A Minha Sanzala

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30 de setembro de 2022

desenho

Eu tento através das palavras desenhar momentos, locais, memórias e paisagens da vida. Uns reais e outros sonhados ou apenas imaginados. Tantas vezes desenho uma pessoa aqui, numa paisagem ali num desmontar de recordações e saudades dos tempos de adolescente, nos tempos em que viver era uma festa. Cada rabisco é uma porta aberta para algum lugar, um esquisso de lembrança vaga, uma direcção tomada, um olhar perdido numa qualquer miragem. 
Eu desenho através das palavras as minha miragens, mesmo que o meu lápis já não seja o mesmo de outrora, mesmo que o papel tenha sido substituído por outras tecnologias, mesmo que os meus olhos já não vejam as cores de outrora, mesmo que o meu jeito nunca tivesse sido o que eu mais queria. As minhas miragens só eu as vejo e vivo.


Sanzalando

29 de setembro de 2022

dias

Há dias que parece preciso respirar fundo e suspirar. Às vezes parece tudo não serve para nada e se não se travar este pensamento ainda chove tristeza dentro da cabeça da gente. Há dias que o que nos enche é o vazio.
Ele há com cada dia que até a saudade parece é cacimbo da madrugada que não deixa ver nada, nem o positivo pensamento.
Felizmente hoje não é esse dia e o sol nasceu lindo parece é verão de outono no lado norte donde eu estou.
Tem dias doidos. mas não é hoje aquele em que me sinto são mental e corporalmente. Dias!



Sanzalando

28 de setembro de 2022

filosofando

Tem dias sinto que sou o retrato fiel da boa vida e outros que sou o lado escuro dum adeus. Depois lembro que ninguém é sempre feliz ou infeliz por mais que tente ser um ou outro. É, tem gente que tenta ser infeliz o tempo todo, mas tal como as estações do ano o estado de espírito muda e há sempre uma primavera mesmo que seja época de cacimbo.
Tem gente que espera sentado o seu fim, que entrega o corpo ao tempo de espera como se esperasse uma boleia. Eu tento ser um retrato colorido mesmo que tenha os meus invernos.
Jamais gostaria de ser um vazio dentro do ocaso.


Sanzalando

27 de setembro de 2022

eu no meu caminho

Deixo-me caminhar pelos caminhos infindáveis da mente, memória e imaginação. Caminharei até que o silêncio seja o meu modo de estar e o descanso seja para a eternidade. Não é no dormir que a mente se me descansa, porque o sonho sonhado não é menos verdadeiro que o vivido ou desejado. Não é a olhar para a linha do horizonte que dou tréguas à inquietude embora repouse sobre mim a tranquilidade do lugar. Não é à sombra frondosa duma tropical árvore que darei por merecido repouso já que a saudade é imensa e a recordação é perpétua.
Deixo-me caminhar porque este é o caminho que escolhi. Podia ser diferente? Podia, mas não era a mesma coisa. Pior ou melhor? Sei lá. Este serve-me à medida que escolhi.


Sanzalando

26 de setembro de 2022

saudades desse Março

Vou lá em cima, no sótão da minha memória, buscar o cheiro, o calor e o desenho tipo maquete da minha cidade. Vou buscar a lembrança dos ventos de areia a soprar agulhas nas minhas pernas, as chuvas de Março que empapavam as ruas porque eram planas e não tinha para onde escorrer, os calores ardentes das manhãs que derretiam o asfalto. Vou só mesmo buscar coisas que a memória fotografou para eu agora lembrar. Não sei tinha poeira, não sei havia mortos e feridos nas enxurradas, árvores caídas e prejuízos avultados. Eu criança não preciso saber essas coisas. Me lembro era difícil tirar a areia dos cabelos compridos que eu usava, era difícil manter-me em casa como que fechado no meu castelo protector e o vento lá fora soprava parecia era uivo de lobo que nunca vi.
Vou buscar na memória os saberes que agora não tenho, as palavras que agora não têm o sabor e a música que tinham, e contar as estórias que eu souber. Não vou gastar palavras sem nexo nem contar estórias de sexo, porque eu não sei se na minha terra havia. Boatos e rumores são como as mortes de amores perfeitos, estórias para esquecer ou aquecer ouvidos. Não deve haver escassez de estórias para rir, havia disposição nas esplanadas, gargalhadas altas de felicidade embora o tempo não pare e muitos já cá não estão para contar.
Vamos na feira andar nas cadeirinhas, carrossel de 4 correntes que suspendem uma cadeira e se a gente agarrar o da frente lhe empurra com força com as pernas parece ele vai sair da área. Há gritos e berros, alegria abafada pela música do rancho do Calvário que toca sem parar. O conjunto de Maria Albertina também é freguês frequente nos altifalantes dos carrosséis. As miúdas da Mapunda, vermelhas do sol do mar, circulam vaidosas nos vestidos curtos e vai haver porrada com os gajos da terra que não param de as assobiar. 
Vou ao sótão da memória buscar cada coisa que ainda vão dizer é inventado ou desverdade completa.
A Calema vai pôr bué areia na marginal, a gente vai lavar parece é missão. É Março e eu tenho saudades desse Março.



