A Minha Sanzala

no fim desta página

31 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(50)

- Não estão aqui as referência habituais das Conversas de Café, pela simples razão que estou em reflexão sobre a minha permanência ou não naquele site onde até há bem pouco tempo tive um enorme PRAZER de estar.





Mermão, gasóleo faz bué tempo que a gente não tem porque o depósito furou e como podes ver ele está ali fora para consertar. Na nova não tem? Não, respondeu o Ti, já com o pelo a dar sinal que eu é que tinha razão mas ele não a queria dar. Pois então só amanhã na bomba da Gráfica, que essa fecha às 7 da tarde e como já são 8 não há hipóteses. Então aqui se começou outra aventura.

Na terra onde bebi a primeira água, pois que eu fui amamentado algum tempo lá
nos lados do planalto, não tinha uma gota de gasóleo e ainda por cima os
telefones móveis não funcionavam? Não pode ser. Isto não é sonho, é pesadelo
mesmo. Entro na minha cidade quando é noite fechada, pouco lhe vejo, mesmo com
todas as luzes da rua acesas, porque a cabeça está entupida na falta de
combustível do Tico, o coração acelerado por poder respirar o ar da terra que
estava assim como congelada desde o tempo da minha saída penso eu armado em
Chico esperto com olhos no umbigo. Não tem gasóleo? Não tem telemóvel? Vais ver
que quando eu acordar eu tive mesmo foi pesadelo. Os meus conterras me vão bater
quando eu lhes contar isto. Vão dizer que eu sou um inventor de estórias, um
exagerado, mas eu lhes repito que é mesmo verdade. Foi assim o primeiro contacto
com a terra que me deu a primeira água e onde eu caí de mim a primeira vez.
Se tínhamos perdido 45 quilómetros para cá, temos que somar os 45 para lá, e estamos no mesmo ponto, passados 90 quilómetros o que daria para estarmos assim nas fraldas da Leba. Sempre pelas minhas contas que não são de fiar, mas são contas. Se agarra no móvel e se inicia uma série de tentativas para achar cambas conhecidos que nos pudessem ajudar. Voz simpática só nos dizia que era impossível contactar. Mas o engraçado era que era mesmo só para a gente dali da terra. Para fora, assim Lubango, Luanda e Benguela a gente conseguiu ser positivo em todas as tentativas feitas. Mas para ali, se calhar a 10 metros donde estávamos nem pensar. Então, de forma decidida, frente à bomba da Sacor do antigamente, se agarrou nos 20 litros e se despejou no depósito, com sorte no Caraculo a gente punha o resto. Agora ficar ali e não estar lá no sítio da placenta antes das 0.00 horas é que nem se podia pensar, dava-me um ataque de qualquer coisa. Se decidiu que era mesmo seguir rumo com destino no Lubango, se ligou para lá e se fez uma combinação: se a gente não chegar até às 23 horas vocês vêem andando em sentido contrário, trazem combustível e depois etc e tal. Refizemos os 45 quilómetros, seguimos e parámos no Caraculo como havíamos pensado, mas por pouco tempo pois estava mesmo que fechado de luz apagada e tudo pelo que o melhor mesmo era não perder tempo. Na escuridão da noite, impossibilitados de seguir o Morro Maluco e outras paisagens, lá seguimos nós em velocidade de economia. Agora que a gente tinha estrada que metia inveja não podia carregar no pedal por questões economicistas. Já não há justiça, pensava eu para com os meus próprios botões, se é que não os tinha porque eu estava vestido de t-shirt. Subimos a Leba sem possibilidade de ver e admirar o admirável mundo que estávamos a percorrer. Lá fomos subindo e pela inclinação acho que o ponteiro dizia que lhe estava a dar novo ataque de gritaria. Mas lá seguíamos nós, lenta e calmamente, assim como que em passeio de Domingo, possivelmente gastando os vapores de gasóleo que estavam encerrados no depósito. Na Humpata voltámos a ter sinal no celular. Voltámos a ligar para os nossos cambas e agora era a voz simpática que dizia que não era possível o número marcado ser contactado. No Lubango também não dá para ligar no Lubango? Ai que a vinda ao Sul está a começar mal. Vamos voltar já para a Lua? Claro que esta pergunta feita na minha cabeça não passou na forma de palavras pois acho que era logo ali linchado pelos cambas companheiros de viagem. Eram só 22 e pouco. Vais ver, entraram em ansiedade de nos ver e nem esperaram a hora combinada, arrancaram à nossa procura, disse uma voz mais sensata de dentro do Tico. Como todos éramos sensatos já não sei quem foi.. A amizade faz destas partidas. Parámos no miradouro da Senhora do Monte e ficámos a admirar a cidade que está ali adormecida nos nossos pés. Como estava bem maior desde a última vez que eu lhe tinha visto. Só víamos a luzinhas a cintilar. Grande que me pareceu o dobro do que das minhas recordações. Mas também não levei a fita métrica para comprovar. Mas era e pronto. Nova tentativa telefónica e nada, o mesmo som de retorno na voz feminina e simpática a dizer que era impossível de momento contactar o número marcado. Para não perdermos mais tempo resolvemos seguir mesmo para o centro da cidade e resolver o problema combustílico. Lá fomos nós, mais uma vez servindo eu de cicerone. As luzes das ruas deixavam-me saber onde estava e para onde eu queria ir. Numa perpendicular à rua do picadeiro, antigamente a Pinheiro Chagas e agora não me lembro porque não apontei, avistámos uma bomba e iluminada, pelo que devia estar aberta. Para não haver gastos desnecessários se parou e eu fui a pé perguntar se tinha gasóleo. Tinha sim senhor. Então vais dar a volta ao quarteirão que eu fico já aqui a esticar as pernas. Tico completamente atestado até paraece que sorriu para a gente. Pelo menos nós ficámos mais como que felizes

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

30 de janeiro de 2006

Um quase plágio


Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

Uma estória verdadeira(49)




"Fio": Estórias à beira-mar

carranca
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Uma estória verdadeira (49) Hoje, 18:17
Forum: Conversas de Café
Eu explico. Nesse cruzamento que mais não é que um ponto em que tem que se decidir se se vira na esquerda ou na direita. Eu votei na esquerda que é para não ser difícil ter de escolher, tal é o hábito. Ou outro decidiu que era melhor prá direita por ser mais seguro. A outra se manteve calada porque para ela era mesmo igual, o GPS dela não dava para tanto, nesse assunto estava às escuras. Mas escusas de estar a pensar que a dúvida chamada dilema era por causa de política que aqui isso não tem encontro marcado nem por marcar. O dilema foi mesmo pelo que te passarei a explicar tão direito eu saiba, assim de modos a que tu entendas a coisa tal e qual ela se passou.
De Benguela até aqui, umas centenas de quilómetros andados, ou será mesmo melhor se dizer umas centenas de quilómetros salteados? o gasóleo se foi gastando e como não tem área de serviço, com gasolina, gasóleo, ar comprimido ou em pastilhas, assim num virar de esquina, tão só mesmo porque não tem esquina, já que a viagem é sempre em frente, o raio do ponteiro do depósito do dito cujo combustível estava a dizer que ele caminhava a passos rápidos para o seco. Se o ponteiro falasse ele gritaria de secura. E até eu sei que depósito seco quer dizer que o Tico não anda. Havia uma reserva numa vasilha, ou coisa lá como é que se diz em inglês, de 20 litros, que estava na referida muito lá para trás sogra. Portanto se entrou no dilema de virar na esquerda e se seguir para o destino que era o Lubango, parar no Caraculo e se a bomba de gasolina estivesse aberta se atestava o dito cujo, e se estivesse fechada se metia a reserva e se andava com o que eu pensava que ia dar para chegar, ou então se virava para o Namibe, se andava os 45 quilómetros e se atestava e se voltava para trás e se seguia então para o Lubango. Sim, porque o destino era mesmo o Lubango porque no dia a seguir eu tinha de estar onde que foi mesmo enterrada a minha placenta, como manda a tradição que eu acabei de introduzir na minha família. Se queres ser feliz tens mesmo que uma vez passar o dia dos teus anos onde está a tua placenta. Se eu ouvi isto noutra boca e estou aqui a plagiar eu sei que não me vão levar a mal. É plágio por boa causa. Guardei para mais tarde o voltar a beber a primeira água que bebi.Aí, o Ti, que é o dono do Tico e lhe conhece melhor que eu e mais uma série de gente que está neste momento a querer dar já o seu palpite, decidiu mesmo que o melhor era virar na direita, fazer o Giraul seguir até ao Namibe, abastecer e voltar para trás. Quem cala consente e eu me calei e lá seguimos. Olha, deu para ver a ponte iluminada com as luzes que foram carregadas durante o dia pelos raios de sol que aqueceram a viagem da gente e ainda deu para carregar as baterias das referidas. Lhes contei e só três estavam a fazer como que greve porque não estavam acesas, vais ver se fundiram de todo e ainda não lhes viram para as virem mudar. Passámos nas hortas, vi a Quipola, atravessámos o Bero, que estava vazio, já que a Lua fazia o favor de nos mostrar alguma pouca coisa. Logo entrámos na cidade e vimos uma estação de serviço toda nova e toda moderna, mesmo como as que tem na Europa e noutros lados que aqui também tem, pensam o quê?! Pois é, temos gasolina, temos ar comprimido, mas gasóleo mesmo é que não temos. Foi logo o que ouvimos mal parámos à frente da referida bomba. Bem que estávamos a estranhar ver a da gasolina com bué gente e aquela parecia estava mesmo só à espera de nós. Armado em grande cicerone, como se nunca dali tivesse saído, mostrei onde é que ficava a outra bomba de combustível. Mesmo ao lado dos Bombeiros, onde antes era uma da Sacor

Passou um fim de semana. Tempo de retemperar forças, rever amigos,
sentir o pulsar do mundo no mundo real. Dizer coisas doces, abraçar corpos
amigos, saltar e pular na imensidão da areia que se deixa beijar por este
zulmarinho que trás o seu perfume desde lá do início dele. Aqui estou, sentado
na areia a vos contar as minhas estórias, ouvir as vossas estórias, embalar-me
nos vossos mimos. Obrigado, fim de semana, onde alguém levou falta de
comparência.
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

kukiou


27 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(48)




