A Minha Sanzala

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31 de março de 2020

falta ainda eu mudar

E faz neve na Serra. Não na minha Serra. Na Serra de cá. Na minha deve que estar a chover em trovoada tropical. Podia levar-me e ir ver à minha janela especial, mas hoje não me apetece. Só quero imaginar a neve lá na Serra do outro. Brrr, que deve que estar frio. E eu aqui ao sol neste sul que não é o meu sul.
É que aqui, neste tempo de quarentena vagabundo os pensamentos e ninguém nem me vai dizer eu sou isto ou aquilo porque estou a fazer bem pela primeira vez, diria a minha mãe se estivesse aqui. Mas pela última vez, antes de mentalizar que nada pode ficar mais igual, vou tentar mais uma vez. Vou entregar palavras sem pensar, sem olhar, sem sentir com o coração. Palavras atordoadas que queiram ganhar vida própria, manias, sonhos, esforçadas e reforçadas. Vou só mesmo, pela última vez, desta vez, atirar palavras que não sejam para ti, palavras que não me mostrem, palavras que me não denunciem, palavras que atiro chorando.
Ué, não tem mais palavras assim. Todas estão a sair com alma. Própria ou alugada. Já as palavras se mudaram. Falto ainda eu.


Sanzalando

30 de março de 2020

e deixei a chuva chegar

Deixei que o vento partisse e desse lugar à chuva. E não me importei que não aparecesse o primaveril sol. Há alturas que uma pessoa tem de abdicar de alguns privilégios. É o sol, é o zulmarinho, os abraços e o carinho, a doçura dum olhar, a vontade dum abraço, o correr e saltar nos caminhos longos, fazendo-os curto. Mas deixei isso tudo e deixei-me levar pela vontade enorme de me sentar a um canto e meditar. É tão bom eu me conhecer como faz tempo eu não sabia mais quem era de verdade. As crianças de hoje acho vão aprender mais depressa a se conhecer no todo, na integra. Há coisas que vão aprender mais depressa, bem mais depressa que as crianças do meu tempo. Vão aprender a fazer luto. O sentido e sem segundo sentido. 
No meu tempo de ser criança só nos morria um dia de cada vez e como logo nascia outro a gente até que nem notava. Agora, no tempo de agora se ouve tanto falecido que eles vão aprender a dor de perder mais intensa que a gente sentiu. 
Eu deixei que a chuva viesse e não me importei porque agora eu aprendi a me saber dizer não.


Sanzalando

varanda da minha casa

E deixo o sol queimar-me aqui neste ponto da minha varada. Imagino-me lá nos lados do zulmarinho. Por trás um amereloareia de deserto feito e na frente este zulmarinho de águas selvagens. Eu ali meditando-me. Perdidamente sem nada. Uma garrafa de água por companhia, pelo menos tenho. Imagino-me. Deitado ao sol, embalado pelo marulhar bravo e forte desta calema. Eu calmo. Sem uma borbulha o comichão a me azucrinar o pensamento ou a me insoniar as noites quentes que se aproximam.
Tirando todos os ruídos da cabeça, eu consigo sentir-me em silêncio. Eu consigo imaginar-me chuva, canções, quente e gelo. Eu tenho imaginação para isso. Afinal de contas ainda não sai da varada da minha casa.
Olha por ali, naquele dia eu não devia ter dito aquilo e o que fiz no outro foi bem feito. 
Não me sinto um barco sem mar. Sou apenas um barco em doca seca. Eu consigo navegar pelas ondas da imaginação, pelo ondular da meditação. Eu consigo atracar em todos os portos, queira eu lá ir.
Acho mesmo não consigo falar latim nem sânscrito, alemão ou norueguês. O resto eu consigo tudo desde aqui da varada da minha casa. Acho até me cheira ao meu mar!




