15 de dezembro de 2025

eu e o cachorro-quente

Naquela noite de sábado, a feira parecia respirar preguiça. A noite tinha caído depois de um Pôr-do-Sol mágico, os bancos de madeira das arcadas estavam vazias frente à barraquinha dos cachorros-quentes do Sr. Ferrão.

Eu cheguei com a fome de quem tinha jantado um jantar leve. O cheiro do pão aquecido, da salsicha aquecida na água e da mostarda faziam-me uma qualquer promessa que se dissolver no ar e me dizia que era hora de aproveitar a não chegada de muita gente. Pedi um cachorro-quente com tudo, porque há decisões que pedem coragem. E eu além dela tinha fome. D. Lígia me reconheceu e achou estranho:

- Não jantaste, João Carlos?

Que sim, respondi meio a medo não fosse ela não querer me dar o saboroso e antecipado babar de cachorro quente. Virou-se para o marido e disse para me dar o cachorro-quente. Foi caprichado. Estava mais saboroso do que é habito. Achei eu

O Sr. Ferrão sorriu como quem me entrega um segredo. Mostarda em zigue-zague. Quando mordi, o mundo diminuiu de tamanho. O barulho da feira virou fundo musical, e cada mordidela era um acordo silencioso entre prazer e bagunça escorrendo pelos cantos da boca.

Ao meu lado, uma criança ria porque o molho escapou e pintou-me a camisa. Do outro, um casal discutia se comiam ou não com cachorro-quente, discussão antiga, com vencedores antecipado que foi quem disse que ia. Eu mastigava devagar, respeitando o ritual, sentindo o pão ceder, a salsicha responder, os sabores se encontrarem no meio do caminho.

Quando terminei, os dedos estavam sujos e o coração, limpo. Limpei as mãos num guardanapo insuficiente, como manda a tradição, e fiquei ali mais um pouco, vendo a vida passar em passos curtos. Às vezes, a felicidade cabe num pão macio, numa salsicha quente e na certeza de que, por alguns minutos, nada mais importa.



Sanzalando

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