"Fio": Estórias à beira-mar

carranca
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Uma estória verdadeira (48) Hoje, 18:39
Forum: Conversas de Café
Chegados ao cimo de um monte e eu me punha a pensar ali acaba esta auto-estrada. Mas logo via que havia outra igual até a vista alcançar. Assim foram uma série de pensamentos sucessivos. De pedra a pedra até ao fim, à desconhecida placa que haveria de aparecer e que diz: ‘Benvindos à comuna da Lucira’. E ali começa o asfalto outra vez. Ai minhas cruzes e outras coisas mais que estavam que nem massa de pão de andar a rebolar. Fiquei a saber mais ou menos como é que um fósforo se sente dentro da caixa num bolso de um casaco qualquer. Agora é uma papa, pensava eu, não manifestando em voz alta para não ser agarrado noutro engano mais uma vez. Com isto tudo passava já das 16 horas, hora de esticar as pernas, abraçar a placa e pensar estou aqui, acorda que não é sonho. Mas foi bom não foi esta ginástica que fizemos? Depois daquele trial, esta estrada parece mesmo uma via rápida. Conduta de água nos paraleliza. No tempo da guerra, me disseram, que tinha ali guardas a tomar conta dela, agora desprecisa de todo e ela ali está. Um ou outro buraco, melhor, uma ou outra falta de alcatrão a nos dizer para andar mais devagar, pois surpresas sempre aparecem e a gente não se quer estragar agora que falta pouco. Lá à frente vai ser Bentiaba. Sim, S. Nicolau do antigamente. Com esta estrada vamos chegar lá num instante, disse eu com voz de quem já não acerta nenhuma. Eu é que levava agora o comando das rodas e o pedal de dar gás no motor. Aprendi depressa o que significam umas pedritas a perpendicular a estrada. Uma ponte de mulola havia ido com a força da água pelo que se tinha de caminhar ao lado do asfalto para entrar lá à frente outra vez e uma série de vezes assim sem conta até que se chegou ao pé de um rio, antes de Bentiaba e se vê que uma chuva daquelas danadas levou a ponte e a estrada que depois do rio lhe era paralela. Uns quilómetros a fazer lembrar os que havíamos passado naquelas horas em que o termómetro chegou só a marcar 47 debaixo do sol. Aqui já se cruzou com uma ou outra viatura motorizada, desde autocarro a candongueiro aqui havia. Mais descansado. Não é bom viver na solidão. Eu não lhe gosto, pelo menos. Pôr do sol e nós estamos cá em cima a ver Bentiaba em toda a sua enormidade. Zona prisional e zona habitacional. Não vamos fazer visita não senhor que eu por motivos outros aí não vou de dar entrada. Uma lágrima a recordar tempos de outrora. Mais umas fotos para recordar. Lá em baixo a leito do rio a mostrar que não chove há muito. Se tiram retratos em todos os ângulos, mesmo contra o sol que se estava a querer ir deitar. Se passa o rio seco por uma ponte, se entra numa aldeia, se passa perto do mar e se regressa à estrada do alcatrão, subindo subida que parece é nos Alpes. Camionetas se vão cruzando, se vão ultrapassando. Há vida, a vida mexe por aqui. Sorriso estampado no rosto sigo em direcção ao sul. O lusco fusco começa a tornar difícil ver mais para além da estrada. Ali deve ser o desvio do Mucuio, lá o da Baía das Pipas e coisas que tal. As placas fazem-me falta. E quem é que andou a fazer tiro ao alvo nos sinais de cimento do tempo ainda da Junta Autónoma das Estradas de Angola. Uns estão partidos mesmo pelo caule e se vê que foi em treino de tiro ao alvo. Sem estrondo caiu a noite. Parou-se a viatura para acertar os faróis. Com tanto salto alguma coisa havia que sair do lugar e só noite dentro a gente podia dar com ela. Faróis acertados há que seguir a viagem. A gente vai dar à estrada Lubango-Namibe ou vice-versa, conforme os amores. Aí nesse triângulo de cruzamento a gente voltou a parar. Parou e arranjou um dilema. Dilema que devia ter sido resolvido de moeda no ar mas não foi. Se pensou. E se se pensa muito às vezes dá asneira. Para variar foi mesmo o que aconteceu

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

26 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(47)




"Fio": Estórias à beira-mar

carranca
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Uma estória verdadeira (47) Hoje, 19:56
Forum: Conversas de Café
Bem, foi mesmo piada. A boa viagem recebida era o sinal que agora é que ia começar mesmo a viagem. Até aqui foi cruzeiro. Mermão diz agora é que é. E era mesmo. GPS marca para aí uns 60 km para ali e é Lucira. Em duas horas a gente faz isso. Pensei eu para comigo mesmo que sempre fui optimista até me provarem o contrário. Marcava só meio dia no relógio de um braço que não era o meu. Ai mãe, comecei eu a gritar mentalmente. O Tico ia de pedra em pedra como a anedota do elefante de nenúfar em nenúfar. Vai ser sempre assim, Ti? Como que a desejar que ele respondesse que não, mas a resposta veio pronta que sim. Eram 14 horas e se parou para almoçar mesmo encostado numa oliveira dessas do mato que não sei se dão azeitonas. Mas as folhas eram de oliveira que essas eu conheço, mas se dessem azeitona elas deviam mesmo de ser bravas para não dizer ruins que o tempo estava seco que nem bacalhau depois de muitos dias ao sol. A geleira a funcionar e a dar-nos bem geladinhas que acompanharam o nosso almoço. Sandes de qualquer coisa foi o prato do dia. Viagem é para continuar que no GPS a gente só andou mesmo menos de vinte quilómetros. Esse gajo está maluco pensei eu, fazendo as contas às curvas, pedras e saltos já dados. Algumas vezes a auto-estrada se bifurcava. Sim, auto-estrada porque tinha nalguns sítios uma faixa para as rodas da direita e outra para as rodas da esquerda. Noutros sítios a pedra não deixava ver o separador central, faz conta está cacimbo. A gente escolhia sempre só uma. Na minha opinião escolhemos sempre a errada porque era pior que a outra. Me disseram logo que não era assim, pois se eu não tinha andado na outra como é que eu ia saber? Mas ia dar sempre no mesmo. Só nos tinham avisado que curvas a noventa graus é que não, não porque ferviam a essa temperatura mas porque isso era sinal de desvio para outro sítio que não para onde a gente queria mesmo ir. Se a curva fosse de menos degraus a gente podia seguir que ia dar mais lá à frente no mesmo sítio. E foi esse o teorema adoptado. Mas lá ia a gente na velocidade estonteante de quase zero à hora, de pedra em pedra, de declive em declive. À direita montes de pedras ali à espera de alguém vai lhes apanhar e servir de brita para uma estrada como deve que ser, à esquerda um buraco de só de olhar já está mesmo que assustar. Olha ali uma cabra, gritou um de nós os três que já não lembro quem foi. E lá estava ela na sua elegância a nos tirar a mira como que assustada. Desatou a correr na sua elegância que lhe perdemos a vista num instante. Gente mesmo ninguém. Não vale pensar em avarias aqui que não vai dar azar. Aqui e ali uma carcaça do que foi um veículo motorizado com muitas rodas. Avariou ali e e ali ficou até virar ferrugem descarnada. Rede de telemóvel era igual que nem as companhias humanas que tínhamos. Quando terá sido mesmo que passou aqui alguém antes de nós? Não se vê poeira nem nos muitos quilómetros que a vista alcança. Nem à frente nem atrás. Noutros sítios escrito em pedrinhas nomes de gente que havia passado ali antes. Quando? Sei lá que assinam e não põem data como querem que eu saiba. Fazendo exame ao carbono? E quando é que eu ia chegar ao meu sul? Fui lendo, registando algures numa página do cérebro para recordar quando for velhinho porque agora eu não me lembro

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

25 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(46)



"Fio": Estórias à beira-mar

carranca
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Uma estória verdadeira (46) Hoje, 19:32
Forum: Conversas de Café
Um pneu queimado e uma pequena placa indicam que virando à direita se vai para a Equimina. Não, hoje a gente não te acompanha lá porque a gente quer mesmo é ir no sul e se tu dizes que esta estrada parece autoestrada ao pé da que a gente vai apanhar, é mesmo melhor seguir em frente e depois na volta a gente vê-se. Promessa feita mas sem saber se ia ser cumprida ou não. Tas a ver a agenda que já desde o primeiro dia se foi esticando que se não fosse de plástico já tinha partido faz tempo. Um grande abraço de amigo mesmo, muitos agradecimentos de todas as partes, água no radiador do vermelho Land Rover que estava a aquecer e não era só do calor, e lá fui um para a direita e outro seguiu em frente. O super dotado Tico seguiu o seu destino ao sul, fazendo o favor de me levar nele numa aventura até ao momento dita de inesquecível. Passamos mais um terra verde na margem esquerda de um rio que estava seco, rio do tempo da chuva. Mas que coisa de não ter uma placa para mais tarde recordar. Se começa a subir e se vê que a terra não é um kimbo, é mesmo uma kimbão, que devia ou é importante que até tem uma pista alcatroada para aterrar um avião desses pequenos. Subida lixada de subir, não só porque é terra batida e tem buracos mas porque a subida tem percentagem de dar e vender. Esta nunca lhe cheirou alcatrão. Essa foi só máquinas para endireitar e escavar a serra para a fazer. De lá de cima se vê que é um vale importante e que tem hortas. Nome é que ninguém sabe dizer e não parámos para perguntar, mesmo se o tivéssemos feito, para variar, eu não escrevia no papel e continuaria a andar aos papéis para lhe dizer o nome. O dono do Tico diz que agora é que vai começar a viagem. Lhe acreditámos e esperámos andar de montanha russa. Mas que nada, a estrada continuava aqui e ali a ser de boa qualidade. Bem, também não é assim, mas quem pensava que ia andar de picada que nem de mosquito isto que até é bom. Mais um rio seco. Na margem direita um esqueleto de casa de cimento que ao que parece foi loja no muito antigamente mas que agora não era mais que só esqueleto. Na margem esquerda duas ou três casas de capim a mostrar que eram provisórias. E eram de pastores que estavam a aproveitar o capim fresco e verde das margens para alimentar os bois. Quatro pessoas eu contei ali. pertinho de uma carcaça de camioneta.
Olá. Olá e boa viagem foi a resposta.