Sanzalando

29 de março de 2020

podia mas não é

Disseram é primavera. Ainda não vi uma andorinha. Também não ando por aí a ver pássaros e outras aves de rapina que me surripiam o tempo que tenho. Estou na fase meditativa de mim. Que se passa? É preciso que passe alguma coisa? Faz-me bem. Preciso de estar comigo, preciso aborrecer-me comigo e ver o quanto sou aborrecido para outros. Preciso conhecer-me para me mostrar aos outros como é que eu sou realmente. Não sou um polo oposto de mim. Sou parecido comigo mesmo que às vezes me contrarie e engula sapos. Não tenho ilusões. Quem não engole sapos é porque não se conhece assim tão bem. Não sou um desastre nem tenho problemas de auto-estima. Tenho erros mas muitas certezas incondicionais. Sim, é um período especial, é um tempo de sentimento próprio, exclusivo. Conclusivo, acrescento em surdina para ninguém mais ouvir. 
É primavera. Me disseram e eu acredito. Tenho sol e esperança, também tenho medo e coragem. Tenho tudo a que tenho direito. Sou humano mesmo que às vezes eu pense que sou super. Fachada. Por isso preciso me conhecer bem para me mostrar tal e qual sou. 
É primavera e estou enamorado. Sou feliz? Claro! Podia ser diferente? Podia, mas não é!




Sanzalando

28 de março de 2020

versejando

Pedalei por caminhos imaginados sendo que uns eram areia outros alcatroados, calcorreei ruas da minha infância, conversei com amigos à distância e mantive a minha coerência, quando não tinha urgência. Dei abraços, socorri cansaços e acarinhei com o olhar que lhes olhei. Disseram era quarentena, eu contei mais que uma centena, as palavras que cantarolei numa canção que inventei, para o tempo passar sem se magoar, sem se riscar nos espinhos da estupidez tal era a nudez dos espíritos que encontrei.
Afinal de contas eu não queria versejar, nem tirar prova aos nove, apenas meditar para ver se se comove a gente que anda por aí a pastar, numa animada ignorância.
Eu parei para pensar e vi que um  minuto pode mudar uma vida, até mesmo tirá-la. Um segundo, direi melhor.
Eu neste momento não tenho escolha. Mas eu sei que escolhia o mesmo caminho para chegar até aqui, ao pé de ti. Sorrindo, chorando, xingando, gargalhando eu fazia o mesmo caminho porque foi nesse caminho que cheguei aqui. E vou seguir o caminho que se faz caminhando, escolhendo, errando e acertando.



Sanzalando

27 de março de 2020

#flores


com amor próprio

Com um tempo destes e eu aqui a arrumar e limpar recordações. É tão bom tê-las. Sinal que estamos aqui, é sinal que temos o privilégio de não só recordarmos como o ter oportunidade de as arrumar e limpar. Eu sei que para muitos isso é coisa menor. Falta de amor próprio diria eu. 
O amor próprio só se demonstra quando há uma vontade, um interesse, quando alguém te olha daquela maneira que sentes, quando alguém desvia o olhar para te ver. Não, não é quando o teu umbigo não te deixa ver nem pensar. É quando alguém te faz um elogio e tu tens humildade para agradecer.
Assim, com um tempo destes, com tanto tempo pela frente, sorrindo vou de recordação em recordação com vontade de abraçar logo possa o mundo mudado, crescido, solidário e muito mais bem-parecido.
Neste tempo, com tanto tempo, vou só aproveitar e meditar-se, crescer-me conhecendo-me de modo a poder aturar-me melhor, sorrindo e dizendo bom-dia para quem se cruzar comigo.


Sanzalando

26 de março de 2020

#caminhos


segunda chance

Levanta-se o vento com vontade de varrer o tempo quente desta quarentena. Tempo atrás do tempo com tempo de meditar. O tempo não parou, voa com o tempo que tem e nós meditamos. O isolamento é a razão deste pensamento que o tempo não pára. A solidão não é o isolamento, é a interiorização pessimista, é o massacre interior de quem não consegue estar consigo próprio.
A gente espera sempre um acontecimento para a gente dizer que vai mudar, que vai acordar e nada vai ser como antes. O isolamento social acho é esse momento. É a capacidade da gente se lembrar daquele sorriso bonito que se esqueceu de dar naquele dia azedo doutra pessoa; é a gente recordar que não deu aquele abraço naquela despedida; que não soltou aquela lágrima naquele dia de medo; é quando agente luta com a consciência do tempo perdido na mesquinha forma de estar.
Acho que o isolamento deste covid19 é essa oportunidade, essa segunda hipótese de devagar a gente pensar e mudar. Mudar mesmo sério, até na maneira de ser em sociedade.
Levanta-se o vento e eu sorri quando antes gritava com ele.


