11 de dezembro de 2025

as pernas longas do tempo

Na minha cidade, feita de poeira e sem pressas, onde relógios brilham nos pulsos dos mais velhos, sem ansiedade impaciente, vivia um velho relojoeiro. Ele não consertava apenas engrenagens; ela ouvia o coração do tempo, até dos atrasados Cauny ou dos novíssimos Omega, dos simples aos cronômetros complicados.

Um dia, um viajante cansado, de fato cinzento e passos silenciosos, parou na porta da sua loja.

- Relojoeiro - disse o viajante, na sua voz que mais parecia com o sussurro da areia que caía numa ampulheta antiga - os meus sapatos estão gastos. Eu sigo as pernas longas do tempo, e elas nunca cansam, porém o meu relógio desde ontem que paralisou no tempo.

Ele mostrou o seu sorriso, sem largar a minúscula lente com que observava um velho relógio que também se cansara de circular ponteiros. 

- Ah, as pernas longas que o tempo tem, têm um alcance impressionante, não é?

O viajante melancólico disse que sim e continuou:

- Quando nasci, elas deram um passo. Um passo largo o suficiente para me tirar da infância num piscar de olhos, fazendo o quintal parecer subitamente pequeno. Pensei que o tempo estivesse a fugir para longe de mim.

- Muitos pensam - murmurou o relojoeiro sem tirar os olhos do tempo parado do velho relógio que tentava recriar.

 - Mas eu observei - continuou ele - e percebi que não era a velocidade. Era a escala. Em momentos de alegria, ou de espera angustiante, as pernas longas simplesmente se dobram. Elas dão um passo tão minúsculo que um único segundo se estica e se desenrola, revelando cada respiração, cada tom de cor. Um beijo pode durar uma vida, um adeus pode ser instantâneo.

O viajante olhou para a rua onde não passava ninguém e continuou:

- Agora, elas estão marcham rápido de novo. Levam as montanhas até o mar e transformam reinos em lendas antes que eu possa terminar um copo de água.

- E o que o assusta nelas agora? - perguntou o relojeiro, finalmente erguendo os olhos e largando a velha lente sobre a palma da mão que a esperava.

- O facto de que elas não têm direção - respondeu o viajante - Elas andam para a frente, mas também para trás, trazendo de volta memórias com tanta vivacidade que o passado se torna presente. Elas não me levam apenas para o futuro; elas carregam tudo. E quando elas derem o passo final de uma vida, eu me pergunto, onde elas pisarão a seguir?

O relojoeiro pousou as ferramentas, ouviu-se um clique suave do metal e disse:

- Este já tiquetaqueia de novo. Meu caro - disse ele, apontando para o coração pulsante de um relógio de pêndulo - as pernas longas do tempo nunca param. Elas não caminham sobre a poeira da Terra; elas caminham sobre o significado que damos a cada momento. Quando o seu tempo terminar, as pernas longas do tempo não desaparecem. Elas simplesmente dão o passo mais longo de todos, aquele que transforma a sua vida em história. E então, elas começam a marchar através da memória de quem fica.

O viajante sorriu pela primeira vez. 

- Então, as pernas longas do tempo são na verdade as pernas da eternidade disfarçadas?

- Não - disse o relojoeiro piscando os olhos - São apenas o ritmo da vida. Cabe a nós decidir se o próximo passo é uma corrida ou uma dança.

O viajante saiu, e o relojoeiro ouviu o passo constante e interminável das pernas longas do tempo, como se fosse um concerto de melodia tiquetaquizada  infinitamente.



Sanzalando

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