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Carlos Carranca

24 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(45)



"Fio": Estórias à beira-mar

carranca
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Uma estória verdadeira (45) Hoje, 20:56
Forum: Conversas de Café
Se vamos deitar. Com tanta massagem o corpo precisa mesmo é de estar deitado. Manhã cedo é hora de um banho e levantar âncora, combinado está que no regresso se passa aqui outra vez. Mais uma noite de pouca noite.Às 6.00 horas já estamos de abalada outra vez. Desta vez vamos comer um bocado de pó do Land Rover vermelho que vai na nossa frente. Cavirosso vai fazer parte do caminho mesmo connosco. Ele tem o kombu dele lá para aqueles lados virados mais para sul. Diz são só 160 daqui. Assim como que num repente se pára na bomba de gasolina. Alguém se esqueceu qualquer coisa lá na casa pelo que tem de voltar para trás. Mas ainda estamos só a andar faz 5 minutos pelo que não tem maka. Fico ali naquela madrugada a olhar. Simplesmente admirar o movimento de carros e motas mais que muitas. Elas são táxis, carros de duas rodas carregadas de mercadorias. A cidade está acordada mesmo naquela hora da madrugada. Seguimos rumos para a Baía Azul. Só mar e mato. Kimbos vimos vários e a problemática escolar lá está. Escolas a dar com um pau. Aposta vai ser ganha. Eu vi eu acredito. No desvio da Baía Azul desviamos na esquerda. Não estamos interessados em ir na praia. A gente quer mesmo é chegar no Sul. Lá vamos na nossa praia. Feito o desvio se acabou a estrada que eu pensava ia ser assim até ao fim do destino. Já estou a ver que previsões também estou proibido de fazer. Não me deixam cantar e agora eu me engano a mim mesmo com as estradas. Mas os buracos são poucos, comparados com o que já passámos. Outro engano. Mais lá para a frente eu vou ver o quanto estou enganado. Lá seguimos na cauda da poeira. Primeira paragem foi mesmo no Dombo Grande, depois de passar uma estreita ponte que tem como que parque de estacionamento em cada lado. Já sei, escusas de explicar que como só cabe um carro de cada vez e como ela é comprida mais a menos a meio um encosta e lá segue a vida. Acertei? Bué gente passa nessa ponta parece é camioneta carregada na cabeça. Me disseram que é terra natal de um camba que havia de conhecer mais tarde lá em Luanda. Desconhecia por completo essa terra que deve ter sido vila ou coisa assim. Fábrica de açúcar ficou só em esqueleto. Vais ver açúcar já não é rentável. Que percebo eu dessa problemática industrial? Zero completo. Me contaram um pouco da história dessa terra. Entrei na feira. Vi desmanchar uma vaca que podia ter sido boi. Se vende ali mesmo, onde se vê que lhe estão a partir aos bocados. Se vende de tudo. Fruta fresca, verdes e vermelhas. Roupa de marca e roupa desmarcada. Tem que nem loja de centro comercial. Ar livre e sombra das árvores a proteger do sol que começa a querer aquecer a mioleira de quem esqueceu o boné dentro do irrepreensível Tico. Nos disseram que era hora de retomar a estrada, ou mesmo melhor, o caminho. Porque a estrada é assim mais ou menos como estrada e paralelamente à estrada. Fazemos viagem alternando. Assim não tem a monotonia de adormecer ao volante. Não é que a gente deixasse mas…às vezes as coisas podem acontecer. Assim, nesse intervalar não tem a mínima hipótese disso acontecer. E lá vamos nós a dizer estrada boa porque conseguimos andar a 50 km/h e assim num ápice se vê pedras a querer dizer, faxavor sair e passar ao lado. A gente faz. 10 horas da manhã, assim mais ou menos porque não andei de cronómetro a ver tudo certinho, é hora de dizer adeus porque Cavirosso vai virar na direita e a gente segue em frente, que é como quem diz, vai mais para sul
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

23 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(44)



"Fio": Estórias à beira-mar

carranca
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Uma estória verdadeira (44) Hoje, 18:56
Forum: Conversas de Café
Se segue para Catumbela. Revejo parada a refinaria do Cassequele. O seu hospital ainda que funciona, mas não deu para perguntar nada porque foi mesmo só ver da estrada. O rumo estava traçado e o desejo de chegar estava a correr nas veias em vez do sangue. Estação ferroviária da Catumbela. Ponte com sinal vermelho. Ponte que quando se passa para lá, não se passa para cá e vice-versa. Ao seu lado conduta de água segue impávida e vertendo. Ponte nova na entrada de Benguela. Soube depois que era uma nova geração de ponte que a outra tinha caído no dia da inauguração. Coisas de algum bolso sem fundo. Se faz passagem rápida na Praia Morena. Eu queria gravar o pôr-do-sol lá. Azar que ele não esperou por mim e foi-se deitar antes de eu chegar. Lhe xinguei mas sem muita convicção, porque a gente não tinha marcado audiência com ele como ele ia adivinhar? Mais um telefonema e fomos ter na casa do Coelho. Cavirosso para os amigos. Ele e os seus dois metros e muitos quilos. Abraço fraterno. Amigos de muitos tempos de sunguilar. Nem ele sabia como eu era nem ele sabia como era eu. Mas a gente boa a gente distingue só nas trocas de palavras escritas. Muitas estrelas eu tinha que usar para qualificar esta gente que me recebeu em Benguela. Família inteira de simpatia e camaradagem que eu nem sei como posso usar as letras para qualificar. Ai Lolita! Só digo mesmo que ficaram registados no meu coração. Uma birra geladinha para comemorar o nosso conhecimento. Um mimo. Professora simpática fez o jantar com ajuda da filha. Filho mais novo montou o portátil para se escrever duas ou três linhas numa carta dirigida a ninguém em especial. Se jantou e se foi dar uma volta pela Benguela nocturna. Ainda não tinha visto nenhuma cidade com tanta motorizada como esta. Me disseram que amanhã de manhã eu ia ver então como era. Até elas são táxi. Mas numa esplanada estava a dar o Benfica sei lá mais com quem. Todos ali eram Benfica e saíram felizes porque hoje tinham ganho. Coisas. Fui ver o Cabo Submarino. Casa de Ferro e Madeira. Obra de muitos anos em cima. Deu tempo para ver o carro que era para ser do Marta e fabricado pelo seu amigo, aí cabeça que agora não tá a querer funcionar para me dizer o nome. Está mesmo aqui debaixo da língua e num é que não quer sair? Se está a pensar, me dizem, em reconstruir todo para ser carro do Autódromo. Me lembrei mesmo agora, o carro é o Marta-Real, quem lhe estava a fabricar era o Corte Real Pereira, esse mesmo aquele que morreu lá na curva do Lubango onde que estou à espera de passar. Falámos no Areias. Não vimos o Herculano, o senhor Herculano. Visitamos a seguir os geradores que dão luz nas ruas iluminadas de Benguela. Se fizeram críticas. Se falaram coisas boas e más. Se visitou a Clínica que quase que era para ser mas não foi. E eu bebia as palavras daquele herói que fazia o favor de ser o meu cicerone na cidade das acácias. Praia Morena e seu porta-aviões de cimento feito ali está a marcar o tempo e dizer que quem manda é ele, mesmo que nunca na vida tenha feito alguma coisa de forma duradoura. E as motas não param. Todas as ruas têm as suas motos. Jovem adolescente deve estar a galar garina pois faz cavalinhos e outras tropelias. Lhes chamo mentalmente maluco. Defeito de profissão, esquecendo que esse tempo eu também lhe tive, noutra cidade e outras desreponsabilidades. Benguela à noite. Igreja secular. Hotel que parece que é novo mas que já foi, continua a sua função. Catedral, igreja assim como que parecida com a do Sumbe porém com a característica que não tem parede a fazer a pirâmide nem vitral. Está só simplesmente bonita Uma obra de arte mesmo para um leigo como que nem eu. Avenidas largas. Casa Branca fica ali. Ali é a SISTEC. Mas essa está mesmo em todo o lado? Parece mesmo que sim. Mais uma birra, para aguentar a noite que continua a ser pequena porque está marcada a madrugada de partir mais para sul. Vais ver ainda me vou estragar de ver tantas madrugadas seguidas.

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

22 de janeiro de 2006

Hoje já foi Domingo


Hoje quase que já foi Domingo.Mais um dia de sol frio passado sentado na areia à beira-mar, olhos perdidos no horizonte, pensamento vagueando no éter, saindo mansamente à velocidade da brisa que vem do marPara aqueles que merecem meu respeito eu dou o meu respeito. Para aqueles que não o merecem eu dou a minha indiferença. Acho que é uma troca justa. Afinal, pensar como as pessoas pensam não é difícil; aliás, é um optimo exercício de convivência. Desde que não se torne um vício ou uma prisão. O mais difícil é entender o porquê de alguém pensar isto ou aquilo!E lá se foi o fim-de-semana...Amanhã volto ao quatidiano de contar estórias à beira-mar, não como Santo António, segundo o Padre António Vieira, mas aos amigos que silenciosamente ou de forma marcada, vão tendo a paciência de impacientemente se sentarem na minha companhia
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

21 de janeiro de 2006

Porque hoje é sábado

O Leão fugiu do circo. Cansado desta vida, resolveu a bel-prazer, dar uns passeios pelos arredores. Fazia frio, mesmo com o sol de Inverno ao meio-dia, sábado; caminhava todo contente, no entanto, parou abismado diante de um vendedor ambulante que vendia mate. Olha o mate! Mate Limão! Um pouco surdo, por causa da idade, surpreendeu-se com o vendedor que gritava: Mate! Mate! Mate! Pensou em rugir bem alto, para mostrar quem era. O vendedor, teria de parar de gritar Mate Leão! Afinal, ele estava diante do Rei da Selva, é do conhecimento de todos, que lá na selva, eu sou o Rei. Sou o Rei e ponto final. Aqui, não tenho tanta certeza. Como pensar, morre apenas um burro. Leão pensou e acreditou piamente que ainda continuava a ser o Rei, pois, estava na Selva da Cidade. Uma selva de pedra, como costumava a dizer para os amigos ursos. Depois, de muito matutar, filosofar, concluiu que o vendedor ambulante, não falava directamente para ele. E seguiu a sua longa caminhada pelos arredores da cidade. Animais e pessoas quando se encontravam com ele, fingiam que ele não existia, que era um leão de peluche, tamanho XXL.Mais adiante, ao atravessar a mini-feira, ouviu um garoto pedir ao avô, para comprar um mate. Avô, compra-me um mate Leão? O avô comprou. Leão, ficou assustado, mas não ameaçou o garoto, que inicialmente ficou apavorado ao ver aquela fera a dois palmos do seu nariz. Leão, gostou tanto dele que queria dar uma lambidela, um abraço à criança, desistiu, pensando que ela poderia ficar com medo. A sede era tanta, que ao tomar o mate, matou a sede. Leão imitou aquele pinguinho de gente, pediu um natural e o outro de limão. Meu neto querido, podes ficar tranquilo, senta-te que o leão é manso.
Leão, despediu-se da criança e foi em frente na sua caminhada recordando-se que desde de 1928, arranjou trabalho extra na MGM; entrava em cena, para dar uns rugidos e nada mais, adornado por um circulo, com as palavras esquisitas:Ars Gratia Artis, que segundo me disseram, quer dizer: Arte pela Arte.

