O inverno tem destas crises de identidade. No calendário, ele já se anuncia com o rigor das sombras longas, mas aqui fora, na quase entrada da sua estação, o céu parece não se decidir entre a despedida do outono e a chegada do frio. É um dia de sol e chuva, um daqueles espetáculos meteorológicos que nos obrigam a uma dança constante com o guarda-chuva, o casaco e a gabardine.
Mas a atmosfera é traiçoeira. No horizonte, as nuvens não chegam devagar; elas galopam quais cavalos à solta. São cinzentas, carregadas, com barrigas pesadas de chumbo que contrastam com o azul elétrico que ainda resiste por cima das nossas cabeças.
Há algo de profundamente poético nesta indecisão do tempo. É assim como se o céu estivesse a tentar lavar a poeira do mundo sem querer apagar a luz. O cheiro que sobe da terra mistura-se com o ar gelado, criando uma perfume que é a própria essência da mudança de estação.
Neste dia de "sim mas não", aprendemos a aceitar a impermanência. O arco-íris surge, tímido e incompleto, entre dois prédios, lembrando-nos que a beleza precisa sempre de dois elementos opostos para se manifestar. O ritmo da cidade abranda. O café da esquina enche-se de gente que olha pela montra, à espera que a nuvem passe, enquanto o sol continua a refletir-se nas chávenas.
Na entrada do inverno, estes dias servem para nos preparar. Dizem-nos que o cinzento está a chegar, sim, mas que o sol não desapareceu, apenas mudou de tática. Ele agora brinca às escondidas, aparecendo apenas o tempo suficiente para nos lembrar que, mesmo nos meses mais curtos, a luz guarda sempre um lugar na agenda.
Termina a tarde e o céu fica de um laranja dramático, lavado pela água e polido pelo frio. É o inverno a dizer-nos que, mesmo na chuva, há uma claridade que só ele sabe dar.
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