Sanzalando

25 de setembro de 2022

no sofá da sala

Abro o portão, subo os degraus e entro em casa. Como sempre a porta tem a chave na fechadura. Foi assim que avô ensinou. Esta casa é uma casa aberta. Entra sempre quem vier por bem e cabe sempre mais alguém. à direita tem quarto do avô e à esquerda é a sala. Me sento no sofá como que a descansar dum dia atarefado na escola. A escola não devia ser uma carga de trabalhos mas uma feira de cultura, divertida e apreciável. Levo-a com dureza. Acho que o que me faz ir na escola é encontrar os colegas, é vê-la com seu porte altivo a desolhar-me como sempre. Mas sentado no sofá eu consigo lembrar-me que vi um brilho naquele desolhar. Eu consigo olhar-me sorrindo de felicidade. Pica a burra me disse o professor na aula e eu me envergonhei porque ela estava lá. Charles Bronson deu filosofia e eu despercebi tudo porque em vez de Descartes eu descartei o meu pensamento para ela. Bronson era charme nelas e a gente ciumava. 
Eu sentado no sofá da casa do avô me lembrava de cada minuto passado na escola, não por causa da matéria que se imaterializava no meu vazio pensamento, mas por causa dela. Amanhã vou recuperar a matéria, nem que tenha que perguntar ao Libório ou ao Mamede ou ao Martins Pereira. Mas agora vou vagabundar-me pela Oasis ou pelo Aéro-Club para esquecer o desolhar de desdém que me fez distrair o dia todo.
Amanhã vou ter o Moura a recitar os Lusíadas de cor e salteado, de oração em oração, parece estamos na catequese, o Pica a Birra com uma equação do 3º grau que até parece eu tenho é febre, o desenho do Ezequiel em que a tinha da china vai sobressair na aquarela e se calhar ainda vou ter a Orabolas na Física. É melhor me preparar para um bilhar que isto de matéria por antecipação nunca foi o meu estado de espírito


Sanzalando

#comida


24 de setembro de 2022

#lugaresincriveis


giro no meu centro

Tudo o que sou gira em torno de mim. Se eu não existisse eu não poderia estar aqui. Existo, existencialista, presente. Tudo o que tenta fazer-me tremer só o faz porque eu estou aqui. Caminhando, parado, sentado ou a divagar existo e isso é o ponto fulcral desta existência. A minha caligrafia é feia? Lê-se? Faço para que ela seja assim tal e qual é? Despreocupadamente não! É assim. Tudo o que sou gira à volta de mim. E esse girar é agora e é em todo o meu passado. Sem ele eu não teria presente e não teria seguimento. Eu sou-me presente porque neste momento caminho sobre frases um trajecto desenhado na minha mente. 
No meu passado mais lá para o antigamente o mundo girava na minha cidade atrás de ti, pensava eu. Me enganei, me equivoquei, me iludi. Já nesse passado eu era o centro. Sempre fui o meu centro. Na periferia pode haver poeira, ruído, sombra ou sol.