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

20 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(43)



"Fio": Estórias à beira-mar

carranca
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Uma estória verdadeira (43) Hoje, 19:25
Forum: Conversas de Café
Chegámos à Canjala. Me contaram a estória, as suas muitas estórias. Eu sabia outras estórias. Mermão que faz a trabalheira de conduzir o Tico nasceu por estas paragens. Lá ao fundo, estás a ver, né? Fiz a minha homenagem com um minuto de silêncio, um pensamento mais profundo no meu irmão de carteira de escola e outras carteiras da vida. Ele, lá onde ele que está, sabe de quem é mesmo que eu estou a falar.
Depois, de buraco em buraco lá seguimos com o destino traçado. Parámos ainda numa ponte para eu ver onde mesmo os carcamanos foram parados. Vi os restos mortais de uma ponte que lhe baptizei de heróica. Vi as esculturas feitas pelo tempo nas falésias que marginam este rio em curva. Há quantos anos anda este rio a escavar esta garganta, para eu poder parar aqui e lhe admirar e dizer mais uma vez que se calhar o Arquitecto existe mesmo e eu é que sou parvo em dizer que não? Água corre forte parece tem chovido bué nestas paragens, bom sinal para os campos que eu vejo que estão tratados. Se muda de condutor. Agora temos condutora. A cafeeira virou agora co-pilota e tem missão de nos levar no Lobito.
No marco deitado que diz que daqui a 100 quilómetros é o Lobito se pára para almoçar. São mesmo 13 horas e 45 minutos. Se come a comida feita pela mimada que ficou em Luanda e sem Internet. Bem feita para ela que teimou em não nos acompanhar. Se bebe uma ou duas cervejas bem geladinhas que a arca está ligada no isqueiro do Tico. Safari com todas as mordomias. Já bem comidos arrancamos com a finalidade de não mais parar. Co-pilota protesta porque se desvia de buraco mas parece fizeram um naquele instante porque caiu noutro. Vai ser assim um esse depois de outro e secessivamente assim até ao buraco final. Mas a alegria continua a comandar a viatura. Faltam pouco mais de 100 quilometros para chegar ao destino pré-destinado, que fica para lá desse Lobo pequenino. Feitas mil reviangas, andados quilómetros em contra-mão, umas vezes paralelos ao que foi estrada, lá seguimos no nosso rumo. Como o rádio não captava nenhuma estação de rádio, nem apeadeiro, eu propus-me cantar. Proposta de imediato recusada numa só voz de duas pessoas. Se começa a descer e alguém diz: Lobito. De facto era. A Restinga ali bem vista. Mas logo se denota que como nas outras cidades passadas, a cidade de barro cresceu que cercou por todos os lados a cidade excepto pelo lado do mar que continua lá no sítio dele. As salinas, o que outrora se chamou de salinas, estão agora secas e servem de cagatório público. Pelo menos vi várias pessoas naquela posição que não dá nem para desconfiar do que estão a fazer. Não se entra na cidade que a hora é já de quase noite. Foram cinco horas para fazer os cem que foram feitos. Mas aqui mesmo não se deve usar essa métrica do quilómetro para ver a distância. Acho mesmo melhor usar o buraco. Depois de 2000000 de buracos lá chegamos ao Lobito.

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

19 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(42)



"Fio": Estórias à beira-mar

carranca
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Uma estória verdadeira (42) Hoje, 19:25
Forum: Conversas de Café
Lá se vai novamente pôr o Tico na estrada virada para o sul, destino Sumbe. Essa mesmo que antes se chamava Novo Redondo. Vais ver esta foi fundada por um alentejano. Primeiros quilómetros feitos e se vê logo que o mau bocado ainda está para vir. Se se afasta de Luanda e os buracos parece vieram todos morar aqui. Verdade mesmo o que te estou a dizer. Ou então são os buracos que estão a fazer uma marcha até Luanda e ainda estão por aqui. É que aqui a estrada tem mesmo muita falta de alcatrão. Se vê que nalguns sítios estão até a arranjar. Mas tem cada caverna na estrada que quase o esqueleto do Tico fica lá dentro. Mas o Tico Pajero é resistente e se vai aguenttando nas sacudidelas e abanões. Tá bem claro que a velocidade diminuiu para bem mais de metade. Aqui e ali se vão vendo Kimbos. Que pena mesmo não terem uma plaquita a dizer como se chama. Repito que não poderei um dia dizer que estive ali se não lhe sei o nome. Cada vez se vai vendo ao longo da estrada mais vendedores. Desta feita é carvão. Um dia não vai ter árvore aqui. Se nota algumas carecas bem grandes na mata. Vejo escolas e fico novamente contente. É mesmo aposta do Governo. Se atravessam rios. Uns maiores que outros. Nomes desconsegui lembrar. Vais ver é o Rio Kuanza Sul. Claro que esta foi piada para eu mesmo me rir de mim, mostrar-me que tenho imaginação. Em nenhum rio foi preciso usar barcaça. Ponte mesmo. E vejo que são mesmo novas porque ao lado estão carcaças de pontes que já foram isso mesmo. Entrada triunfal no Sumbe. Árvores enormes ladeiam a estrada. Somos recebidos por uma enorme antena. Vais ver é SISTEC. Quando regressar tenho de perguntar nos meus amigos.
Olha só, Cine Sporting e ainda por cima pintado de verde. Vais ver o espectador perde quando vai ver o filme. Sei lá, penso eu. Parque infantil com entrada parece é aqueles desenhos animados dos Filingstons. Muita nice mesmo. Velho edifício dos CTT todo arranjadinho que até parece é novo. Governo Civil é mesmo novo e bué de bem desenhado. Não lhe entrei pelo que não sei se é obra de arte ou não. Bonito é. Agora o rumo é marginal. Palmeiras de bué metros a rivalizar com a antena da entrada. Praia gostosa. Duas esplanadas novas que uma até roubou o nome mesmo lá no meu deserto e lhe chama de Oásis. Hotel frente à praia, olhar de futuro. Cidade pequena mas afinal o norte tem coisas bonitas. Gostei de te conhecer ó Sumbe e de ver a sua igreja que conhecia dos selos e o seu enorme vitral nas traseiras e parede ondulada na frente, com a sua torre sineira ao lado, mas afastada. Pena mesmo é que dá horas mas o badalo está amarrado pelo que se ouve apenas o esforço dele de chegar ao sino e se se espera o som em vão. Não fosse esta chuva parece é cacimbo e eu dizia aí nos cambas que ia dar um mergulho neste mar. Mas eles iam dizer já a seguir que não se pode perder tempo. Assim não lhes disse nada e seguimos directos à Canjala.

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

18 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(41)



"Fio": Estórias à beira-mar

carranca
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Uma estória verdadeira (41) Hoje, 22:36
Forum: Conversas de Café
Gargalharam e despercebi o porquê.
Queres que eu leve o Tico por uns quilómetros? Não. Vai vendo a paisagem, vai escrevendo no teu cérebro tudo o que vês e depois poderes falar. Reparo na passagem de um Kimbo, 50 cubatas que os meus olhos contam num descontar de coisas que podem ser fornos ou outras coisas parecidas, que tem um edifício de cimento, pintado de cor de rosa velho, mas em tinta que se nota é nova, e outro mais pequeno por trás, uns 10 metros na diagonal. Peço para parar e filmo. A casa maior é uma Escola do Ensino Básico com aparentemente duas salas. Aposta no ensino. Gostei deste registo. Reparo que a casa mais pequena tem escrito em cima ‘Casa do Professor’. Fico com atenção nos próximos kimbos. Se há dois assim mais ou menos perto um do outro, vai para cinco ou sete quilómetros, no meio tem edifícios iguais. Fiquei a gostar ainda mais. Nesta hora da manhã, sendo por aí umas nove eu vejo bué crianças que seguem ao longo da estrada de bata branca, um ou outro vão mesmo com roupa normal, caté camisa do F.Clube do Porto eu vi. Mas mesmo a maioria vai e bata. Vais ver aí no escondido da estrada vai ter mais edifícios destes. Pudesse nós parar e conversar e eu tinha feito, mas me disseram que o tempo não dava. Lá para a frente íamos demorar mais tempos e coisas e tal. Resignado concordei e seguimos sempre a olhar a seta do GPS que dizia agora que era para oeste. Se é que eu ainda sei os pontos cardeais. Vais ver a estrada não é sempre a direito e ainda vamos ter que andar para norte. Porque é mesmo que não fazem o sul sempre para sul? Já sei que é para eu me baralhar todo. Mas estes sítios são todos novos para mim. Cada curva, cada imbondeiro, cada kimbo. Tudo vai ficando mesmo na retaguarda do Tico. O pior é que não tem placa a dizer o nome das coisas e sítios por onde a gente passa. Como é que eu depois vou dizer que já estive ali? Não posso! Eu sei que escrevi tudo na cabeça mas acho mesmo que a emoção fez fazer da cabeça um vazio incompreensível. Mas que linda é esta ponte sobre o Rio Kuanza. Me parece nova em folha. Se paga portagem. Ponte memo que é bonita. Se esta ponte é nova como é mesmo que se passava no outro lado antes? Desconheço e esqueci de perguntar. Mas se é passado vai importar mais para quê? Se segue viagem. Desvio para Cabo Ledo. Mas a gente não desvia que o destino é sul e não beira-mar. Aí uê! Já tou a perceber porque disseram que viagem ia demorar mais que o tempo que eu tinha imaginado. Aqui a estrada começa a aparecer assim com uns buraquios que ficam muito juntos que fazem buraco que quando Tico lhe cai roda num faz um barulho que parece bate-chapas a trabalhar na oficina dele. Me dizem que aqui ainda está bom. Eu já acredito em tudo. Destino mesmo agora é Porto Amboim. Vais ver foi o Sr. Amboim que nos tempos de antigamente encostou a caravela aqui e lhe passou a dizer que o porto era dele. Também não fui procurar, imaginei eu mesmo que seja assim. Desconhecia totalmente esta terra. Quer dizer, sabia que existia e que ficava ali. Também nunca tinha imaginado fazer esta viagem assim por isso não fiz os trabalhos de casa. Tem um cidade de barro a cercar a cidade de cimento e asfalto. Quantas pessoas tem esta terra mesmo? Muitas, é só o que consegui ver e saber. Se entra na cidade. Se vai conhecer o Hospital Dr. Agostinho Neto. Pequeno e simpático. Médico, asiático de aspecto, não lhe perguntei origem porque não apeteceu. Visita rápida que há eu abastecer de gasóleo e continuar o rumo com destino ao sul que é essa a nossa rota. Visita rápida mesmo na cidade só para ficar com uma ideia. Se segue mais para sul. A estrada agora parece está mais picotada que estava à pouco. Em sítios mesmo que é melhor andar ao lado dela que nela. Lá dentro do Tico se dança sem música. O ritmo é comandado pelo saltitar de buraco em buraco.
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

