Tempos houve que o intelectual era visto como uma espécie de farol, solitário, que do alto da sua torre de marfim, lançava luz sobre a ignorância das massas. Hoje, essa imagem não só está desactualizada como é, no limite, arrogante. Numa era onde a informação é instantânea e a opinião é uma mercadoria barata, o que resta, afinal, para aquele que se dedica ao pensamento crítico?
O que mais se espera de um intelectual hoje não é que ele tenha todas as respostas, mas que saiba fazer as perguntas certas mesmo que sejam desconfortáveis. Num mundo de polarização cega, onde todos têm certezas absolutas sobre tudo, da geopolítica à virologia, o intelectual deve ser o primeiro a dizer: "É mais complexo do que parece". A sua função é resistir à sedução do simplismo e devolver ao debate a sua necessária nuance.
Espera-se que o intelectual seja um "traidor" por natureza — não dos valores éticos, mas das bolhas ideológicas. Se um pensador apenas valida o que o seu grupo político ou social quer ouvir, ele não é um intelectual; é um relações-públicas. O verdadeiro intelectual é aquele que está disposto a criticar os seus próprios aliados quando estes atropelam a coerência ou a honestidade intelectual.
De que serve uma ideia brilhante se ela estiver trancada num dialeto hermético que apenas três académicos compreendem? Espera-se que o intelectual seja um ponte. Ele deve ser capaz de traduzir a complexidade do mundo para uma linguagem que dialogue, sem com isso sacrificar o rigor. O pensamento deve servir para elevar o nível da conversa coletiva, e não para criar novos muros de exclusão social. Por fim, espera-se que ele habite a periferia do poder. O intelectual que se aproxima demasiado do trono corre o risco de se tornar um cortesão. A sua posição deve ser a de um observador atento, alguém que mantém a distância necessária para denunciar o abuso, a injustiça e, acima de tudo, a manipulação da linguagem, que é onde a tirania costuma começar.
Em suma, o intelectual não é o dono da verdade, mas o seu eterno perseguidor. Dele não esperamos o conforto da solução, mas o desconforto da lucidez. Num tempo de algoritmos que nos dão sempre a razão, o intelectual é aquele que nos lembra de que podemos estar errados. E essa é, talvez, a maior generosidade que alguém pode oferecer à sociedade.
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