Sanzalando

#lugaresincriveis


22 de setembro de 2022

os caminhos

Caminho? Claro. Caminhos pelos meus caminhos de modo a me fortalecer. Ninguém se fotatalece se pedir a outrem que carregue os seus fardos. Eu faço o meu caminho, caminhando quer em forma de passos quer em forma de palavras soltas e outras tantas ideias vadias. E não vale a pena dizer que vou fazer mais logo. Numa hora qualquer ele tem de ser feito. É esse o meu caminho. 
Afinal de contas, quando caminho por palavras, eu estou a dar conselhos e eles são ou não para serem agarrados por alguém. Não os impinjo a ninguém. É agarrar ou largar na volta do vento ou brisa que passa. Eu caminho sem ter medo de ser sabotado, bassulado ou rasteirado pelo próprio ou terceiro. Interessa-me mesmo é fazer o caminho e na direcção que me apetecer.
Sempre ouvi dizer que todos os caminhos vão dar a Roma, mesmo que eu queira ir em sentido contrário.

Sanzalando

21 de setembro de 2022

#imbondeiro


pelos meus caminhos

Quanto mais caminho tenho para percorrer? Incógnita malvada que não me deixa ter descanso. Não quero deixar por caminhar o caminho que tenho de percorrer. É que eu um dia decidi que ia caminhar, caminhar até chegar ao ponto de chegada, á página onde alguém escreverá fim porque eu já não fui a tempo. Aí chegado os meus passos deixarão de ser ouvidos e será o meu silêncio sepulcral. Até lá, à incógnita total, caminharei por passos e palavras, por ganas ou engasgado, solilóquios ou monólogos, reticências ou parêntesis. Caminharei a passos largos ou curtos, falas mansas ou brutas, calemas e trovoadas, luares ou meios-dias. Quero percorrer todos os caminhos a que tenho direito.


Sanzalando

#momentos #lugaresincriveis


20 de setembro de 2022

tempo

Tem vezes que a melhor prenda que a gente se pode dar é tempo. Tempo até só para ver, tempo para pensar ou tempo para ter tempo da gente se encontrar. Às vezes o nosso tempo de agora pode parecer uma insignificância, mas pode ser uma grande alteração futura. Não posso perder tempo como o tempo que quero fugir de mim. Só preciso que o tempo me deixe tempo para me descruzar ideias, desentorpecer pensamentos, equilibrar a vida no tempo que me falta 

Sanzalando

19 de setembro de 2022

atropelado estatistico

Vou só assim seguindo caminho como que à procura do que resta de mim. Não por querer voltar atrás, nem saudade nem nostalgia, apenas para rever tudo direitinho como se fosse um filme que eu não posso mexer. Eu gostava de saber, cientificamente acertado, se alguma vez eu me perdi de mim, nas horas incontáveis de dos tempos que gastei a pensar, a vagabundar por mim nas ruas da minha quadriculada cidade. Eu queria ver-me de calções correr, parecia era gazela sem olhar a cruzamentos sabendo que era pouco provável passar um carro naquele instante, embora eu ainda não estudasse estatística ou outra ciência exacta qualquer. Na verdade uma vez me enganei e frente à Oasis bati no carro do Rui Frota. Foi levantar e correr mais depressa para casa que eles só chegaram lá depois de mim. Tiveram a fazer adivinhação para saber quem é que eu era e saberem onde morava. Mas isso foi apenas um erro de cálculo horário ou de atraso dele que não devia ter passado ali naquele instante. Coisa importante não foi.


Sanzalando

17 de setembro de 2022

#momentos


dever devia

Devia de haver um xarope para cada vez que eu tenho saudade de ser criança. É que assim eu tomava uma colher de sopa dele e não precisa de estar aqui a mantrar pensamentos dos tempos em que as aranhas não pousavam nos meus sonhos e a rever os amigos que foram desaparecendo do meu caminho porque outros caminhos todos nós tomámos.
Devia de haver um remédio que curasse todas as ideias absurdas de recuar no tempo em que eu corria a cidade de ponta a ponta só para ver aquela garina que passeava ao fim de tarde na volta dos tristes com a sua carnal família.
Devia de haver uma mesinha caseira para me olvidasse de ter saudade de mim nos tempos em que eu de calções ia estrada fora para comprar sorvetes na casa do Lã, ou rebuçado na do Santana ou ginguba no Camonano.  Vá lá, um xuinga ainda vá que não vá, já que eu o mastigava o dia todo parecia era exercício dos músculos da cara.
Devia de haver um emplastro para me tirar as dores de estar sentado a ver-me crescer nesse tempo.