17 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira (40)


"Fio": Estórias à beira-mar

carranca
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Uma estória verdadeira (40) Hoje, 22:10
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Se encosta para fazer as últimas ligações para ver se se arranja a Internet lá para a teimosa não ficar muito chateada. Se anda em velocidade cruzeiro de 100 à hora que a estrada deixa e o trânsito também. Se decide que a primeira paragem vai ser no Miradouro da Lua. Aceitei. Sempre queria ver essa coisa que só conhecia de ver nas fotos e postais e muitos me tinham dito que era crime se eu não lhe conhecesse. Imbondeiros, club de golf, autódromo, outros imbondeiros, tudo vai ficando para trás na velocidade estonteante do Tico. Os olhos não param de olhar. Às vezes a máquina de registo também dispara para mais tarde recordar. Ups. Estava ali um buraco que não deu para desviar, barulho seco se ouviu mas nada aconteceu. Mas estrada estava tão apetitosa que o pé direito ficou num repente assim como que pesado. Chegou-se ao Miradouro da Lua. Fantástico. Divino. E o Zulmarinho ali em baixo que deve ser bué fixe parece que está a chamar por mim e eu sem tempo de lhe dar importância. Memorizo. Tudo fica registado. É vídeo, é fotografia, é cérebro e se mais alguma maneira houvesse eu usava. Tudo serve mesmo para marcar aquele encontro. Eu e o meu mundo. O mundo da Lua. Secretária agora virou cafeeira e prepara o café das 8.00 horas. Mais uns quantos telefonemas, alguns em inglês, para resolver o dito referido problema do satélite. Coisa demais para a minha cabeça que está ocupada a registar tudo e ainda me ia meter no espaço à procura de ligação e viajar tipo e-mail? É mesmo melhor ficar só a admirar esta fantástica paisagem que fica aqui debaixo mesmo dos meus pés. Vais ver ainda começo a acreditar nesse de Arquitecto que construiu essas coisas aqui todas e as que os meus olhos ainda hão de ver mais lá para a frente. Bebo café e filmo. Hora de seguir rumo a sul. Cem metros andados e encontramos camioneta sem uma roda e moço deitado a descansar lá por baixo. Lhe falámos e ficámos a saber que faz três dias ali está à espera de peça vem de Luanda que fica ali mesmo ao pé. Vais ver Lua não tem peça e vai ser importada. Repartimos nosso pequeno-almoço e seguimos, seguindo a seta do GPS que dizia Porto Amboim é para sul. A estrada caté num está mal. Cambas me haviam pintado uma coisa e me estava a sair outra coisa que por sinal de sinal mais que positivo. Vamos fazer isto tudo num pulinho até Benguela, disse eu, certo que estava a dizer o óbvio.

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

16 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(39)



"Fio": Estórias à beira-mar

carranca
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Uma estória verdadeira (39) Hoje, 20:32
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(passado que foi o fim de semana eis-me de volta - a Esplanada mudou de nome, agora é Estórias à beira-mar, como que assim sentado em roda e se bebendo e contando)
Se teve o direito de dormir só meia noite. Há quanto tempo mesmo é que eu não durmo uma noite inteira? Mas que importa mesmo, cate parece que vieste para aqui dormir ou quê? Este tempo está mesmo a ficar mais curto que aquilo que estava habituado. Olha mesmo se eu dormisse a sesta como ia ter tempo para fazer metade daquilo que quero fazer? Acho mesmo que aqui a hora tem menos minutos que os que marcam o relógio que não tenho. Despertador está para as 04.15 horas e me estão a chamar são só mesmo 4 horas. Aqui alguém anda a fazer batota. Me querem pôr os nervos assim como que na flor da pele que não é nem nada parecido com flor do Congo. Mas se dizem que tem de ser, olha que seja que não estou para ficar com fama de sorna. Me levanto. Lavo as partes mais íntimas e as outras também. Me avisam que não sabem quando isso vai acontecer outra vez. Se gargalha porque impera a boa disposição. Se ouve o barulho do romper da aurora. O céu está cinzento porque tá a cair aquela chuva que dizem molha tolos mas se assim é, eu estou descansado, passo ao lado dela. Há que acabar de arrumar o Tico. Mala lá para cima da sogra. Vais ver é mesmo para a sogra não protestar muito na viagem. Mais coisas há pelo que no minúsculo espaço tem que caber o maiúsculo possível. Mais coisas para cima da sogra. Até aqui a sogra sofre. Se põe uma lona, não vai ela ficar constipada e depois é ouvir os espirros dela a toda a hora. Tá tudo? Acho que sim, respondi eu sem saber mesmo o que estava a responder porque nem deu tempo para pensar enquanto saia a resposta. Tá na hora. 5.00 foi a hora marcada e passam já alguns minutos dela. Vais ver este atraso vai dar confusão já na passagem por Luanda. Te estás a esquecer que temos de ir do norte para o sul? Respondi mais uma vez que não tinha esquecido. Também àquela hora tanta pergunta que o cérebro ainda não está pronto para ser usado, pensam ele é uma máquina de carregar no botão e está pronto a funcionar? Tem que se lhe dar tempo. Secretária, futuramente co-pilota, diz que se já se arrumou tudo e o melhor mesmo é ir descansar mais um bocado. Todos nos rimos mas ninguém lhe deu ouvidos. Fiquei com pena, mas nada respondi ou disse. Beijos de despedida na mimada que fez birra para ficar porque tinha que fazer isto e aquilo e aqueloutro mas estava sem Internet ainda era castigo dos deuses e coisas mais. Se arrancou, agitando as mãos na forma de adeus. Já tinha trânsito mas não dava para estudar como iam os outros carros. Hoje se anda. Devagar mas se anda mesmo. Quando se chega mais perto do Alvalade é que começa mesmo a se ver que vai haver confusão. Depois no Prenda se olha e a confusão é mesmo de quem vem do sul para o norte e não no vice versa. Se anda bem. Se vê milhares de candongueiros. Se vê um ou outro mas raro machimbombo. Vais ver isso é falta grave. Mas eu hoje não posso pensar nessa problemática. Eu decorei o mapa, o que viria a mostrar mais tarde que era mentira. Tanto pormenor que quando se passou Benfica já não sabia onde é que estava. Se passou Luanda Sul, se andou. Há rede no telemóvel

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

13 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(38)



"Fio": Estórias à beira-mar

carranca
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Uma estória verdadeira (38) Hoje, 22:34
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Mermã do coração, acho, passou o dia na cozinha. Vais ver ela pensa a gente vai ficar num hotel de muitas estrelas chamado relento. Mas não lhe contrario que ela não gosta de ser contrariada. É mesmo mimo dela estar a fazer tudo que nem nos falta nada. Fica-se assim mais ou menos com tarefas divididas. Eu, para variar sou o homem da máquina e por isso registo para a posteridade os movimentos de cada um. No tejadilho é posto uma coisa que chama acho eu sogra. Mas porque ela foi para aqui chamada se ela está até longe? Opa, não sabes que é para pôr bagagem que o Jeep ‘Tico’, tem bagageira curta e não cabe quase nada? Pronto. Ok. Não vale mesmo ficar zangado. Eu sei que não estás, mas se fosse eu estaria. Não percebes nada de viagens e estás aqui a mandar postas de pescada. Mas, tu, mermão, explicas tudo direitinho que eu percebi logo na primeira. Está decidido que lá em cima vai mesmo a mala que foi estragada em Lisboa. Assim como assim pode ser ela fica desempenada.
Agora são horas de ir a Luanda jantar a comida feita pelo primo que é como quem diz pela cara-metade e pela tua cunhada. Tas a querer enganar mesmo quem? Na família homem na cozinha é mesmo só para ir buscar umas geladas na geleira. Casa bonita. Como chama mesmo esta zona?
Tá como que na hora de abalar, atravessar a Luanda da noite calma, ir descansar, fazer e se possível escrever todos os planos da viagem que nos vai levar no sul do meu contentamento.

