Dá-me um beijo -  e quando me dobrei para o receber ao ouvido acrescentou - ela vai-te perder e não faz ideia do que perde.

Para mim a esplanada emudeceu, o céu cinzentou mais e fiquei, com a certeza de que, às vezes, o amor não nasce no tempo que a gente quer. Mas talvez isso também faça parte da beleza de gostar de alguém.




Sanzalando

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