A saudade é uma palavra que se veste de gala na língua portuguesa, se forma poesia ou romance, mas que, na verdade, prefere andar descalça pelos cantos da nossa memória. A saudade é o preço que pagamos por termos vivido algo que valeu a pena.
Estranhamente, ela não nasce apenas do que perdemos. Existe uma saudade que é quase uma profecia: aquela que sentimos enquanto ainda abraçamos alguém, antecipando o momento em que os braços se vão soltar. É o medo de que o agora se torne num ontem depressa demais.
Tem gente que diz que a saudade dói. E dói, de facto, como um aperto na alma. Mas há uma doçura clandestina nesse aperto. Se não sentíssemos saudade, significaria que nada nos marcou, que passámos pela vida sem deixar que o mundo nos tocasse. É o cheiro da maresia ou o som de uma porta que rangia de forma específica na casa dos avós. É o eco de uma gargalhada que já não habita o presente, mas que continua a fazer vibrar o ar quando fechamos os olhos. Talvez a mais difícil de carregar, a falta que sentimos da pessoa que fomos em determinado momento da vida, antes das responsabilidades nos endurecerem a pele, nos enrugarmos de idade.
Olhamos para o mar e, mesmo sem ter ninguém do outro lado, sentimos que algo nos falta. É um estado de espírito que nos permite estar aqui, mas com o coração em algures, do outro lado. Se calhar, mesmo do outro lado de nós.
No fim de contas, a saudade é a prova viva de que o tempo não é uma linha. O passado não ficou lá trás, ele viaja connosco, guardado em frascos de perfume, em melodias de rádio e em nomes que o tempo não consegue apagar.
Ter saudade é, acima de tudo, ter para onde voltar, mesmo que esse lugar já só exista dentro de nós.
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