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

12 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira (37)


"Fio": Um café na Esplanada

carranca
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Uma estória verdadeira (37) Hoje, 22:10
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Temos hoje para preparar tudo que amanhã é mesmo como que o dia de partir. E não te esqueças que logo ainda temos que ir jantar na casa do primo que não lhe vejo passa dos 30 anos. Percebes alguma coisa de mecânica? Respondo prontamente com um não. Sei ver o ar dos pneus e meter combustível. E me ponho a pensar que mesmo lá na Europa se avaria o carro numa das brutas estradas a primeira coisa que faço é mesmo abrir o capot do motor e olhar. Mais que isto nem sei fazer. Então para quê que abres o capot? Sei lá. Acho é mesmo reflexo condicionado. Pode ser uma corrente de ar nele lhe faça espirrar e se pôr em andamento. Sei lá. Perguntas cada coisa. Nessa parte mermão ficou esclarecido. Só mesmo ele podia desenrascar se tivesse que ser. Vamos na SISTEC ver essa coisa de satélite e coisa e tal? Achas mesmo que é preciso? Sei lá. Falo porque eles disseram essa coisa. Mas tas a perguntar a um móvel dependente porquê? Achas que não? Faz mesmo assim como quiseres que eu estou que nem aí. Decisão tomada. Vais mesmo só com o telemóvel e onde ele tiver rede ligas. Se aproveita esta conversa de linhas e redes e se liga para uns cambas conhecidos ao longo da linha traçada por nós num mapa decorado. Conhecer de conhecer olhos nos olhos a gente não conhece os cambas, mas conhece doutras formas de conhecer e se criar amizade que não só é bonita como cria cumplicidades de um sistema de códigos internos nossos como também uns quês de mistério que se vai desvendar quando olho no olho se disser eu sou este e tu és mesmo tu. Voltando ao mapa para dizer que o que a gente tinha dava mesmo para ver só se tiver parede para pendurar ele, é mesmo daqueles mesmo que tem na sala de escola. A gente não sabe quando chega e nem sabe onde a gente vai passar, mas a gente vai passar nalgum sítio isso a gente sabe que vai. Agora parar é que é mesmo a incógnita. Mas assim a gente possa a gente te avisa. Era assim mais ou menos os telefonemas feitos
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

11 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(36)



Fio": Um café na Esplanada

carranca
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Uma estória verdadeira (36) Hoje, 22:48
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Que vale é que a agenda que está bem organizada pela secretária, que tal como os semáforos, é invisível nesta estória, mas funcionante e eficaz. Sem ela não era possível cumprir todos estes horários e correr todas as ruas e vielas, subir todas as escadas e percorrer todos os caminhos que seguem numa rota definida ao sabor de ventos e marés. Todos os assuntos estão tratados em Luanda. Todos penso eu, mas enganadamente, como demonstrarei mais lá para a frente se ainda me lembrar.. Mas agora é mesmo hora de preparar a viagem rumo ao Sul. Avião ou carro? Meio mundo diz é melhor mesmo ir de avião. Outro meio não diz nada porque não lhes perguntei. Mermão do coração diz afirmativamente, não dando mesmo meio de dizer que não, vamos de carro e no meu. O ‘Tico’, lhe chama ele, está ali mesmo na espera de nos pôr no caminho cate parece é verdade, pois cada vez que passo na frente dele sinto ele a dizer baixinho para lhe escolher. O meio mundo que fala diz mesmo que as estradas estão más, tem muito buraco e pouco alcatrão. Vão andar quilómetros e não ver ninguém, se tem uma avaria como é que vai ser? Tem isto e mais aquilo. Por ali não dá que demoram muito mais tempo, por lá não vale nem pensar. Camba que está que nem habituado de todos os fins de semana ir nessa coisa de 4 vezes 4 ou sei mesmo como fazem, diz que se eu fosse vocês, sozinhos, não ia. Mas mermão do coração diz só que não tem férias vai nos 3 anos e que se for para ir no ‘Tico’ ele que vai, que tira as férias. Eu cá dentro estou mais que entusiasmado mas não lhes mostro. Não lhes quero influenciar nos conselhos que afinal fui eu mesmo quem pedi. Amanhã vamos mesmo ver tudo bem direitinho que a decisão de ir para sul é mais importante que mesmo o modo que ir. Mas eu que sempre vivi mesmo no alcatrão, que na areia do deserto não andei mais que umas quantas noites, que nas picadas do mato andei pouco mais que uns mil quilómetros, sempre no referido dito cujo sul, no tempo em que ainda não pensava ou se pensava, pensava mal, mas isso é outra estória que não é para misturar com esta, porque não tem ponto de união entre ambas e só ia mesmo aumentar mais a confusão que já vai na minha cabeça. Falta telefone satélite, falta assistência em viagem, falta bússola, canivete suíço, falta água e gasóleo. Por mim decisão que está mais que tomada, desda a primeira hora em que via electrónica se falou disso. Mermão, depois de dormir sobre o assunto a decisão está tomada na unanimidade de mim e eu. Vamos mesmo no ‘Tico’

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

10 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(35)



"Fio": Um café na Esplanada

carranca
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Uma estória verdadeira (35) Hoje, 18:11
Forum: Conversas de Café
Depois de mais uma noite bem dormida. Que fiz eu depois de deitar? Não me lembro. Acho que dormi tudo de uma vez só. Esta vida de férias sabáticas tem coisas que a coisa não entende. Cansa para mais não sei o quê. Eu já disse aí para trás que estou a gostar de aprender a conduzir aqui em Luanda. Vais ver se conseguir sair daqui ainda me vou espetar na primeira rua lá do fim do zulmarinho. Mas não vale a pena pensar em desgraças futuras que isto aqui não é bola de cristal. Mas levar-me pelas ruas de Luanda, confesso que quase me sinto realizado e divertido. Não há nada mais divertido! É verdade que custa entrar na dita cuja de quem me estou a enamorar, dada a quantidade mais que muita de candidatos ao mais puro e radical divertimento e é claro que os que lá estão não querem perder o lugar privilegiado que já ocupam, não vão depois ficar com uma visão deficiente do espectáculo. Mas vale a pena a demora. Quando finalmente entramos naquele pára arranca que começa logo ao sair de casa, dá um gozo do caraças aquelas horas intermináveis e achamos por bem empregue os custos de tempo e a dor que pouco depois já sentimos na porcaria da perna de embraiagem ou do pé no travão. O outro pedal fizeram mesmo para quê? Divirto-me então com o espectáculo propriamente dito Em média uma pessoa por carro, se tirarmos os 16 que vão no candongueiro, que isso de se juntarem mais num mesmo carro, é uma coisa aborrecida e depois chegavam todos ao mesmo tempo ao destino, que chatice, e era capaz de nem dar para fazer tudo o que há a fazer durante o trajecto. Por exemplo aquele senhor com cara de poucos amigos e um bruto Suv da Mercedes não poderia ir a ler o jornal, a falar ao telefone e ouvir o rádio e a tirar macacos do nariz. Tudo no mesmo instante de tempo. O outro ali na terceira faixa com cara de puto de fralda não poderia ter a conversa animada ao telemóvel. Aliás, a pessoa que está no outro lado da linha deve ser muito bem disposta, ou estava a contar anedotas porque o fraldeco não pára de rir. Ao menos podia ter posto aquilo em alta voz para nós nos rirmos também. Há pessoas muito egoístas. Olha só aquela dama ali com ar de quem vai na festa importante, que no intervalo do pára e nunca mais arranca depila as sobrancelhas, põe creme e ainda pinta os olhos. Eu por acaso achei que estava mais bonita antes daquele colorido azul que está a pôr na volta do olho. Faz-me lembrar as pinturas de quando eu era pequeno, mas reconheço a minha falta de jeito para apreciar essas colorações nas mulheres. Gosto especialmente de fiscalizar as obras intermináveis que têm a vantagem de entupir o fluxo estanque do trânsito. Dá para ver que se está a trabalhar. Adoro apreciar os candongueiros. São condutores exímios, que levam o tempo todo a cirandar de uma faixa para outra, até onde nem faixa tem, realizando um sem fim de malabarismos com os respectivas carrinhas azul e brancas e no final conseguem chegar ao fim do espectáculo 2 minutos mais cedo que nem eu. Isto se entretanto não encontrarem outro candongueiro com um pé de travão mais lento e depois acabam por ficar 3, 4, 5 ou sei lá quantos ali parados a conversar sobre o novo formato que os seus carros adquiriram, enquanto todos os outros vão passando muito lentamente, talvez porque estejam cheios de inveja de não serem os actores principais. Entretanto, no pára arranca, os semáforos invisíveis passam a verde e desatam todos a acelerar até ao próximo semáforo invisível, onde se pára outra vez e se continua a admirar o espectáculo mais divertido que ida ao cinema. Neste espaço de tempo temos o prazer de ouvir aquela espectacular música dos que têm mais do que uma aparelhagem de escape sofisticada, donde aliás, também sai um fumo como acontece em alguns concertos e discotecas, alguns até têm daquelas luzinhas psicadélicas de azul mais que forte em vez dos estúpidos faróis que convenhamos para alguns condutores parecem não ter utilidade nenhuma. E pronto, hoje só tive pena de não ter visto actuar aquele senhor que vi num outro dia a conduzir com uma mão e na outra a maquineta de barbear a fazer massagem na cara. Provavelmente é professor e portanto está de férias ou entra mais tarde hoje. E ver as montras? Todas as utilidades e inutilidades desde que móveis estão aqui e ali em exposição. Qual shopping qual quê. Aqui está o puro do meu divertimento. Olha ali aquela dona sentada numa pedra com garrafa de litro e meio. Ela vende mesmo o quê? Óleo para o carro. Deve que ser mesmo óleo de travão que aqui deve ser como álcool, se evapora com o calor num instante. Tas a ver que tem profissão útil e pouco desgastante. Mas mais uma entrada triunfal nesta linda cidade de Luanda.
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

9 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(?)