Sanzalando

#flores


16 de setembro de 2022

cidade, vento e mar, o meu reino

De lá do alto da terra onde minha mãe me nasceu, desci de comboio até no deserto onde eu me cresci a até ser homem- Nesta terra que não era maqueta, embora fosse pequenina, quadriculada e geometricamente imperfeita, onde de vez em quando soprava ventos de picar as pernas desnudadas por uns calções de criança, sem abanar árvores porque poucas havia e eram casuarinas majestosas, que noutras paragens que conheci mais tarde iam dizer era da família dos pinheiros, sem ter nada a haver com os Pinheiros que eu conheci nas minhas escolas. Eram estas as minhas árvores, mais uns castanheiros que não eram nada iguais aos que mais tarde conheci, mais umas quantas palmeiras para dar um ar tropical, para além das oliveiras que davam azeitonas de mesa. Esta floresta diversa era pequena, que se juntasse todas as árvores não dava nem meio quarteirão. Depois era areia dum deserto de perder de vista. 
Quando o vento vinha de sul, era picado de areia parecia eram alfinetes pois nem parecia poeira de areia grossa. O meu castelo interior era agitado, os meus cabelos fartos eram despenteados, a minha roupa era amarelecida e a minha vontade virava nulidade. Depois rodava o vento, passava a vento leste, as pernas não eram picadas mas o corpo transpirava pelo calor parecia era doença. Era um vento parecia tinha sabor, secava a garganta e todas as palavras se evaporavam no ar. Eu aproveitava esse tempo para estar na sombra duma das árvores da minha micro floresta, atrás do Clube Náutico, a deixar os meus pensamentos dançarem por realidades e sonhos, por discursos intemporais até me levarem à calma duma escapada a uma esplanada beber um carioca de limão e desfrutar de conversas adultas dos mais velhos.
Neste meu estar feito rei duma monarquia começada e terminada em mim, comandava as ondas do mar em dias de calema, em dias que marginalizava de lama as estradas à beira mar e eu vagabundava-me até no porto para ver os barcos a descarregar. O mar era parte integrante do meu reino, desta monarquia clandestina e marginalizada, para contrabalançar o tanto areal deste deserto que me absorvia ideias e água.
Se eu hoje visse esse meu reino eu ia dizer que as dunas eram ondas do mar areificadas que se liquefaziam no mar bravo do mês de Março.
E eu nunca fui rei nem nos meus sonhos de menino nem tive um império de sonhos infantis. Eu acho nasci adulto.

Sanzalando

#momentos Santos


15 de setembro de 2022

eu ficcional

As minhas palavras são palavras simples e reais, as minhas estórias são ficção assim como ficção são as minhas personagens. Eu sou uma ficção de mim. Acho eu me imagino um ser vivo que viveu numa cidade pequena e quadriculada, com gente simpática e cordial, com gente que diz bom dia e boa tarde, que ri e que às vezes também chora. Uma cidade sem engarrafamentos e sem buzinas nervosas, só em dias de festa ou golos do benfica, que se estende pela areia desértica dentro, desde a beira do início do zulmarinho. Uma cidade onde se fazia o bem só porque sim, onde se festejava o mar e onde não chovia mais de três dias por ano. 
Entrando no eu real imagino o quanto é difícil ser o ficcional fora desse quadriculado urbano que me viu crescer lenta e pachorrentamente como se fosse uma welwítschia daquelas que não se sabe nem a idade.


Sanzalando

14 de setembro de 2022

Fui na lagoa dos Arcos

Hoje me apeteceu ir visitar a Lagoa dos Arcos, ali ao lado do Curoca. Apetecia só estar assim eu e a natureza, no silêncio do deserto, na solidão do vasto manto de areia ali interrompido por árvores, arbustos e aves. Tem dias a gente pensa é o pior mal da gente é a gente mesmo e aquilo que pensa. Eu sei que sou pessoa de recordar saudades e imagens de antes da gente quase ser gente. Não controlamos o que sentimos, modificamos, alteramos e suavizamos, sonhamos. 
Aqui, olhando os efeitos do vento no faz muitos anos que passaram desde que inventaram a natureza deste lugar, somos insignificantes no máximo da nossa significância. 
Será que a lagoa seca se não chover? Um dia eu virei cá confirmar.
Quando andava na escola eu nem sabia que ela existia. Vai ver a natureza não tem assim tanto tempo, ou será que sou eu que tenho tempo a mais? Vais ver eu andava distraído por outras nobres causas e esqueci de ver a beleza da natureza.

