20 de dezembro de 2025

anúncio de inverno

O inverno tem destas crises de identidade. No calendário, ele já se anuncia com o rigor das sombras longas, mas aqui fora, na quase entrada da sua estação, o céu parece não se decidir entre a despedida do outono e a chegada do frio. É um dia de sol e chuva, um daqueles espetáculos meteorológicos que nos obrigam a uma dança constante com o guarda-chuva, o casaco e a gabardine.

Acordamos com luz de uma nitidez cruel. O sol de dezembro não é o sol quente e preguiçoso de agosto, é uma luz limpa, de cristal, que não aquece a pele mas ilumina cada detalhe da rua, que brilha no olhar baço de um dia que irá ser. As poças de água da noite anterior brilham como espelhos partidos no asfalto. Há uma promessa de claridade que nos engana, fazendo-nos deixar o casaco mais pesado em casa, num excesso de otimismo.

Mas a atmosfera é traiçoeira. No horizonte, as nuvens não chegam devagar; elas galopam quais cavalos à solta. São cinzentas, carregadas, com barrigas pesadas de chumbo que contrastam com o azul elétrico que ainda resiste por cima das nossas cabeças.

De repente, sem aviso de vento ou trovoada, as gotas começam a cair. É uma chuva grossa, mas iluminada. É o que os antigos chamavam de "chuva das bruxas". A cidade ganha um aspeto surrealista: as pessoas correm para as marquises enquanto os seus rostos continuam banhados por raios solares.

Há algo de profundamente poético nesta indecisão do tempo. É assim como se o céu estivesse a tentar lavar a poeira do mundo sem querer apagar a luz. O cheiro que sobe da terra mistura-se com o ar gelado, criando uma perfume que é a própria essência da mudança de estação.

Neste dia de "sim mas não", aprendemos a aceitar a impermanência. O arco-íris surge, tímido e incompleto, entre dois prédios, lembrando-nos que a beleza precisa sempre de dois elementos opostos para se manifestar. O ritmo da cidade abranda. O café da esquina enche-se de gente que olha pela montra, à espera que a nuvem passe, enquanto o sol continua a refletir-se nas chávenas.

Na entrada do inverno, estes dias servem para nos preparar. Dizem-nos que o cinzento está a chegar, sim, mas que o sol não desapareceu, apenas mudou de tática. Ele agora brinca às escondidas, aparecendo apenas o tempo suficiente para nos lembrar que, mesmo nos meses mais curtos, a luz guarda sempre um lugar na agenda.

Termina a tarde e o céu fica de um laranja dramático, lavado pela água e polido pelo frio. É o inverno a dizer-nos que, mesmo na chuva, há uma claridade que só ele sabe dar.




Sanzalando

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