"Fio": Um café na Esplanada

carranca
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Uma estória verdadeira (?) Hoje, 15:31
Forum: Conversas de Café
Mermão, esta que vem na sequencia das outras mas não faz parte nada mesmo das outras por isso que está assim sem número que é para não atrapalhar. Tás-te aí a perguntar onde é que eu andei dois dias que não vim aqui te contar estórias, a verdadeira ou outras mesmo. Mas sabes, mermão, que não posso estar sempre assim aqui a te contar estórias, beber as birras geladas que não interessa a marca desde que loiras elas sejam. Preciso também alimentar o corpo, a alma, saber das ruivas, sabes como estão a crescer as ervas daninhas e as outras que às vezes a gente diz que se danem mas lá no fundo a gente se dana mesmo. è preciso, mermão, ir apanhar ar, beber a água da inspiração que náo é só transpiração que a gente tem de botar. E sabes, mermão, ainda aí um gringo, tá a fazer pressão que eu devia em vez de te estar a contar as estórias aqui na esplanada, perfumada com a maresia deste zulmarinho que termina aqui mas que tu bem sabes onde começa, mas te dizia, para não perder a meada do fio, que ele me está a tentar dizer-te que as estórias tÊm mais encanto se escritas no papel, do que na voz da minha boca. Tás a ver o dilema que eu tenho. O dever que te habituei a estar aqui na santa pachorra de me ouvir, na minha ginástica mental para te contar estorias verdadeiras mesmo que não tenham acontecido, a pressão que não é das artérias mas começa algures onde tem massa cinzenta. Assim, mermão, aproveitei dois dias para arrumar o sótão das estórias, arejar a pele que me veste, limpar os olhos com outras vistas que não sóa tua cara que te sentas aí na minha frente e fazes cara de quem está com atenção ao que te conto.Vá lá, mermão, paga só mais aí umas quantas para que eu possa ter força para continuar aqui a te contar as estórias que vi lá no outro lado da linha recta que é curva.
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

7 de janeiro de 2006

Tão difícil ser adulto

Não é fácil ser-se adulto. Basta dar uma vista de olhos pelos títulos dos jornais para que o cepticismo corroa a nossa cabeça: violência, desemprego, terrorismo, crise. Sempre e só crise. É até às vezes uma tarefa inglória alimentar sonhos, quando estamos tão ocupados a procurar maneiras de arranjar dinheiro para pagar as contas no fim do mês.
É por estas e por outras que admiro as pessoas que, mesmo lutando pela sobrevivência no dia-a-dia, conseguem manter viva a criança que trazem dentro delas. Não é tão difícil identificar alguém assim no meio da multidão acinzentada: basta-me procurar por alguém com sorriso fácil, capacidade de rir de si mesmo, cara do Snoopy ou que possua a mania de encontrar nuvens com formatos bem definidos pairando no céu.

Imaginação, eis o diferencial. O aspecto que mais admiro na infância está na capacidade desconcertante que as crianças possuem em ver cada detalhe do dia-a-dia de maneira espontânea, talvez por ainda não terem sido moldadas pela visão estereotipadamente azeda dos adultos. Porque uma criança possui a mente aberta, quer seja para acreditar no Pai Natal ou no coelhinho da Páscoa, quer seja por recriar as coisas do mundo de acordo com o poder de sua imaginação.


Faço a seguir um Top 10 de reminiscências e coisas nas quais acreditava quando eu era criança. Algumas lembranças podem soar a tolas hoje, mas ao mesmo tempo me dão saudades de uma época na qual eu era menos céptico e mais inocente.

1) Quando eu era criança, acreditava que as estrelas eram os olhos dos céus, que piscavam de vez em quando para que eu soubesse que havia lá algo em cima a olhar cá para baixo a controlar as traquinices que me passavam pela tola. Naquela altura imaginava eu que ainda não tinha cabeça, coisa de adultos.

2) Quando eu era criança, assistia aos desenhos animados do início dos filmes com mais avidez com que assistia aos próprios filmes. Uma das maiores frustrações de minha infância foi essa: nunca ter comido os feijões que cresciam até ao céu
3) Quando eu era criança, alguém me dizia que eu devia deitar fora todas as sementes de melancia, porque se as engolisse uma delas por acidente nasceriam outras melancias dentro do meu estômago. E dava comigo a pensar: será que é assim que as mães ficam grávidas.
4) Quando eu era criança, mantinha sempre os meus olhos atentos ao chão, porque acreditava piamente que um dia encontraria uma lâmpada mágica igual à do Aladino. O único problema é que o génio provavelmente só saberia falar árabe, e eu ficava angustiado a pensar em como conseguiria fazer-me entender. Mas sempre tive na ponta da língua o que seria o meu primeiro pedido: quero que o senhor me conceda mais cinquenta desejos.
5) Quando eu era criança não queria que a noite chegasse com medo que ao acordar fosse adulto.
6) Quando eu era criança, acreditava que sempre que chovia nos dias de Finados, essa água seriam as lágrimas derramadas pelos mortos que ficavam emocionados ao ver as suas famílias a visitar (ou não) as suas campas.
7) Quando eu era criança, diziam-me que se eu imitasse um gago por mais de cinco minutos, ficaria assim para sempre. Desde então, toda vez que eu imitava um gago, ficava de olho no cronómetro do meu relógio à esperava até que dessem exactamente quatro minutos para parar a brincadeira.
8) Quando eu era criança, apaixonei-me pela Rita Pavone. Talvez seja essa a razão da minha atracção por ruivas, na adolescência.
9) Quando era criança não percebia essa coisa de AMOR. Encontrar a alma gémea e coisas do género. Se ela morar na Austrália como a iria encontrar?
10) Quando eu era criança, não imaginava que um dia havia de estar a escrever estas baboseiras

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

6 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(34)



"Fio": Um café na Esplanada

carranca
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Uma estória verdadeira (34) Hoje, 18:02
Forum: Conversas de Café
Gasosa? Não, eu só mesmo bebo cerveja nacional. Pensas eu sou rico para estar a beber importada? Hoje coube mesmo a vez de provar a Nocal. Está rara essa cerveja mesmo aqui em Luanda. Vais ver eles só fabricam mesmo para o bairro deles. Cuca, Eka e Sambila se vai vendo por aí. Mas N’Gola e Nocal é que é mesmo quase impossível. Digo quase porque aqui perto do 1º de Maio te encontrei ó Nocal desaparecida e fugidia. Com estas voltas e voltaretas, este ver de montras sem sair da viatura é bué fixe. Estou aqui estou a gostar de conduzir em Luanda. Falta mesmo só vir carro voador e outro rastejador. Divertido. Mas tem cuidado que hoje não podes estar já em avarias pois logo tens jantar de favas com estrecosto num restaurante português de Braga cuja cozinheira é alentejana e senta com muito gosto na nossa mesa. Mesa grande. Combinação antiga de gente amiga. Meus pais emprestados e meus irmãos de coração me estão a acompanhar nesta árdua tarefa de aviar dois tachos maiores que sei lá o quê de favas. Boas que nem vos posso contar todo o paladar que esse eu lhe quero resguardar na consciência. Cambas todos lhe louvaram nas mãos da fada da cozinheira. Azar dos azares é que o referido dito cujo restaurante fica mesmo de pertinho da sede desse Benfica que até tem ave agarrado na bola aqui no passeio. Vais ver ela tá com medo ela fuja. Aí me estou de dar em pensar que deve ser mesmo daquela loira do deserto a estátua feita de cimento. Me está a cheirar a mão dela nessa coisa de ave agarrada na bola. Mais uma noite que vai ser curta. Será que as noites de Luanda são sempre assim tão curtas? Se vai acumular e depois não tenho nem forças para levantar as pestanas. Mas tem de ser e o que tem de ser tem muita força. Nova voltinha de volta ao Cacuaco. Mermãos devem que estar cansados e fartos de me aturar. Mas se aguentem que o tempo do calendário se esgota e depois vão ter tempo de estar sem mim. Mais um cházinho para ajudar a digestão. Peso na cama ainda vai fazer ela virar semi-circulo. Depois, manos, mandem só a conta que já sabem que eu não pago. Vos fico a dever tal e qual a gratidão pela forma mais que doce como me receberam e me trataram. Mas isso é rosa de outro rosário.

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

5 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(33)


"Fio": Um café na Esplanada

carranca
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Uma estória verdadeira (33) Hoje, 20:36
Forum: Conversas de Café

Volta na mesa grande e na mesa grande se tiram fotos, se trocam gargalhadas e se marcam encontros novos. Agenda vai ter que ser mesmo de elástico para caber tanta marcação.
Nesta hora de despedida chega miúdo de outras eras que vem com sua dona. Desconseguiram lembrar de mim. Vais ver não tomam as vitaminas cerebrais ou então estão com medo eu lhes vá pedir uma camita ou camisa. Eu sei é mesmo é falta de memória. Lhes cumprimentei também com um seco olá, assim eu estivesse a beber um seco matini. Andámos noutras conversas que as gentes que nem são iguais aos demais e parágrafo.
O sol se está deitar por trás da ilha que afinal é península. Qual cóboi do faroeste saco da máquina e desato nos disparos. Mais um Pôr-do-Sol lindo para a minha colecção.
Depois de ouvir o brum do cair da noite, cada uns nos seus carros se dirigiram para os seus territórios. Eu e minha comitiva que era composta mesmo por 4 pessoas temos de atravessar Luanda de um lado no outro. De sul para norte. Viagem é rápida dentro do rápido que é andar em Luanda.
Como eu gosto de te passear na noite.
Chegados lá no Cacuaco, se aqueceu um muzungué e foi verter umas outras enquanto mana de coração fazia um chá de hortelã. Mais uns dedos de conversa. Porque é que a gente tem 20 dedos e fica na conversa até às tantas se amanhã tem outra vez de acordar cedo e dar as voltas que as voltas têm que ser dadas dentro dos dias do calendário. Esse não é elástico como minha agenda. Mas temos pena, isso temos. Noite dormida que nem chumbo. Também com tanto exercício feito ontem querias mais como? Nova jornada nas ruas estreitas que se alargam á noite. É verdade, são tão estreitas que quatro carros não cabem lado a lado mas lá andam. De noite é bem mais bonito. Verdade verdadinha diria a minha avó se estivesse aqui a contar-vos esta estória. Prontos, ela não está eu continuo só com ela na lembrança. Hoje deu para reparar que as bichas na gasolina é mesmo bué de grande e não tem falta nem uma vez só. Porque é que tem sempre bicha ainda nesta coisa? Me respondem que não sabem nem compreendem mas que ultimamente é assim. Pronto, fiquei esclarecidamente ignorante na matéria. Já sei, são muitos carros a meter 100 kz e depois dão a volta e voltam outra vez. Gostam de estar ali na conversa. Vais ver é isso e não mais que isso e já estava eu a imaginar um filme. Ou então as bombas são poucas para tanta cidade. Mas eu lhe vejo tantas. Mesmo assim vamos fazer mais como? Fica na bicha e te aguenta. Cumprida mais esta maratona há que vir á tona e cambiar de sentido para ir mais directo ao assunto de hoje. Mais uns Serviços Públicos a visitar e tratar uns trecos, pouca coisa se diga. Mas visita de estudo tem destas coisas. Vais falar mais do quê se não souberes. Vais falar só de ouvido? Ainda por cima sabes alguma nota de música? Tens mesmo de tocar em pauta. Pensavas vinhas aqui ficar refastelado ao sol? Pois é, pois. Mas não ficas. Se consegue mais um degrau
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

