Escrevo na memória com letra invisível para nunca mais esquecer a data em que os meus lábios te disseram adeus. Na verdade eu já nem sei quando foi isso. Se calhar ias para o trabalho, se calhar ias ao café ou ao cinema. Se calhar nunca te disse.
Das coisas que eu sei, é que nasceste a 17 de Dezembro de 1925 e eras meu pai. Na memória a letra invisível tornou-se esquecimento e eu do que me lembro são assim relâmpagos de quatro anos. Recordo a tua NSU porque não tinhas carro e eu nem sei porquê. Lembro-me do teu clube de futebol, o que te tirava do sério. Não é o meu mas isso desimporta. Queria era lembrar-me do toque dos teus dedos, do teu respirar ao me dares beijos de mimo, da tua força a dares-me colo. Mas a tinta invisível se apagou no tempo da memória que não sei se tive. Perco-me em pensamentos de imaginação, nas brincadeiras que me deves ter ensinado a brincar, nas batidas descompensadas da tua musicalidade que, segundo a mãe, era nula, nas canções de embalar que não sei se as tive.
Pois é, meu pai, amanhã seriam 99 e para me recordar só tenho memória de que não me lembro. Assim, meu pai, seguindo as vozes que me contaram vou permitir-me brincar como dizem tu brincavas, vou divertir-me como me falam que te divertias. A gravata levo-a no bolso, segundo me dizem, tu nunca leste nenhum decreto onde dizia que ela era para ser usada ao pescoço.
n 17-12-1925
f 18-06.1961
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