Sanzalando

#flores


13 de setembro de 2022

#momentos agrícolas





me movo

Me movo de norte a sul, na força de ter esperança, na dor de uma alma ferida, no banho duma saudade que me abraça na noite escura duma insónia. 
Me movo com os olhos acompanhando a lua cheia ao som de uma melodia que invento no meu silêncio. 
Me movo num copo de vinho que me aquece o espírito solitário ao som dos meus passos lentos e imprecisos enquanto revejo cada fotograma da minha vida.
Me movo a cada passo de amargura que prevejo um dia possa chegar e causar dor no meu peito.
Me movo na minha ausência através de muros que mentalmente construí e barrei-me numa clausura de solidão.
Me movo em cada quadro pintado num desejo de ser artista imaginado de mim.
Me movo eternamente enquanto alguém se lembrar de mim.


Sanzalando

12 de setembro de 2022

sorriso

Vou só assim faz de conta sonhar. Mesmo sem dormir eu gosto de sonhar. Gosto de ver o sorriso na cara das pessoas. Não é simpatia, é mesmo só alegria. Minha mãe sorria. Meu pai sorria embora eu não tenha memória dele aprofundada dele. Meus avós riam. Meus vizinhos riam. D. Maria Guedes não. Eu me lembro dela e não me lembro de a ver rir uma única vez. Talvez ela já tinha nascido assim velhinha. A filha Idalina Guedes que lhe vivia junto também era mais velha que minha mãe e também não me lembro de ver sorrir. Era só porque era gente mais velha. Ou era porque eu sempre fazia partidas na porta dela? Donas Guedes faz favor desculpar as travessuras e deixem um sorriso para mim.
A minha rua sorria mesmo quando lhe corria água da chuva de Março que alagava a esquina dos Fonsecas. É tão bom rir que eu sorrio porque gosto.


Sanzalando

#momentos Caiu o #maracujá


11 de setembro de 2022

#flores


pelo caminho

Vou caminhando ao mesmo tempo que vou recolhendo os pequenos fragmentos que vou deixando pelo caminho. Vai ficando o que já fui, o que deixaram marcado na minha vida, o que vi e deixei ficar, o que devia ter feito e não fiz, o que fiz e não deveria ter feito. A cada passo vou lembrando, dobrando-me, recolhendo, analisando e preenchendo os vazios deste puzzle que se chama presente e é composto de passados.
Outras vezes caminho em nada, o que resta de mim é uma sombra de solposto, um fim de dia acabado sabendo que outro há de começar.
De vez em quando sento-me a olhar, como se soubesse que futuro tenho. Suspiro com vontade de amanhã o agarrar e transformar em utilidade, salvando-me de algum estado vago de ser.
Caminho sempre sobre mim.

Sanzalando

10 de setembro de 2022

#lugaresincriveis


sou-o

Olho o mar. Zulmarinho desde aqui até lá no lugar distante de mim. Elo duma corrente mental. Cordão umbilical que me segura o ontem ao meu amanhã. Mesmo que num repente a vida desse uma outra volta, o tempo passasse numa corrida de 100 metros, as coisas se mutassem em fragmentos dispersos, as pessoas deixassem de o ser, os vários estágios duma vida se misturassem em processos complexos, eu não ia esquecer que todo o tempo para trás deu mesmo para me valorizar, aprender e ter a noção do que sou hoje agora.

Sanzalando

9 de setembro de 2022

a minha rua, parte tantas

Na minha rua, que era a subir quando estava cansado, a descer quando descansado eu olhava para a varanda da casa dela, brincava aos cóbois, polícias e ladrões, às escondidas ou simplesmente jogávamos à bola esquecendo o declive duma das equipes. 
Acho chegámos ali a jogar à trouxa lavada tendo como base de apoio o muro do quintalão,. onde às vezes o Zé Enoque punha os melões antes de os vender.
Éramos crianças e chegámos a adolescentes, alguns irreverentes e outros só gentes.Brincávamos até na hora de jantar quando uma das mães gritava o nome do seu filho. Era sinal que era hora de ir embora. Às vezes nem faziamos nada disso e ficávanos apenas sentados num dos muros a conversar a vida de criança ou adolescentemente perguntadores das coisas mundanas. Raras eram as vezes que ela saia do seu trono doméstico e vinha na rua falar com nós os que ali sempre morámos. Não era rainha apesar do seu ar de princesa nem era assim diferente da gente, era só tuguesa de crescimento na rua de gente mais fina que agora morava ali e se ia habituando aos vadios de fim de tarde na rua que subia quando eu estava cansado e descia a olhar para a varanda dela. 
Era a minha rua, a minha única riqueza material, pois a outra que eu tinha era a amizade dos amigos da minha rua onde tu um dia vieste morar.