4 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(32)


"Fio": Um café na Esplanada
carranca
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Uma estória verdadeira (32) Hoje, 17:20
Forum: Conversas de Café
O kadengue que foi connosco e não lhe interessa essa conversa de pré-cotas lhe atira a linha de cana de pesca para longe depois de pôr a isca que nem eu sei bem o que era pois que no meu tempo só se ia à pesca no sentido figurado da rede. Vais ver, miúdo, hoje os peixes estão de férias que nem te pica unzinho para te encher de alegria. Mas também o que conta isso se tu mesmo estás a gostar de estar ao lado destes mais velhos que parecem têm a tua idade. Mana mais velha mas não tanto parece engoliu um disco riscado pois só ri parece não acabam as anedotas. Ouve-se no imaginário o sino a tocar para meter combustível nos estômagos mais que vazios. Regresso à volta da mesa e se agarram as muitas merendas do pic-nic e num auto-serviço se vai aviando umas e outras até que mermão com barba cor de cinza se agarra no violão e recanta músicas de serenatas de então. Intercala com uma e outra nova que lhes desconhecia. Mermão, acho mesmo que desconseguia ver-te como professor e ver-te bem como tocador dessas músicas de intervencionada intervenção. Cai assim uma gota desse mar que ficou retida no olho, resvalando pela cara. Te gosto cada vez mais, mermão. Lhe acompanha noutra voz a filha aí do camba mais novo. Direitos de lhes representar eu pedi mas me disseram que não. Que eu não tenho jeito. Ponto final parágrafo no assunto porque eles mesmo sabem que é mesmo essa a razão. Se passou assim, música atrás de música até que no final da tarde lá estava o arrumar das gimbambas que os barqueiros estavam aí para o retorno ao continente que lá ao longe se une nesta ilha que é península.
Arrumadas as coisas nos carros é hora de ir beber o último copo onde havíamos começado o dia. Mesa grande rodeada de muitas cadeiras, lá se sentaram os que podiam, que os outros ficaram mesmo em pé. Na hora de voltar do Mussulo vais ver toda a gente faz aqui paragem obrigatória para retemperar forças da viagem da festa. Acabou agora mesmo o campeonato de futebol e o meu clube não é campeão. Vejo festas no ecran de uma televisão e desconheço mesmo quem foi que ganhou. Pergunto numa outra família que estava ali mesmo a ver a bola. Me responderam perguntando qual era mesmo o meu clube. Eu lhes respondi e eles me disseram mesmo assim, então perdemos! Daí fui na casa de banho verter as águas e no regresso os mesmos me perguntaram se eu tinha ido aliviar o líquido da derrota. Rimos e ali naquela mesa de quem eu não conheço vertemos mais uma para afogar a nossa tristeza de termos perdido, se bem com clubes diferentes.
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

3 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(31)



"Fio": Um café na Esplanada

carranca
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Uma estória verdadeira (31) Hoje, 19:42
Forum: Conversas de Café
Mas sair deste mar salgado é coisa que não apetece nem pensar. As pernas já não têm a força para segurar o corpo na areia e então parece bola de ‘bolingue’ a ir nos mecos que mais não são que as pernas dos que ainda se conseguem aguentar de pé e se lhes derruba como que uma facilidade de elefante em loja de cristal. Se resolve a questão com a caça sentada das quitetas que parece estão ali à espera de serem recolhidas para um saco de plástico desencantado não sei onde. Sentado umas vezes, outras mesmo deitado, rebolando involuntariamente na força espumosa destas ondas lá se segue a missão de arranjar um petisco. Camba mais novo é o rei da apanha. Também nome dele se parece com maresia. Vais ver ele tem faro para ver mesmo onde elas é que estão ou então muitas horas de treino neste desporto radical. Camba da barba cinza está ali, rebolando na areia que até parece croquete. Todos na árdua tarefa de fazer aperitivo. Três irmãos de outras eras juntos nas tarefas de outras eras. Foi o recuar do tempo num olhar de futuro. Esses mesmo três que se lembram logo de me recordar do biquini azul do toldo cor de laranja. Estes mesmo que até parece nem cresceram, ficando só com cara de avô só porque os relógios é que não quiseram parar e as barrigas cresceram de estarem sentados a contar estórias de engatar. Alguém diz que é hora de regressar ao ponto de partida na costa que fica no contra da contra-costa. Pesaroso lá acato a ordem e lentamente vou deixando aquelas ondas para trás. Minha alma fica para atrás agarrada a uma kianda. Lhe forço com a força que me resta e lá consigo descontrair nessa força que me empurra no sentido da ordem, outra na desordem. Ganha a primeira e seguindo o carreiro lá vou eu. Recuso olhar para trás. Aproveito para rever toda a paisagem e fazer um filme cerebral para sempre recordar. Parece mais longo o mesmo caminho de regresso. Chegados ao porto de abrigo, deixo o que havia levado vestido e trazido nos braços e sigo para dentro de um mesmo mar porém este cheio de calma e serenidade, onde as suas ondas não chegavam nem ao centímetro. A temperatura parecia maior. Entro nele e me sento como se estivesse numa vasilha de hidroterapia ou coisa assim como que parecida. Cambas se sentam em volta e em volta se iniciam conversas cruzadas, olhos do passado vendo coisas do futuro e vice versa. Não se chora o tempo, vive-se o tempo. Alguém que nem sei se fui eu ou outro diz que nós somos o somatório dos nossos passados. Aceno com a cabeça parecendo mais culto que a cultura que trago, já que dentro de mim só está mesmo a alegria de estar ali rodeado de amigos de outros e de novos tempos. Ali mesmo não interessa o nome dos rios que correm do sul para o norte ou antes pelo contrário. Ali não interessa se a serra é um conjunto de montes ou um instrumento de corte. Ali não há corte. Ali há o estar, o viver a vida do instante.
Sanzalando em Angola
Carlos Carranca

2 de janeiro de 2006

Uma estória verdadeira(30)



"Fio": Um café na Esplanada

carranca
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Uma estória verdadeira (30) Hoje, 16:55
Forum: Conversas de Café
Eu mesmo, pela primeira vez consegui entrar, esquecendo calçado e tudo, dentro do início do zulmarinho. Tanto tempo já aqui e ainda não tinha tido o sabor de saber como era ele de molhado. Tempo que mandado no relógio não tinha ainda deixado eu ter esse prazer. Coração não parou, mas acho mesmo que ficou ainda mais acelerado. A loira do deserto ria, todo o mundo se lhe seguiu na vontade de rir. Eu estava finalmente dentro do zulmarinho do meu contentamento. Divididos em dois lá fomos nos barcos de motor fora de borda. Vítor e Vicente eram mesmo o nome dos barqueiros. Acho mesmo que a divisão foi feita em função dos pesos porque um barco deu berrida no outro que nem distância de mais de cem metros logo ali nos cinquenta de arranque. Ou se calhar os motores eram diferentes e eu estou para aqui a divagar, misturando as ruas de Luanda com a travessia deste zulmarinho. Chegamos ao dito cujo e desejado destino, depois de fazer uma perpendicular e depois uma paralela, essas coisas que os marinheiros têm de não andar em linha recta para provar que o caminho mais curto entre dois pontos é mesmo a linha curva: Mussulo de seu nome, próprio e apelido. Só lhe conhecia de nome e de fotografia. Nunca nesta minha encadernação eu lhe havia pisado a areia. Me disseram que o poiso era ali naquela casa de gente simpática que eu desconhecia a existência e acabei de gostar mesmo deles. Não é que a dona mais nova da casa estava a fazer os trabalhos escolares de Inglês e aparecem estes excursionistas de fim de semana a estragar a concentração? Abancados, descarregados os sacos e sacolas, os comes e os bebes seguiram para o gelo aqueles que para o gelo tinham que ir. Agora o caminho, é-me dito, que a pé se vai para a contra-costa. Me pergunto como é que é isso, mas vou e não o pergunto nada a ninguém. Não lhes mostro que a minha geografia ficou por rios e serras doutros lugares. Desconheço a largura da ilha que é península. Vou com os outros, ziguezagueando por entre casas, árvores e arbustos e cujo o meu conhecimento de agronomia ou silvicultura não chega para lhes baptizar. Bananeiras e palmeiras lhes vou conhecendo neste caminho que atravessa um improvisado campo de futebol com balizas e tudo. Se sente cada vez mais perto o cheiro de mar aberto assim como se ouve que hoje o mar não vai estar chão. Quando lhe vejo lhe sinto a alegria de me ver, as suas ondas estão como que a chamar por mim numa ânsia de me abraçar e enrolar. Perco pouco tempo a desfazer-me das coisas que trago e são prescindíveis. Me atiro ao zulmarinho sem lhe medir a temperatura, sem lhe olhar nas ondas que se atiram na areia. Qual artista de circo voo de trapézio do chão num encorpado estatelado dentro da água, qual criança num brinquedo novo. Lentamente outros vão chegando e se colocam a meu lado naquela água salgada cuja temperatura é de sopa. Ondas que se vão e se vêm numa arritmia compassiva. Se lembram criancices, se aproveita a força motriz das ondas para andar na boleia. Se improvisa ali logo um campeonato do mundo e alguns arredores. Corpo moldado pelo tempo é remoldado na forma aquática de melhor aproveitar a força da espuma branca. Quem sabe sabe e não esquece. Kandengue que nos acompanha fica que nem admirado com a nossa juventude boleística e conhecimento de balística, já que desprevenidamente somos por vezes atirados contra pernas de quem está ali a tomar coragem de enfrentar a força meigamente bruta deste zulmarinho de minha alegria. Lhe faço ultrapassagens que nem Fangio noutras corridas. Ele me olha com misto de satisfação e admiração. Pré-cota lhe está a dar berrida assim numa corrida de brincar? Vais ver ele fez que nem de propósito só para o meu ego ficar mais engordado. Eu lhe agradeço mas não lhe digo. Traídos pela falta de exercício e treino num ginásio qualquer a força se vai indo vertiginosamente embora.

Sanzalando em Angola
Carlos Carranca
recomeça o futuro sem esquecer o passado