2 de junho de 2025

Moçâmedes, a cidade que foi minha

Quando eu era criança, Moçâmedes era um lugar mágico. Entre o deserto e o mar, o tempo parecia passar mais devagar. Ou era mesmo só eu que tinha vagar para deixar passar o tempo? A cidade guardava aquele ar tranquilo, com suas ruas largas de asfalto quase derretido e casas antigas com janelas de madeira pintadas. Eu ia saber mais tarde que era uma cópia de um Algarve, que ainda existe, mas pouco. Lembro-me bem do cheiro da maresia misturado com o calor seco do deserto do Namibe. Pela manhã, o sol logo nascia forte e brilhante, refletindo nas águas do Atlântico, e eu corria descalço pela areia da praia das Miragens, acreditando que era o lugar mais bonito do mundo. Outras vezes o dia quase não nascia, impedido pelo cacimbo que não deixava ver nem a ponta do dedo quando esticava o braço. Eu tinha tempo para ver tudo isso.

A cidade era pequena, mas cheia de vida para mim. Tínhamos o mercado municipal, onde as vendedeiras chamavam a clientela com vozes cantadas, vendendo goiabas, peixe fresco e coisas verdes que eu ia saber que eram legumes frescos e saudáveis. Eu adorava ir com a minha mãe, só para ganhar uma fatia de melancia ou um docinho de ginguba que a gente chamava de nogado.

A estação do comboio era outro encanto. Parecia era um palácio sem muro à volta.  O comboio apitava  e a gente corria até nas linhas só para ver os vagões que passavam lentamente a caminho do porto marítimo onde as cancelas não me deixavam entrar mas permitiam pensamentos carregados de sonhos e histórias que me haviam de contar. 

Tinha também o Forte de São Fernando que a gente chamava só de Fortaleza, imponente lá no alto, com vista para a baía. Íamos até na porta nas tardes de domingo, para ver o mar, a marginal e olhar o Saco com fantasia na cabeça de um dia voar por sobre a água e olhar mais de perto. Nunca lhe passei a porta e sempre sonhei como poderia ser lá dentro. 

A minha infância em Moçâmedes foi feita de tardes quentes, gelados coloridos, e histórias contadas. Era um tempo simples, de alegria miúda, em que o mundo todo cabia naquela pequena cidade entre o mar e o deserto e eu tinha tempo.



Sanzalando

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