recomeça o futuro sem esquecer o passado

19 de setembro de 2024

Queria

Queria deixar de me sentir de mãos e pés atados quando não estás.
Queria deixar de ser pó que sujam paredes, grandes e pequenas.
Quem me dera saber tudo o que aconteceu nos últimos cem anos e ver todo o anterior mundo e imaginar saber como é que eles viveram sem o saber destes últimos.


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18 de setembro de 2024

Gulherme de Melo - Autor

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Crónica 24 - K'arranca às Quartas


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Tesourinhos Musicais - Os Álamos


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Programa 35 K'arranca às Quartas

Programa de Rádio com palavras, livros e música  - 11 de Setembro de 2024. 

  como se fosse em directo

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despido de pensamentos

Por instantes perdi-me na rua da imaginação e desencontro-me nu de ideias e pensamentos. Vou assim num pensar mais do mesmo ou vou variar num modo de ser pequenino no meio da velha idade que trago? Sentei-me num lancil a olhar cada carro que passava. Adivinhava o ano em que foi fabricado. Não sei quantos acertei ou errei. Não era importante. Queria era pensar e tentar desempenar a fábrica dos pensamentos e desimpedir a rua da imaginação. 
Continuei despido. Nem uma palavra literária saiu. Bronca mental, pensei. Ups. Pensei um pensamento que foi Bronca Mental. Não está mal de todos. Estou despido porem não parado de pensar. Só simples pensamentos. Foi o que fiz. Pensei soletrando. Pensamento em pensamento assim sem ladrilho ou caixilho, desimpedido de belezas e outros floreados. Calcetei os meus pensamentos simples na forma de arrumado para mais tarde utilizar.

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17 de setembro de 2024

instantâneo

Deixado levar pelo tempo naveguei por saudades, nadei por mares de outrora e mergulhei em memórias de infância. Fui criança e foi bom. Fui adolescente e foi bom. Tornei-me adulto e gostei. Como adulto fiz mil coisas. Umas foram boas, outras nem tanto. Umas vezes errei e outras nem eu sei o que aconteceu. Não porque tivesse apagado da memória, mas apenas porque nunca soube o resultado. Algumas nem me lembro do que é que era e outras não tenho maneira de saber porque o tempo apagou a pegada que me podia levar ao ponto X. 
Agora, grisalhado e com menor número de cabelos por centímetro quadrado gosto-me. Não faço questão de saber se agrado ou não. Gosto-me e isso é-me muito mais importante porque só assim eu posso gostar de alguém.
Voltar atrás não é o meu horizonte. Recuperar tempo não é a minha meta. Vivo cada instante por instante. Sério, sorrindo, consciente.
Tenho saudades. Sinto-me nostálgico. Mas é sinal que eu tive lá, nesse tempo, nesse lugar, nesse instante. Que melhor posso eu querer da vida?


Sanzalando

16 de setembro de 2024

tempo e tempo

E se é loucura eu não falar das minhas dores vou falar mais o quê pois então? Se eu falar do tempo vou ter dificuldade em separar o meteorológico do tempo decorrido no relógio. Pois aí eu ia ficar louco e teria que sair do meu cantinho resguardado onde olho o mar sem me preocupar com nenhum dos tempos. Vou falar em dormir? Se estou a dormir nem sei como é que o tempo passa e nem sei o que passa na minha cabeça. Vou falar mais o quê? Vou falar de sentimentos? Não me apetece mais nada agora senão um abracinho. Falar só por falar também não é minha obra e graça. 
Acho mesmo continuar calado a olhar o tempo. Qualquer dos tempos.



Sanzalando

11 de setembro de 2024

As Três Vidas - João Tordo


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Tesourinho Musical 11


Sanzalando

Crónica 23 K'arranca às Quartas


Sanzalando    

Programa 34 K'arranca às Quartas

Programa de Rádio com palavras, livros e música  - 11 de Setembro de 2024. 

  sem cortes, filtros ou correcções!