Sanzalando

8 de setembro de 2022

#mangueira


vou por és

É tão perigoso acreditar em tudo como em não acreditar em nada. Cair no vazio, espaço interior sem memória, sem passado e sem desejo de futuro.
Nas minhas caminhadas de palavras grátis, cheias de alma e coração, de desejos ardentes e boas intenções, nunca tentei cobrar-me em favores passados ou desejos futuros.
Que não me doa o engano ou a preguiça da continuar caminhando nestas dúvidas certas ou nas certezas dúbias de futuro incerto.
Caminho porque quero mesmo que falte verbo, sapatilhas ou articulações, advérbios de modo ou sujeito-me a ir por aí perdidamente.

Sanzalando

#imbondeiro


7 de setembro de 2022

quantas

Quantas vezes fui a correr para ti em espírito e tu me afastastes com um olhar de desdém?
Quantas vezes o teu silêncio causou dano na minha alma?
Quantas feridas reabri ao ver-te nos meus sonhos de adolescente?
Quantas resoluções profundas modifiquei para evitar o teu olhar frio?
Porque é que a gente não consegue esquecer o que um dia foi o nascer do nosso sol?
Não me lastimo, admiro-me por ter sobrevivido feliz à catástrofe que fui de passado feito memória.


Sanzalando

6 de setembro de 2022

rascunhado

Um dia faz sol e venta e não me apetece caminhar. Outro dia chove e frio e eu caminho por aí feito perdido de mim. Tem dias que os dias parecem noites compridas e outros há que parecem carro de corrida a correr feito é doido. Todos tivemos dias e nem todos teremos dias. É a lei da vida, sendo que a primeira causa de morte seja o nascimento.
É assim e tudo tem pelo menos dois significados. Rir também. Ou mostra a nossa felicidade ou esconde a nossa tristeza. O silêncio pode significar tanto como muitas palavras dum livro. 
Quem pode estar contente com esta dualidade? Eu que me ponho ao caminho mesmo quando não ando? Também!
Eu vou assim fazendo o meu rascunho de vida, entre silêncios e palavras, entre caminhar e estar parado, entre rir e choramingar. Viver viver que é bom está na minha memória e numa ou outra estória que consegui rascunhar com alma e coração.


Sanzalando

5 de setembro de 2022

#comida


passo a passo

Vou, passo a passo caminhando, sabendo que para nós, solitários, a demência é a cura. É o que nos pensam quando nos olham. Mas a solidão é apenas um estado de espírito e não de alma, é um modo de vida e não a vida.
Caminho de pensamento em pensamento, de palavras silibida mentalmente, sonhando realidades que se fossem filme eram um frame, e se constrói a vida.
Caminho para estradas ou carreiros, pouco importa a qualidade do piso, desde que o pensamento me acompanhe numa vida que eu saiba estou vivendo e não fantasiando.
Vou por tantos aís que eu sei tem caminho mais longo, caminho mais curto, mas tem o meu caminho e é esse eu sigo, passo a passo.


