13 de dezembro de 2025

eu e a couve-flor

O sol estava com as forças fracas, próprias de um outono quase inverno e das 9h da manhã, eu era portador de um optimismo primaveril. Era hora de eu ir ao Mercado Municipal, levando um saco de ráfia ou coisas parecida, que tinha um desenho suspeito de uma abelha com óculos de sol.

O primeiro objectivo era simples: comprar uma couve-flor quase perfeita.

- Bom dia,! Cedo hoje, hein? - cumprimentou-me o Sr. Juvenal, o homem da segurança, com um sorriso sonolento.

- Cedo, sim, Juvenal. A caçada à Brassica oleracea exige pontualidade. - respondi com a seriedade de um general prestes a entrar em batalha e mostrando toda a minha cultura que não é agrícola.

Ao entrar no mercado, mergulhei imediatamente no caos vibrante. O ar cheirava a terra fresca, coentros, e um leve toque de desespero matinal.

A primeira paragem foi na banca do Tiago, o verdadeiramente conhecido por ter o melhor repolho e o humor mais azedo da região.

- Tiago, não há couves-flores que prestam? - disparei inspecionando uma que parecia ter levado um soco.

Tiago, sem tirar os olhos do que estava a fazer, murmurou: 

- Estão ali, perto das abóboras. Não reclame, o preço está nas alturas. Culpa do tempo, dos impostos, e do meu gato que não me deixa dormir.

Suspirei. Eu sabia que o Tiago inventava histórias. Na semana passada, a desculpa foi o stress pós-traumático de uma beterraba estragada.

Dirigi-me à pilha de couves-flores, onde me deparei com sua arqui-inimiga matinal: Dona Euredice, estava a inspeccionar cada cabeça de couve-flor com a meticulosidade de um perito forense.

- Euredice! Que surpresa desagradável! Pensei que estivesse na sua casa, a meditar sobre a humildade, o reumático ou os netos que não tem - alfinetei.

Dona Euredice levantou uma sobrancelha, os óculos deslizando para a ponta do nariz:

- Meu querido. Estou apenas a garantir que esta couve-flor não tenha a mesma textura esponjosa que a sua moral. Ah, olhe! Esta aqui está perfeita!

Euredice pegou a couve-flor mais branca, mais firme e de aparência mais angelical da pilha.

Num acto de pura audácia e reflexo, estendi a mão para pegar uma segunda, igualmente majestosa, mas o cotovelo de um apressado bateu na minha sacola.

A couve-flor perfeita escorregou dos meus dedos e rolou acabando num estatelado e fragmentado.

Bem, não apenas rolou, ela ganhou impulso. Ela passou pelo pé do Tiago, que mal a notou. Ela curvou por cima de uma caixa de batatas-doces, desviou-se de um carrinho de compras e, com um toque dramático, escondeu-se sob a banca de pimentos coloridos, feita em fragalhos.

Larguei o saco, agachei-me, engatinhei, afastando as pernas das pessoas, ignorando os "Desculpe!" e "Cuidado, pá".

- Eu vi! Ela fugiu para perto do chuchus!", gritou um menino.

Dona Euredice, inicialmente chocada, agora estava a rir-se em silêncio.

Finalmente cheguei à banca dos pimentos. Olhei para o chão, mas a couve-flor não estava lá, o que estava lá eram pedaços de cérebro.

- Ei, pá, estás à procura de algum um anel de diamante? - perguntou o Sr. Domingos que vendia os pimentos, rindo.

- Perdi o meu futuro almoço! Ela... ela fugiu-me.

Nesse momento, uma senhora de chapéu grande inclinou-se, aponta para o lado e diz-me.

- Não fugiu, querido! Seu cérebro está fazendo um picado pelo mercado. Olhe lá a sujeira que fez!

Corri dali para fora, fui para a secção de pães, por outros corredores, e cheguei à seção de queijos, ofegante.

Lá estava uma tão bela Brassica oleracea, como a fugitiva branca, encostada suavemente num grande conjunto de queijos.

Peguei-a, abracei-a como se fosse um recém-nascido, uma pérola, uma pedra preciosa.

- És minha, não vai escapar de mim! Vou fazer-te em puré tão bom que o Tiago vai ter que admitir que errou nas suas inverosímeis desculpas. 

- Esta ida ao mercado hoje foi uma aventura. - disse Euredice que me olhava desde o início - Mas sugiro que lave essa coisa. Está com cheiro de Parmesão ou Estrela - continuou.

Sorri, segurando a couve-flor ligeiramente temperada com queijo.

- Prefiro pensar, Euredice, que ela apenas adquiriu um toque de sabor gourmet.

Afinal de contas eu fui ao mercado e cumpri com a minha missão


Sanzalando

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