Sanzalando

25 de março de 2020

O meu Estado de Emergência


Eu morro de saudades da minha mãe. Morro de saudades do meu pai. Morro de saudades de tantos amigos e familiares que faleceram, uns há pouco tempo e outros faz tempo que eu já nem lembro mais quando é que foi. Morrendo nessas saudades vou vivendo, procurando recordações na memória da vida, nas fotografias, nos livros que leio, na conversas telefónicas que tenho, com amigos e familiares e outros tantos que tais. Morro de saudades vivendo tanto feliz quanto posso, porque é mais fácil ser feliz do que procurar lenha para queimar a cabeça e taciturnar o sorriso e mixordar a paciência alheia. Morro de saudade vivendo feliz, mesmo que tenha de passear virtualmente por lugares que já fui, por lugares que sei mais cedo ou mais tarde vou poder voltar a ir.

Não vou morrer por sair e dar de boca com o Covid19 só porque tenho saudades. Sempre que puder eu vou estar em casa, arrumando as minhas saudades para que amanhã as minhas saudades estejam como a minha conta bancária, limpinha, já que ela tem um gajo que mensalmente faz a manutenção e ele não vai para a rua passear e beber uns copos. Sempre que tiver
saudades eu me recordo que um amanhã breve eu vou poder matá-la porque toda a gente ficou em casa agora, na hora crucial.
Vou agora dar uma vista de olhos para os recantos que guardei numa pasta perto de mim.





























Sanzalando

#caminhos


#caminhos


#caminhos


23 de março de 2020

o tempo não pode passar

Eu pedi para o tempo não passar. Para ele fazer assim um tipo quarentena enquanto este tempo está assim, num crédito mal parado, na desbunda duma doença que não sabe como vai ficar, não sabe quando vai passar. Acho ela devia não passar daqui para mais nenhum dia. O tempo pára e ela fica indecisa e se acaba a bolinha cheia de picos a nos massacrar.
Eu peço ao tempo para parar, para não mudar a cada segundo, para interromper as conversas, os abraços e nos manter afastados uns dos outros pelo menor tempo possivel.
Assim se ele parasse o tempo não estava a contar...

Sanzalando

21 de março de 2020

primaverou

Sanduichou o tempo. Chove e soleia num intercalado arritmado. Deve ser por ter começado aqui a Primavera. Lá veraneia em chuvas tropical. Aqui, neste tempo deslizo dedos por pensamentos, com cuidados redobrados, pedindo aos anjos que não me deixe fugir o tempo, lavando as mãos que nem Pilatos, vezes sem conta.
Os dedos não param os pensamentos que penso sem barreiras, os sorrisos que sorrio sem medos, mesmo que eu sinta estar no meio dum nada, mesmo que eu seja um artefacto que demorou milénios a ser aperfeiçoado, eles elevam-me para lugares incomuns da minha existência. 
Percorro desde a infância até anos futuros, todo o meu caminho feito pensamento.
Serei eu, até não sobrar nada de mim, sorrindo e vivendo amor.


Sanzalando

#caminhos


#zulmarinho


#zulmarinho


20 de março de 2020

#desportivamente


chuviscando

Chuvisca um molha tolos que até apetece ficar a olhar pela janela como um tolo a pensar em coisa nenhuma. Mas o outro tempo, o tempo dos afazeres não me deixa. Assim, nuns instantes que podem parecer eternos, me delicio com o ver o cair desta chuvita milimétrica enquanto deixo o pensamento vagabundar por silêncios, não porque são mais fáceis, não porque são indiferentes, não porque seja fraco, não porque canse menos, mas apenasmente porque em silêncio os pensamentos têm mais volume, são mais intensos, não se desgastam em fricções, em atritos e não interferem com o vazio das pessoas.
Aqui, chuviscando, me deito sobre a preguiça como se fosse uma fragilidade e descanso uns minutos, enquanto posso.