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uma carta que não mandei

Eu poderia escrever-te uma carta cada dia e para sempre assim seria. Mas um qualquer dia o para sempre acaba e eu não fico à espera que a minha alma te continue a escrever. Afinal de contas nem tu sabes quem eu sou, o que fiz e para onde vou. Podes ter uma vaga ideia, um retrato a preto e branco queimado pelo tempo que teve escondido na gaveta da memória, mas certamente nem te lembras da minha existência que um dia nasci muito antes de ti.
Eu esperei-te anos e com tantas impressões, sugestões e outras questões o tempo passou e nada mudou. Amei-te. Amo-te, seja lá o que é que isso seja. Recordo-te no último olhar que te dei e tudo resto memorizei e nunca apaguei.
Desfalecimento total na nossa ligação, nem arranjado ou replaneado foi reparado ou recuperado.
Eu podia escrever-te uma carta mas não tenho morada nem direcção e a letra trémula jamais conseguiria escrever todas as palavras que eu te podia ter dito nestes anos todos


Sanzalando

10 de setembro de 2024

os cinzentos dias

Acordei, o sol já não me abraça no seu calor porque o verão está a findar. Os silêncios começam a aparecer, as noites frias entram casa a dentro sem convite e sem cerimónia. Nos armários começa a azafama das substituições, saem os polos e entram as mangas compridas, saem calções e entram calças. As memórias vão sendo substituídas por adeus e recordações recentes em substituição da falta de tempo. As frases calam-se ou entristecem-se nas cinzentas tardes que se adivinham estão a chegar.
As horas passam lentas e a correria é substituída pela vagaroso modo de estar quieto para ver se a rua se alegra daqui a pouco. Os cinzentos dias estão para chegar.



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9 de setembro de 2024

nasci?!

Tem dias que a gente olha para trás e lembra que tem um passado quase do tamanho da gente. Mas na verdade para a gente, nós os próprios, só tem dois dias que são importantes de importância máxima. O dia que a gente nasceu e o dia que a gente toma consciência que nasceu mesmo. Esse é o dia que a gente agradece algo a alguém, no dia que a gente sente gratidão, no dia que a gente toma nota que existe. 
Esse dia pode ser qualquer dia da vida, mas é importante quando a gente toma consciência que está viva e que a gente é hoje porque entendeu esse passado lá atrás que pode ser apenas ontem.
Imagina que foi quando esbarrei com um olhar, quando meu avô me penteou e me sorriu porque eu fiz coisa bonita que nem foi para ele. Um instante sem cicatriz. A gente só precisa ter consciência que nasceu

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5 de setembro de 2024

artificialmente me fiz

Desregradamente sigo em meu silêncio. Moribundo-me em cada instante de saudade. Calo-me em cada estado de espírito angelicamente. Sou presente que tem um passado a olhar o futuro.
Todos os meus caminhos levaram-me por uma estrada desenhada ao acaso, percorrendo um trajecto que chegou a um ponto que eu interrogo com certa exclamação. Vivi ou vi a vida como se ela fosse um filme que eu não interpretei? Não fui herói nem vilão. 
Sou um anonimo caminhante que calado se fez à estrada. Sorrindo, por vezes com lágrimas, dou passos segurando a cada instante numa realidade imaginada. 
Eu sou o meu caminho apesar de morto tantas vezes. Eu existo-me em cada instante, em cada passo e em cada olhar. Prolongo-me em cada gargalhada e embrulho-me no sal das lágrimas em instantes raros que me revigoraram.
Sou assim, defeito ou virtude, artificialmente imaginado na realidade possivel.




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Mia Couto - Terra Sonâmbula


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31 de agosto de 2024

morte fúnebre que não morri

Tem coisas na vida que não me matou mas tenho ganas de morrer quando as recordo. Eu morro de saudade. Eu morro de amor. Eu já morri tantas vezes que até tenho saudades desses dias de morte fúnebre que não morri. 
E se a terra gira e daqui a pouco estou noutro ponto da galáxia, eu vou morrer deste ponto em que virgulei um texto. Eu morro em cada segundo do meu passado e cada vez tenho menos futuro e morro quando lá chegar. 
Sócrates, Platão, Pitágoras, Arquimedes. Salvai-me que eu morro de perguntas, de respostas e silêncios.
Eu andava de cações e usava suspensórios, joelhos esfolados e cabelo cortado à escovinha. Tenho saudades e esse tempo morreu e eu morri com ele.
Eu usava calças à boca-de-sino e camisa de mil-flores, larga e cabelo comprido. Tenho saudades desse tempo e eu morri com ele.
Usava cabelo aparado, calças de ganga, que não tinha dinheiro para jeans, e usava pastinha com sebentas e livros. Esse tempo acabou e eu tenho saudades. Morreu-me esse tempo e eu morri com ele.
Usei cabelo comprido, roupa desmarcada, porém limpa e asseada, bata branca ou fato verde e esse tempo acabou e me ficaram as saudades.
Que ganas eu tenho de ter saudades dos tempos todos que me morreram.

Sanzalando