Sanzalando

3 de setembro de 2022

o primeiro amor

Me sento no banco da avenida, à sombra duma buganvília que virou caramanchão para me proteger dum sol tropical que agora começa a aquecer. Me perco desmontando memórias como se fossem um puzzle da Majora oferecido pelos lados do natal ou só de quando fui visitar o meu avô, lá para os lados da Chela. 
Remontando a minha última paixão de adolescente, quando eu pensava que alguém estava a gostar de mim por mim, da minha maneira de ser e estar, assim num gostar de graça, barato e sem joia ou quota, interessado em me conhecer e me fazer sorrir, verifico que nas últimas peças havia palavras superficiais de promessas a não cumprir, de vazios a não preencher e eu ali perdidamente apaixonado, em mais um morrer de amores. Este puzzle de cores garridas começava a ficar nuns ténues tons de cinzentos, envergonhando-me de uma posta séria do meu coração.
Quem me olhasse ali naquele banco de jardim, à sombra duma buganvília, iria perceber que o meu silêncio se traduzia num olhar triste desbrilhado e sem direcção. Carregava um olhar de silêncio.
Tento por várias vezes mudar de puzzle, agarrar um de cores vivas e gargalhadas fáceis, mas o silêncio da alma perdura e me provoca lacunas na memória. Não consigo ver para além do olhar, não consigo pensar para além da tristeza, não consigo entrar numa realidade para além do triste passado que me embalsamou nesta sombra de jardim.
Desconfortável me levanto, dou dois ou três passos sem direcção, olho a Minhota quase na esquina oposta, a sua esplanada barulhenta não se fazia ouvir, os carros deviam ser eléctricos e flutuantes porque nenhum ruído faziam de motor ou de rodas, abaixo o Café Avenida estava petrificado no tempo calado e mudo das pedras, o Gaspar Madeira devia pensar era feriado porque estava fechado, a Livraria Mirabilis às escuras e sem letras se encontrava.
Volto a sentar-me no mesmo banco, o mesmo olhar, o mesmo silêncio. Eu acho tinha criado uma realidade baseada na saudade. O meu puzzle não era um verdadeiro puzzle, eram peças soltas duma vida, misturadas numa caixa, anarquicamente dispostas, sem fio condutor ou enredo planeado como nas matinés do Eurico.
Mãos entre a cabeça, desconfortável posição de protecção mental, quero caminhar para uma vida de conforto, esquecer as minhas mortes de amor, apagar os rostos tristes da minha vida, saborear as carícias reais, divertir-me com as palavras proferidas numa conversa de horas tantas, verter umas e outras geladas sem pensamentos secundários ou malfeitorias. O puzzle cinzento marca presença, constante e combativo porque persistente e irritantemente beligerante. 
O sol aquece, o meu corpo, apesar de à sobra, ferve. A minha cabeça parece estoirar. Olho para trás, para momentos antigos da memória e olvido-me que a minha pele jovem não tem muitas memórias anteriores.
Ninguém esquece o primeiro amor por mais flashs que tenha posteriormente. Ele ficou gravado na carne, no cérebro, nas mitocôndrias e quem sabe nas bactérias intestinais, porque às vezes ele vem à superfície com ideias fétidas. Ele foi o alicerce da construção futura, ele foi a base da abdicação de tanto futuro, ele foi a overdose do estado de choque. Ele simplesmente foi o primeiro marco duma fronteira.
Tento deixar o puzzle no banco do jardim da avenida, levantar-me num ir embora, partir para outra duma forma doseada e contida, mudar de vida na sua definição e conceito territorial, consolidar escolhas, mas o raio do puzzle mantem-se grudado nas minas entranhas que o tenho que carregar vida fora, querendo ou não, agradecido ou revoltado. Ele faz parte de mim.



Sanzalando

2 de setembro de 2022

#comida


#flores


a minha estória, a minha vida

Quantas vezes eu me conto uma estória? Hoje já não sei se a estória é real ou foi só vivida na minha imaginação. O que eu tenho certeza é que é estória da minha vida. Eu não inventei a minha vida. Vivo-a com os olhos que a vejo, com o perfume duma eternidade que não poderá nunca ter fim, porque ela ficará na memória de quem eu a contei. As minhas estórias sou eu, na forma imaginada ou vivida. A minha vida é real pelo que elas também o são. Não vai ter um final feliz porque ela, como eu disse, é interminável.


Sanzalando

1 de setembro de 2022

estar simples

Não importa quanto tempo ou quilómetros se gastaram. Importa sim que eu te penso sempre. E se não te penso, sonho. És a minha pedra no sapato. Aquela coisa que está ali cravada parece é um repetitivo alerta que até apetece arrancar num sangue frio de desamor. Mas quando chega essa hora dá assim uma de saudade que nem a mais bela canção faz a gente mudar de ideia. Imagina só eu cansado, deitado e adormecendo num descansar merecidamente e lá vem o sonho de te percorrer com o olhar, de sentir com os meus olhos as tuas formas definidas, o teu perfume quente de fim de tarde de cacimbo. Vou descansar mais como então. Me canso a ver-te e sentir-te. Simples o meu estar.

Sanzalando

#bebidas


Podcasts

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