Sanzalando

#zulmarinho


19 de março de 2020

#caminhos


Dia do meu pai

Tinha 4 anos e sem dizeres adeus, por falta de tempo, só pode, desapareceste da minha vida. Não me consigo lembrar se depois do carro preto do Dr. teu amigo, que foi lá em casa dizer que tu tinhas viajado para sempre, e que eu me lembro como se fosse hoje dessa hora de almoço desse domingo, eu chorei muito, em desesperei, birrei ou que é que fiz. Se apagou tudo da memória e ao longo dos tempos, quando eu comecei a juntar pensamentos e ideias na minha cabeça fui juntando fragmentos e fui fazendo a tua história. Me lembro de para aí ao 12 anos ter 'assaltado' aquela caixa de madeira que a mãe guardava zelosamente e quase que parecia secretamente na garagem e ter tirado de lá o Advogado do Diabo e lido como se estivesse a cometer um crime. Me lembro de me dizerem que te escondias em casa se o teu clube perdia lá terra que não conhecias e parece que até nem gostavas, para que os teus amigos não brincassem com essa tua 'doença'. Sorte que nesse tempo até parece que não te acontecia muito, pois se fosse hoje eles iam pensar que tinhas hibernado ou que a tua águia tinha deixado de voar. Me lembro que me disseram que tinhas tanta certeza que o teu primeiro filho ia ser um másculo e te saiu uma fêmea e por isso te escondeste uns tempo. Me disse a mãe que andavas sempre de gravata, só que amarrotada no bolso porque a lei não dizia onde é que ela tinha de estar.
Me contaram que nas terras do Lobito escreveste porque as mulheres começaram a andar de calças e tu não gostaste de ver, hoje estavas feito na azia porque onde quer que olhes não ias ver saias.
Me contaram que salvaste pessoas do primeiro balcão no dia do incêndio no cinema que até parecias eras herói.
Pai, tanta coisa mais me contaram e eu não te posso perguntar se é verdade, ou foi só coisas para me encher o ego. Eu sei que por aí se ouve tudo e por isso estás a ouvir o que eu estou aqui a te falar e assim me vais dizer que a tua falta de tempo nestes tempos todos foi só porque estavas ocupado a ser como sempre foste: boa gente e um dia vais me contar tudo e voltar a ser o meu Pai.

escrevi em 19-03-2011 e desde então passou tanta água na ponte do meu rio mental que hoje eu vou só te recordar 

Sanzalando

#imbondeiro


18 de março de 2020

vamos em frente, sempre

Não sei que tempo está a fazer. Hoje isso não é mais importante. Importante é estar aqui a dialogar as minhas palavras num sentido único. Estou aqui enquanto me aguentar e tiver esperança. Eu tenho-a e por isso continuo aqui. Não me apetece escrever poemas de amor ou saudade, de esperar sonhos sonhados para um amanhã de sonho. Não me apetece ficar em silêncio, nem de noite nem de dia, refugiar-me nas minhas solidões como se fosse num velório do meu futuro. Não. Estou aqui a dialogar as minhas palavras de cor alegre, tentando derrubar muros do pequeno nanómetro, libertando o cinzento quadrado em que nos encerra. Amar-me ininterruptamente quando sorrio, quando choro, quando tenho frio ou transpiro, faz-me ter esperança.
Não sei se faz sol ou chove, se venta ou cacimba. 
Eu sei que tenho esperança, seja lá quando o nanómetro se colapsar numa velha recordação. Não é ele que vai limitar o meu desejo de voltar a sonhar.


Sanzalando

17 de março de 2020

meditando sem fronteiras

E de repente começou a chover. Milagre, pensei eu. Mas afinal nem sei se posso chamar chuva ao que perdigota do céu. Acho esbarrei numa palavra proibida: perdigoto. Por isso falo devagar de modo a não chuviscar a parceira. Mas a chuvinha lá fora me desaconselha a ir lá fora meditar, então, em forma de palavras vou martelar o meu cérebro com ideias, vagas ou ondas, cheias marés, ou calemas. Neste momento da vida, num retiro pro-activo, em que aprendo novas palavras, novos conceitos, como tele-trabalho, internamento domiciliário, prescrição à distância, começo a pensar se não é altura de reformular muitos conceitos, não do acordo ortográfico, mas do modo de viver a vida, de fazer o que tem de ser feito, de dizer o que tem de ser dito?
E, ao lado desta chuva, num retiro voluntário, dou comigo a cair em mim e a pensar que há tanta gente que nunca tinha usufruído da sua própria companhia e de se entender a si mesmo, como nesta altura, neste mundo, cada vez mais global e menos fronteirado.


Sanzalando

#flores


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